Carolina Mancini é escritora de fantasia, ilustradora e professora de Arte da Rede Pública de São Paulo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Bem, eu tinha uma rotina. Costumava acordar cedo, preparar o café e escrever. Muitas vezes antes do sol nascer, eu já estava dedicada ao texto. Mas por conta do trabalho, esse ano tenho escrito de tarde, quando chego em casa, o que não tem sido tão proveitoso. Por isso espero muito que em 2019 possa voltar à minha antiga rotina.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu gosto mesmo de escrever de manhã, com a mente tranquila. E os rituais dependem daquilo que quero escrever. Quando eu preciso apenas tirar a ideia de mim e colocar no “papel”, simplesmente abro o Word e escrevo, às vezes com alguma música instrumental ou que tenha o ritmo e os sentimentos que preciso para a cena. Mas quando eu trabalho a reescrita, ou algum trecho mais difícil, releio o que já havia escrito, revejo as anotações, e aí sim, me coloco a trabalhar, preferencialmente em silêncio.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo um pouco todos os dias, sem meta diária de caracteres ou palavras, mas às vezes faço metas das etapas que quero atingir, de acordo com o texto, como revisar até a cena ou capítulo tal. Também procuro estabelecer horários, e não parar antes da hora final reservada para isso.
Por conta da nova rotina, há dias em que o cansaço mental não me permite escrever nada, então faço algo relativo à pesquisa, como assistir vídeos sobre o assunto, ler alguma coisa, ou apenas deitar e pensar na história. Meio preguiçoso, mas juro que é exceção.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acho que começar é o mais fácil. Sempre vem com uma ideia, uma cena, uma frase, ou os traços e a situação da personagem. A pesquisa é feita durante e alimenta o processo de construção da história. Muitas vezes, horas de pesquisa acabam servindo para registrar apenas um parágrafo. Fora isso é uma questão de escolher o que, de toda a pesquisa, se encaixará no texto e não cair na armadilha de utilizar tudo que foi pego nessa colheita de informações e inserir na história.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Finjo que ele não existe e sigo em frente? Acredito que a procrastinação pode vir de descompromisso, falta de foco, mas também do cansaço. O tipo de situação em que a mente é sua maior inimiga. Então me parece que pensar sobre a procrastinação já é procrastinar, digamos assim, por isso, quando identifico isso, escrevo qualquer outra coisa que não a obra principal. Deixo que fluam as ideias, os jogos de palavras e emoções, até recuperar a energia e poder retomar o projeto original. Mas veja, não é como começar vários projetos que nunca terão fim, mas essa escrita de soltura pode ser um conto, uma reflexão, uma crônica, ou até mesmo um desabafo que ninguém vai ler.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quando se trata de uma história, eu reviso pelo menos três vezes até que alguém de confiança leia e aponte os erros, só depois disso, mando para o seu fim (que pode ser a submissão para uma antologia, para a editora, ou postar na internet). Quando o texto é mais voltado para uma reflexão ou crônica, releio a mesma quantidade de vezes, mas posto sem outra aprovação, e caso apareça algo errado, eu volto nele e edito sem nenhum problema.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Rascunhos são no computar, e algumas vezes, se não tiver outro jeito, no bloco de notas do celular. À mão eu anoto ideias soltas ou partes que preciso pensar sobre, ou refazer.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Busco estar conectada com a vida real, olhos as pessoas no ônibus, observo o comportamento de meus alunos, admiro como a cidade é construída, como as pessoas se vestem, mechem no cabelo, e cada detalhe que pode vir a me inspirar. Mas também listo assuntos que acho importantes de serem abordados, para não correr o risco de criar histórias vazias de significados.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Hoje eu escrevo mais e escrevo sempre. Então, eu voltaria lá e diria: Ei, Carolina, escreva todos os dias da sua vida. Escreva quando estiver triste, mas também quando estiver feliz. Escreva quando estiver com raiva. Escreva até o que sentiu ao provar um bolo caseiro e até quando percebeu que a noite tem cheiro diferente do dia. Escreva sempre.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Apesar de levantar a bandeira da fantasia e também do terror, tenho muita vontade de escrever algo no estilo noir, com investigações, mistérios e casos a se resolver, mas ainda não me vejo capaz disso. Então, aguardo meu amadurecimento.
Sobre o livro que eu gostaria de ler, é uma ótima pergunta. Quando penso sobre isso, imagino que os livros que precisamos, são como feitiços lançados no tempo, que só chegam em nós no momento certo. Mas, – sim, tem um “mas”– nós precisamos de uma literatura cada vez mais representativa. Uma literatura que dê voz a todos e onde todos, independentemente de sua cor, crenças ou corpos, sejam protagonistas positivos e agentes propulsores de suas vidas, e não, vítimas de um tempo ou escolhas alheias.