Carolina Chagas é jornalista e escritora, mestre em comunicação e semiótica pela PUC-SP.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Costumo ver as manchetes da Folha de S.Paulo, Estadão e O Globo e dos principais jornais ingleses, agora que estou na Inglaterra. Ouço muito rádio. Adoro os aplicativos para celular BBC World Service News e NPR One. Esse segundo, dos EUA, é especialmente legal porque toda vez que você abre, escuta as últimas notícias antes de entrar na programação normal da rádio. Também acompanho o Nexo Jornal e a newsletter Meio, organizada pelo Pedro Dória. Atualmente leio ainda uma newsletter aqui de Londres, chamada Londonist, que tem dicas de programas diários para fazer na capital inglesa e também indica textos interessantes de assuntos diversos que estão tendo boa leitura. Sou assinante da Piauí e viciada na Timeout, publicação gratuita entregue toda terça-feira em um supermercado perto da minha casa, no bairro de Maida Vale, na região central da cidade. É uma revista com a programação da semana em Londres, mas que tem artigos rápidos e boas ideias de como bem apresentar uma notícia.
Sempre começo os meus textos na parte da tarde, hora que sou mais criativa, mas faço revisões nas primeiras horas da manhã, quando minha casa é mais silenciosa porque meus filhos estão na escola. Sou mais detalhista esse horário do dia também. Quando estou fazendo um trabalho muito grande posso escrever de noite, mas não sou de varar a madrugada adentro. Prefiro dormir mais cedo e acordar com o raiar do sol para escrever a trocar o dia pela noite.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como disse na resposta anterior, sou mais criativa e produtiva na parte da tarde, mas mais detalhista e concentrada de manhã. Por isso, começo textos depois do almoço e reviso na parte da manhã.
Sobre a preparação, sou viciada em pesquisa. Só sento para escrever algo quando já pensei muito em como vou começar o texto. E tenho essa luz de como abrir minhas reportagens e livros depois de ler, ver vídeos e pensar muito sobre o assunto enquanto faço minhas atividades rotineiras. Adoro ver entrevistas das pessoas com quem vou falar. O Youtube e o google são maravilhosos para isso. Também encontro muito material em bibliotecas, acervos de jornais. Sobre pequenas manias, escrevo com uma xícara de chá quente ao lado do computador. Bebo muito chá e água enquanto trabalho.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho. Tenho picos criativos que vêm depois de muita pesquisa e respeito esses momentos, escrevendo sem parar. O que tenho feito ultimamente é nunca entregar o texto no mesmo dia que escrevi. Depois de uma noite de sono, encontrar repetições e parágrafos mal explicados fica muito mais fácil. Se possível, gosto de passar dois dias penteando o texto antes da entrega.
Quando estou fazendo obras grandes, divido, sim o tempo e calculo uma quantidade mínima de texto a ser escrita por dia. E cumpro isso com rigor, tento inclusive escrever um pouco a mais do que o combinado comigo mesmo para nunca ficar devendo para o prazo. Com isso, evito crises de ansiedade.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrevo muito rápido e fácil. Meu texto vem com facilidade e os parágrafos vão se encaminhando naturalmente. Mas não consigo sentar ao computador se não tenho a imagem que vai abrir o texto. As vezes sofro um bocado para chegar a esse aperitivo que quero oferecer ao leitor. Fico tentando achar um pedaço da informação que vai servir de isca para o meu texto, mas faço isso fora da tela. Na minha vida cotidiana. Meus filhos dizem que eu vivo no mundo da lua. Mas na verdade eu trabalho muito enquanto arrumo casa e faço o jantar. Minha cabeça está estruturando as ideias que vão para a tela do computador enquanto mexo minhas mãos em outras coisas. Também sou obcecada por finais. Acho que um texto tem de acabar bem. O fim tem de ficar claro. E se possível ter alguma ligação com aquela tampa que você abriu logo no primeiro parágrafo, para dar uma unidade ao que foi escrito. Levar o leitor por um caminho seguro e bem asfaltado.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Bem. Não sofro muito com isso, não. Gosto muito do que faço e pesquiso muito antes de começar algo. Trabalhei como colaboradora freelancer mais da metade da minha vida profissional, por isso sou boa na negociação de prazos. O que me acontece de vez em quando é sofrer um pouco para cortar e selecionar qual parte da história que vou contar. Adoro trabalhos longos e pequenos. Tenho um pouco de implicância com trabalhos médios. Costumo dizer que sou apaixonada por jornalismo diário, que se recicla todos os dias, e por livros, que têm um tempo de gestação maior. Revistas semanais são meu maior pesadelo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muitas vezes. Tenho uma escrita meio valsa ou caranguejo, dois para lá, dois para cá. Escrevo um parágrafo, releio e vou para o parágrafo seguinte. E assim por diante. Vou voltando ao texto imediatamente anterior antes de seguir em frente. Curiosamente é assim que se fazem as barras de calças jeans, aquelas que ficam super apertadas. A máquina de costura volta meio ponto antes de ir para o ponto seguinte. E isso deixa o tecido bem amarrado. Também tenho esse desejo com as palavras: bem amarra-las.
Tenho alguns cuidados que posso ensinar. Dou busca e troca por palavras que aparecem mais de três vezes no texto. Se forem palavras impossíveis de evitar, tento que não apareçam no mesmo parágrafo. Também cuido que cada parágrafo comece de um jeito. Explico: Se começo um parágrafo com “Nome do personagem + verbo” cuido que o outro parágrafo comece com outro recurso de linguagem do tipo: “Ao contrário do que imaginava quando começou a trabalhar, NOME DO PERSONAGEM + VERBO”. Dar essa verificada no estilo de abertura de cada parágrafo ajuda muito a garantir um bom ritmo ao texto.
Depois de o texto pronto gosto de relê-lo ao menos em dois momentos (e aí várias vezes) antes de entregar. Meu objetivo ao colocar um texto adiante é que ele saiba se defender daquele momento para frente. Esteja pronto para o entendimento de um próximo leitor. E isso costuma acontecer da melhor forma se volto ao texto pronto em dois dias diferentes antes da entrega. Em caso de livro longo, isso demora mais. E pode ser feito em etapas.
Não tenho nenhuma parceria para leitura dos meus trabalhos. É uma parte solitária e individual mesmo do trabalho. Claro, depois meus textos passam por uma preparação em que erros gramaticais são corrigidos. Um texto sempre pode melhorar. Sempre.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo tudo no computador. Tenho um iphone com um bom gravador no momento. Gravo entrevistas, mas quase nunca tiro o material. Serve como consulta de tempos em tempos. Fora isso não tenho grandes traquitanas tecnológicas para me auxiliar. Sou uma usuária standard. Quando tenho de escrever em inglês, coisa rara nessa vida, faço rascunhos à mão. No começo da minha carreira usei esse recurso em português também. Mas já tem ao menos dez anos que não escrevo nada na mão e passo para o computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Leio muito. Jornal, revistas. Vou ao cinema. Teatro, shows. Converso com todo mundo. O tempo todo. E estou sempre atenta a novos formatos. Adoro ficção. Leio pelo menos um bom livro por mês. Tenho lido dois nos últimos meses, mas minha média é um livro ao mês. Fora isso, não tenho nenhum ritual para encontrar ideias. Faz muito tempo que não cubro um setor. Quando trabalhei em cadernos específicos de jornais e revistas sempre tive um conjunto de fontes com as quais eu falava constantemente. Hoje, minhas ideias vêm do meu convívio com as pessoas mesmo e da minha leitura do mundo que me cerca.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu acho que eu fui melhorando com o tempo. Acho que a escrita é um ofício que como todo qualquer outro somente melhora com a prática. Hoje tenho vários recursos para abrir um texto, para fazer uma entrevista, para chegar a pessoas difíceis. Eu diria a mim mesma para escrever muito e ler mais ainda. No meu caso, acho que a prática ajudou muito.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Estou num momento clássicos. Lendo livros que queria ter lido e não li. Por exemplo, acabei de ler Stoner, do John Williams. Fiquei muito impressionada com a odisseia do homem comum que ele faz com tanto capricho nesta obra. Acho que é um livro que merece ser lido com cuidado. Para perceber a cadência. Te confesso mais do que livros que estão por escrever, estou num momento de mergulhar em obras já escritas. Para você ter uma ideia, quero aproveitar que estou na Inglaterra para estudar Shakespeare. Adoro ouvir escritores falando. De vez em quando, vou aos arquivos do Nobel e ouço um dos discursos de agradecimento dos autores ou a lecture que cada um deles tem de dar na ocasião do prêmio. Não sei se todo mundo sabe, mas são dois discursos que os laureados por um Nobel fazem: uma lecture, em que o homenageado reflete sobre sua obra e um discurso feito no banquete, na hora que recebem o prêmio. Geralmente são textos emocionados, em que o autor faz uma leitura entusiasmada de seus feitos e conta como chegou a ideias chave. Sobre o projeto que gostaria de fazer, estou nesse momento pensando sobre isso. Mas ainda não tenho uma ideia que tenha me apaixonado a ponto de resolver abraça-la. Nesses momentos, volto aos clássicos. No fim, as histórias são muito similares e retornar ao que já está no papel ajuda a apurar os olhos para as pedrinhas brilhantes do nosso cotidiano que resultarão em boas histórias para contar.