Caroline Costa é escritora, autora de “Uma Jornalista de Futuro”, “Versos de Mim” e “Meu Porto, Tua Estrada”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Em meu trabalho não há como desenvolver uma rotina, pois envolve a atuação como agente de leitura em uma escola estadual três vezes na semana lidando com projetos que exigem dinâmicas diferentes. Periodicamente recebo propostas para a elaboração de materiais didáticos para educação à distância em cursos de graduação e pós graduação que são distribuídos para universidades de diferentes partes do país.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para as escritas de materiais voltados para a educação a distância que elaboro, que exigem de muita disciplina, uma luta contra prazos e um exercício de criatividade em transformar conteúdos em textos agradáveis, dialógicos e instigantes, meus melhores momentos para as produções são na parte da manhã e da noite. Nos períodos em que escrevi meus romances e poesias, para cada trabalho adotei um tipo de procedimento.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Em meu primeiro romance, “Uma Jornalista de Futuro”, foi um processo que levou muitos anos, onde iniciei os rascunhos com catorze anos e só publiquei o livro com trinta e poucos anos. Essa história caminhou e amadureceu junto comigo. Acredito que haja um tempo certo para cada acontecimento e depois do que aconteceu com essa publicação, essa crença só aumentou. No dia em que buscava uma editora, encontrei a Pod Editora que oferecia um serviço de diagramação, capa e impressão a partir de um exemplar, tornando, assim, meu sonho possível de ser realizado. No mesmo dia em que enviei o arquivo com livro (já registrado na Biblioteca Nacional), recebi um e-mail de minha diretora de uma escola estadual informando sobre um concurso para professores autores do Estado do Rio de Janeiro. No mesmo momento enviei um e-mail para os responsáveis pelo concurso, informando que queria muito participar, que havia enviado o livro para editora e já estava encaminhado para ser publicado. Os responsáveis me responderam no dia seguinte que eu só poderia participar do concurso se tivesse uma pré-capa e o resumo do livro pronto. Meia hora atrás a editora havia me enviado uma pré-capa, o que considerei uma coincidência que me deixou bastante esperançosa. Encaminhei imediatamente aos responsáveis pelo concurso. No outro dia obtive a resposta de que meu livro foi um dos seis escolhidos. Resultado: Em vinte dias, um livro que só existia em minha mente e em meu computador me levou a participar do Salão do Livro do ano de 2013, onde o Estado comprou 50 exemplares distribuídos aos participantes do evento e fui homenageada participando de uma manhã de autógrafo neste projeto de grande importância que conta com a presença de escolas de todo o Rio de Janeiro.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Com o segundo Romance, “Meu Porto, Tua Estrada” ,precisei começar do zero pelo fato de um dos personagens ser cadeirante e eu não conhecer a rotina de quem precisa lidar com limitações específicas por paralisação de membros inferiores e limitações de locomoção. Sabia da responsabilidade que estava em minhas mãos em levantar questões tão delicadas sem ter propriedade para abordar tais temáticas. Mas a vontade de escrever essa história, a paixão que me moveu a cada passo eram tão fortes, que junto com o processo de escrita, vinha o exercício de pesquisa e a certeza de que faria um bom trabalho.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Por ser autora independente, esses sentimentos são bem mais controlados, já lido com tantos prazos nas elaborações das escritas dos materiais didáticos, então com os romances e poesias, me deixo a mais livre possível. Acredito que quanto mais consiga essa liberdade e espontaneidade, mais criativas ficam minhas obras. Essa em especial, “Meu Porto, Tua Estrada”, apresenta uma variedade de recursos expressivos que tornam a obra muito diferenciada. Como exemplo posso destacar que no início do livro há mudanças de narrador, onde os próprios personagens se apresentam para depois dar passagem ao narrador em terceira pessoa para continuar a história. Além disso, estão inseridos no Romance gêneros como entrevista, trecho de diários, músicas, poesias, carta, espaço para os leitores escreverem para os personagens, assim como uma rápida passagem dos personagens do primeiro romance. Um detalhe é que quando uma professora de língua portuguesa leu, a primeira coisa que perguntei era se ela tinha se dado conta desses recursos. Ela confessou que não, pois sentiu que a história prendeu tanto sua atenção, que ela mergulhou de tal forma e uma proximidade tamanha com os personagens que fez com que ela tivesse a sensação que eles realmente existiam.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
O primeiro Romance não tive tempo hábil para revisar, pois em 20 dias se deu o processo de publicação e lançamento. As poesias tenho o costume de já compartilhar em redes sociais, e normalmente surgem de imediato, a inspiração vêm e em poucos minutos o texto já está finalizado. Com o segundo Romance tive tempo de revisar, reli por três vezes e a amiga que fez o prefácio, Jamile, também me auxiliou no processo de revisão. Uma das ações mais ousadas que tive com essa situação, foi publicar “Meu Porto, Tua Estrada” sem nenhum cadeirante ter lido para me dar um feedback se a história era realista, se consegui passar para o papel um pouco do cotidiano deles. Ao mesmo tempo que foi uma atitude arriscada, dentro de mim eu sentia que havia escrito com sensibilidade e empatia e que a mensagem que gostaria de ter passado foi alcançada. Assim que os primeiros leitores cadeirantes retornaram com seus comentários, mais momentos que me levaram às lágrimas de tanta emoção em eles dizerem que se sentiram representados, que passaram por várias situações relatadas no Romance e que os deixaram esperançosos. Outras reações de outros leitores que percebi foi de terem um olhar mais empático para a situação da acessibilidade e por terem se sentido muito presos à leitura, finalizando o livro em poucas horas. Não tem preço quando alcançamos um resultado assim.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Para os romances e poesias eu instintivamente vou para os rascunhos à mão, preciso ver essas ideias em meus rascunhos. Os textos para educação, pelo tempo corrido, vão direto pelo computador, onde já realizo pesquisas e vou desenvolvendo os temas.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias não são inspiradas em ninguém em especial. Acreditava que pararia no primeiro Romance, quando dois anos depois vinha a ideia do segundo. Agora me sinto mais à vontade para dar continuidade às escritas. Apenas estou em um momento de pausa, porque sinto quase como uma missão, que Meu Porto, Tua Estrada, deve ir longe, deve chegar em escolas, deve ser lido por um grande quantitativo de pessoas para que o tema sobre acessibilidade ganhe mais visibilidade. E quando falo em acessibilidade estou restringindo ao personagem cadeirante. Eu desenvolvo o livro de tal modo em que todos nós nos vemos nos dilemas dos personagens em que ponho em cheque a questão de como administramos nosso tempo para estarmos com quem amamos, como estamos acelerados, como não estamos ouvindo, enxergando quem está à nossa volta. Essa é a maior mensagem que quero deixar com o livro, uma reflexão para todos nós.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Perfeccionista que sou, acredito que buscarei sempre um trabalho de excelência e tento lidar com a autocrítica cada vez de um modo mais leve. Uma sabedoria chamada Ikgai “uma razão para ser”, corrobora com o que eu penso, devemos sempre nos aprimorarmos, porque perfeitos nunca seremos, nunca estaremos prontos. Então diria a mim mesma que os textos iniciais contribuíram para me tornar a escritora que sou hoje. Considero um sucesso ver que quem leu o primeiro romance se interessou em ler o segundo e vice- versa. Considero um sucesso ser uma autor independente no Brasil e ainda assim conseguir vender meus livros e ter a recepção que estou tendo, ver que tanto nos romances quanto nas poesias as pessoas não só se identificam, mas se reconhecem, considero um sucesso ter recebido seu convite, José, pois seu trabalho é tão necessário e reconhecido no mundo literário.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero investir meu tempo em estudar biblioterapia, que é um tipo de terapia baseada em leituras. Já lido muito com estudos e produções de materiais das ciências psicológicas, tenho um dos trabalhos de uma pós graduação sobre a linguagem emocional na educação a distância, então me voltar para essas duas paixões que é a literatura e as ciências psicológicas é um dos projetos que mais tenho carinho. Principalmente por já ter um engajamento para causas sociais, visitação de ONGs com pessoas com vulnerabilidade, com casas de apoio na luta contra o câncer infanto-juvenil, asilos. Aprender como poder levar a literatura para esses espaços é um dos meus maiores sonhos.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Vou deixando fluir, acredito muito na força potencializadora da espontaneidade da criação, o campo das minhas ideias precisa dessa liberdade. Quanto à segunda pergunta, considero mais difícil a última frase, por vir com a responsabilidade de toda revisão textual por ser uma escritora independente.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Me organizo priorizando as ações do meu trabalho como agente de leitura de uma escola estadual chamada C.E. Prof. Ney Cidade Palmeiro, situada em minha cidade. Por ocupar essa função vivo mergulhada em projetos literários. Assim, acabo entrelaçando ações profissionais e pessoais como escritora. O resultado é uma engrenagem que só viabiliza ainda mais meu poder criativo. Do semestre passado para cá, iniciei com rodas de leitura na Universidade em que sou docente online. Trabalhei com meu romance “Meu porto, Tua Estrada” aplicando a Biblioterapia, experimentando e coletando relatos importantes que me fizeram avançar muito com minhas pesquisas sobre o tema. Paralelo a isso mediei rodas de leitura com alunos dessa escola estadual selecionando contos, crônicas e poesias. E não posso deixar de mencionar a experiência da participação no LER Salão Carioca, onde trabalhei o tema “leitura como remédio para alma sob a ótica de Meu porto, Tua Estrada” . Essa experiência ratificou a tese de que a literatura tem uma força potencializadora atuante como remédio para alma. Do resultado dessas vivências nasceram dois novos projetos pessoais. O primeiro deles é meu quarto livro em construção chamado “Os meus, os seus, os nossos micos: Um tributo ao Riso”. Ao passo que narro situações vivenciadas permeadas pelo humor, vou apresentando informações da importância de se buscar trazer mais leveza e bom humor ao nosso cotidiano. Além de bases filosóficas como obras de Osho, também tenho pesquisado no campo da Neurociência sobre esse tema. O objetivo desse livro também está relacionado ao projeto “leitura como remédio para alma”. Ao passo que o leitor vai se deparando com as histórias cômicas, irá se identificar e fazer associações com suas vivências, tendo momentos de descontração, liberando tensões do dia-a-dia por meio dessas leituras. Já meu segundo projeto que eu chamo de “missão”, vem com a organização de livretos em que distribuo gradualmente com recursos próprios pelos lugares em que circulo e envio pelos correios para todos que se interessam em implementar em suas cidades. São poesias, crônicas e textos que aproximam as pessoas da literatura. A ideia é que depois da leitura, um vá passando para o outro, fazendo essas obras circularem. Concomitantemente a essa circulação, eu também convido os interessados para seguirem meu Instagram @escritoracaroline para acompanharem as publicações literárias que organizo sempre com muita sensibilidade contemplando autores dos mais variados estilos e épocas.
O que motiva você como escritora? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Sou uma apaixonada pela leitura e escrita. Isso já nasceu comigo. Sempre tive muita facilidade em passar meus pensamentos para o papel. Lamento por existirem metodologias que afastam as pessoas desse universo tão rico literário e busco sempre resgatar leitores adormecidos tentando demonstrar com minhas obras o prazer da leitura. Acredito muito no que faço e adoto uma postura de não criar expectativas quanto à quantidade de pessoas e espaços que meus livros alcançarão. Que eles continuem sendo livres mesmo depois de publicados. Como é bom ser surpreendida com os voos alcançados! É justamente essa liberdade que me motiva! Escrevo com e por amor! E isso basta para tudo o que nasce dessas construções. Não me recordo do momento em que decidi me dedicar à escrita, mas o marco inicial certamente foi o desenvolvimento do primeiro romance “Uma Jornalista de Futuro” aos catorze anos de idade.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Alguma autora influenciou você mais do que outras?
Não encontrei dificuldades por não me preocupar em seguir um estilo. Passados todos esses anos, consigo enxergar que minhas obras partem da simplicidade. Até no meu primeiro livro publicado deixo um sinal ao citar no prefácio o seguinte pensamento “No caráter, na conduta, no estilo, em todas as coisas, a simplicidade é a suprema virtude.” de Henry Wadsworth Longfellow. Já recebi críticas de uma booktuber de que meu livro mais recente tem uma linguagem simples demais e por isso não se enquadrava no canal dela para uma resenha. Recebi a crítica com respeito, mas isso não fez com que sentisse qualquer tipo de desvalorização ou desqualificação do meu estilo. É pela simplicidade que conquisto os mais variados tipos de leitores. Uso a linguagem para aproximar, mas os conteúdos apresentados em meus romances são de uma profundidade e complexidade tão significativas que até hoje nunca recebi um feedback de uma leitura tranquila. Sempre houve impactos e confrontos entre leitores e personagens. É muito divertido provocar isso nas pessoas. E mais gratificante ainda receber incontáveis relatos de pessoas que, após lerem meus livros, terem reencontrado o gosto pela leitura que em algum momento do caminho havia se perdido.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
O primeiro livro a recomendar é o “Farmácia Literária”, de Ella Berthoud e Susan Elderkin, onde a partir de anos de pesquisa da literatura universal as autoras recomendam mais de 400 livros para curar males diversos, de depressão e dor de cabeça a coração partido. Estamos vivendo uma época em que mais do que nunca precisamos nos apoiar na arte para lidarmos com a dificuldade do mundo moderno. Por falar nisso, já apresento o segundo livro recomendado, em que estou finalizando a leitura : “Amor líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos” de Zygmunt Bauman. Recomendo para quem deseja se aprofundar mais nas mudanças das relações afetivas do mundo moderno, pra lá de complexas. O terceiro livro recomendado é da Thays Martinez chamado “Minha vida com Boris: A comovente história do cão que mudou a vida de sua dona no Brasil”. O que mais gostei nesse livro foi poder mergulhar na história de vida de uma deficiente visual com uma disposição para luta impressionante, um exemplo de mulher que todos deveriam conhecer. Temas como a inclusão e acessibilidade são mais que necessários para um mundo em que se respeite toda e qualquer diversidade.