Carolina Braga Ferreira da Costa é escritora negra brasileira, fotógrafa, artista visual e digital.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Findar inícios, meios e fins é uma particularidade intocável e divergente — por ora, imobilizo-me a dizer que até definitiva. E, continuamente sobre findá-los, como ninguém é dependente de mim, as questões de minha alçada caminham exatamente a favor da conveniência que meu organismo e vaidade carecem. Ainda não tenho filhos. Penso que, se eu os já tivesse, quaisquer chamados envolveriam respostas rápidas e adaptativas, de forma que eu mantivesse uma diretriz retilínea; crianças, adolescentes, frutos uterinos ou da vida (crias) necessitam de amor de prontidão, acolhimento integralizado, cuidados, horários, subsistências e manutenções pessoais. Mãos solícitas.
Começo os dias, então, na literalidade mundana; abro os olhos remelentos e a boca com bafo, acordando, checando e tocando meus braços para ver se meu todo, este corpo meu, segue na zona tardia e conivente com o desaparecimento da inércia. A mania de checar se as coisas permanecem coisas é pelo medo profundo de acordar cega — uma paranoia minha à parte —, pois não enxergar ou ver, de soslaio, os fragmentos e artefatos do quarto pessoal de guerra seria um ultimato final.
Não possuo rotina, algo que eu possa vir a encaixotar no costumeiro, narrando concretude, enredo, passo a passo, como se todos os dias fossem similares. Nunca sei o momento em que acordarei ou dormirei. É preciso proferir a sensação do acordar, contudo. Prefiro, na verdade, tocar nesse viés um pouco mais padronizado, talvez um dos únicos de minha vida.
Iniciando mais um conjunto de 24 horas, esfolo o padrão do tempo detido no ontem, então, geralmente, acordo cansada, deprimida, pensando no ato seguinte. Deitada em minha cama, pós-estafa, checo, pelas frestas da janela, se é luz ou breu, a fim de que eu crie, mentalmente, a sequência do que farei nos próximos momentos, até o fechamento de mais uma data no calendário.
Acordar, portanto, involuntariamente configura algo preso ao horário que nunca sei quando.
Se posso discorrer, com a bandeira ínfima levantada, a cerca de algum momento desfechando à rotina, ao rito ou ritual, é esse pelo qual passo sentindo as mesmas circunstâncias, dia após dia, desadormecendo.
Primeiramente, sempre despertar. Não importando a luz ou a falta dela, despertar.
Vivo sem uma constância certeira há quase 10 anos, juntamente com a relação delicada no que diz respeito aos compromissos, uma vez não sabendo se as medicações que tomo, por decorrência da depressão, do transtorno afetivo bipolar (TAB), do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e do transtorno de ansiedade generalizada (TAG), irão interferir em alguma parte outra alinhada. Após o marasmo letárgico, entendo que se acorda, que se remota aqui, como numa autossugestão e esclarecimento — daí a conservação ao que começa. Às vezes como algo; noutras, não. Tomar banho, pentear os cabelos e tomar vitaminas são tarefas difíceis — a depressão é suja e dominadora, não estereotipada e contígua ao glamour e magnetismo; também é pensada erroneamente, ao contrário, afora. Conversar, flexionar músculos, reativar todo esse todo para que eu consiga fazer algo. Os começos são assim. Mas entendo da palavra, a qualquer ápice do conjunto-dia.
Especificamente sobre definir origens, para mim, é algo vasto. Não detenho uma rotina matinal regular, dentro dos conformes de ter algo para si normal e de meu corpo — mente e matéria. Nunca estando alerta de quando ou da maneira que dormirei, legalizar começos me soa contraditório. Há dias em que durmo cedo e acordo tarde; noutros, durmo tarde e acordo cedo. Há dias em que.
Mas acordo. E acordo.
Existo vivendo e vivo existindo, contando do ontem e citando-o como exemplo — amanhã é dia de algo e não sei de quê. A vida é muito mais do que fora e será muito mais do que é.
Ontem, diferentemente, acordei às 7h e, lá pelas oito e pouco, estava no chuveiro. Saída do banho, vesti-me, perfumei-me e, às 10h30, encontrei meu namorado. Cozinhei para ele, para nós e almoçamos juntos; beijei-lhe a boca, ri e escrevi realizações avulsas. Hoje, domingo, às 23h12, sinto que o sumo do dia não mais será preenchido; acordei às 16h da tarde, banhei-me às seis e pouco e acabo de comer dois pães de queijo.
Ordinário, não é? Não corriqueiro, ordinário. E amo isso, o ordinário. Creio que muitos que não o assumem, evidentemente, idem. Considero-me a pessoa mais ordinária da bolha, e isso precisa ser retomado — morreremos fedendo e presos, afinal de contas; considero-me ordinária como todos, sem a ciência e o domínio do segundo consecutivo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Por cerca de uns sete anos, eu costumava trabalhar melhor à noite. O clarão me ardia os olhos! Fotografar, pintar ou escrever durante a noite calada era sempre inenarrável na multiplicação; muitos pensamentos, concentração aperfeiçoada, devido ao silêncio e à ausência de pessoas, e uma liberdade libertina da qual dependia para fazer domínio do dito.
Atualmente não consigo precisar em que hora trabalho melhor. Pego-me, vez ou outra, tendo picos ferrenhos de inspiração à noite, reforçando a percepção de que ela, indiretamente, segue-me aplicada. Não posso ser ingrata, porém, o dia igualmente me faz extrair consideráveis livramentos e enunciados poéticos.
As coisas vêm de longe, a galope, e entram em mim.
Tendo o miolo-matéria, escrevo; seja às 15h da tarde, ou às 3h da manhã, é uma urgência sempre atendida. Acontece, com frequência, d’eu sonhar e esboçar, quando consciente, em cima de meus sonhos — aqueles dos quais me recordo.
Digo que a escrita em si é um ponto de partida naturalístico. Todas as outras condições em minha vida são detalhes complementares. Viver dentro desta redoma minha é um enquadramento explícito e elucidativo; percebo os pormenores das paredes, do teto. O eixo que as separa, cada singela minúcia captada pelos meus olhos no instante em que canto, rio, choro.
Ejetar palavras é saudável. Um expurgo gástrico, eu diria.
Forço-me a escrever a primeira linha, e a segunda, e a terceira. Se vir nada acobertado e corpulento sair, visito-as fora de hora.
Não existe um processo assentado de preparação, sendo bem sincera — a não ser aquele no qual projeto rascunhos; não começo a escrever sabendo da fatalidade do texto. As palavras são divinas e propriamente dominantes de si. Todos os poemas, prosas ou crônicas que são troncos, em dada marcação da linha do tempo, foram raízes. O “processo” é um crescimento, um fluxo. A escrita quase me é líquida, escorrendo genuinamente — eu só a apalpo no último flagrante, no arremate, no estado sólido.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Dizer que escrevo firmemente, fincando a certeza de que todos os dias mirabolo grandes e significativas contexturas declaradas, seria uma grande mentira. Posso dizer, no entanto, que, em períodos de hipomania, a hipergrafia é uma presença dura feito rocha atada à palma da mão.
Escrevo um pouco todos os dias, sim. Não divisas rigorosas, definitivas e idôneas em dias de todo — isso me seria impossível!
Os esboços diários existem, devem existir e moram em meu quarto, quentes, saídos de dentro de mim. Guardá-los é uma renovação interior; o que pude escrever ontem, hoje já não sou mais capaz. Antes do corpo, do acesso à casa maior, há as migalhas consequentes do rastro, há o pé-de-meia confortável para que viva a estrutura adubada. Não há meta britânica, só o anseio de originar o verbo, a voz, o termo, a expressão, o vocábulo. Se Deus está nos detalhes, o Diabo também.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
“I’m as blue as a girl can be.”
Meu processo de escrita é singelo e assiste à perspectiva da mulher negra — a partir de minha vida e dos rastros das vidas de minhas avós, tias-avós, bisavós e, claro, minha mãe. Mulheres negras e absolutas de minha família.
Não só escrevo porque sou negra, escrevo porque sou negra, humana e devo perpetuar o sangue resiliente de todas as minhas mulheres.
Assumo que não via a escrita fundida à cor, mas à sua qualidade, ao seu conteúdo e sua premissa. Não mais. É fundamental mencionar os elementos diferenciados que nascem das chicotadas brancas em nossas peles e dedos negros.
Não tão somente falar de sentimentos pertinentes a todos que habitam este mundo, é preciso dizer que se parece sentir angularmente negroide e sobreviver com o gosto penoso, quase perene, na boca. A ruptura do preconceito não é consumada ao negar as diferenças físicas, biológicas; meu nariz é largo, minha boca é de lábios grandes e meu cabelo é duro. Falando de cima da fortaleza que criei, deste meu muro de orgulho, minha letra é negra.
Eu falo pela minha mãe Regina e pelas minhas avós, Nilza Braga da Costa e Wilma Pereira Rosa — mulheres vivas.
E também pelas mortas de minha família, celebradas e amadas.
Falo por Maria das Dores Leite Braga, Cassilda Pereira da Silva, Maria Rosa do Carmo, Ana Rosa, Flora Alcântara Campos, Maria Carolina do Carmo, Lucia Alcântara, Ana Braga, Nancy Braga, Neide Braga, Geralda do Carmo, Wanda Pereira, Laurentina Pereira, Neli Pereira, Maria Benedita Alcântara Campos, Benedita Alcântara, Georgina Alcântara, Maria Luísa Alcântara, Vicentina Alcântara, Laura Alcântara, Paula Alcântara e Emília Leite.
Todas essas que correm em meu sangue, em minhas mãos.
***
Outra variante imprime o fato de que sou ressentida o suficiente para escrever sobre todos os incessantes e possíveis eventos que me vêm à mente ou que comigo acontecem; ressentida o suficiente a ponto de relatar merdas infinitas sobre todo o cinza-gelo apanhado pelos olhos meus que a terra há de distribuir por entre o solo-sólido abaixo onde, ao passo em que, precisamente acima, caminham seres missionários, ainda não desfalecidos fatalmente. Somos adubos. O todo proferido pelos lábios, porém, declarado em relatos, eu consumo e alerto entre linhas e entrelinhas.
Quem pensa demais — e escreve sobre — é gente que quer dar asas às formiguinhas rotineiras que estão, diariamente, indo para suas respectivas casas, com suas respectivas folhas; gente, muitas vezes, que finge gostar de cerveja artesanal, livros de mandalas para colorir e Mercedes Sosa. Gente que escreve sobre a teia de aranha do canto da parede do quarto sujo, gente que tem licença para sofrer com a hipergrafia e é ressentida, pensando que o planeta lhe deve conteúdo para a poesia esgoelada no sarau.
Essas pessoas são trágicas, assim como eu. Nós somos pessoas trágicas. Pessoas, como eu e você, à busca, talvez, de outros remorsos, em razão da lapidação da história e do registro daqui a duas, três décadas.
É necessário o constante conteúdo, a massa que se consome na prática; necessário prever a vida brutalmente como ela é. Ou não.
***
“Viva uma aventura”, sugeriram-me meus sapatos, aqueles comprados por coleção e tratados melhor do que a mim mesma. Eles não andam muito e sofrem de agorafobia.
“(ela, a aventura) Poderia não envolver sexo”, lembrou-me meu vibrador vermelho e quebrado que, mesmo antes, funcionando, não travava no meu g-spot rente e esperto.
“Ou viva uma desventura, enfim”, de ombros, digo a mim, conformada que sou.
Viver envolve um sonho quase tateável — e eu amo sonhar, como boa lunática, nutrindo estoques fábulos.
A vida real me cai muito bem, embora o pranto-pronto.
Essa é a verdade que me tomba no alto da cabeça, sendo eu um grande clichê.
Dedilhar contextos letrados acontece desde quando há o pouco, que vira muito, até o muito, que precisa ser editado. Escritores são visionários verborrágicos mortais.
Eu só acaverno a palavra por um tempo e, depois, solto-a avante.
Tudo é registro, na retaguarda da sombra.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não me apetecem as travas. São importantes porque são lacunas, e lacunas devem ser estufadas. Em tais momentos, enfarto-me de filmes, leituras, conversas e silêncio. Disse que as travas não me apetecem, entretanto, pois sofro de saudade da escrita, realmente. Parece-me que estou dolorosamente segurando um orgasmo ou vômito — tamanho antagonismo —, tornando-me uma pessoa restritiva.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Revisá-los é um cargo clinicamente complicado. As palavras “clínica/clinicamente” são obrigatórias. Sofro de TOC severo, com nuances muito específicas, fazendo-me revisar a totalidade copiosamente. Dói. Sempre acho que uma ofensa surge ou que meu endereço residencial está visível. É algo totalmente compulsivo, obsessivo e sem sentido! Nós, sofredores de TOC, sabemos que as paranoias são sem sentidos — oras, são paranoias. Apenas é difícil demais não tê-las e senti-las no feitio mais assustador e maximizado possível.
Mostro meus trabalhos a algumas pessoas próximas, que sempre me ajudam com meu problema corrente. Meu namorado, de todas elas, é o ouvinte-leitor fixo. Globalmente, para meu mundo, ele é imprescindível.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Os fiapos dividem espaço e tempo; estão nos papéis, nas pastas, nos blocos de notas do celular ou salvos em blogs que mantenho desde meados de 2008, 2009 e 2011 — ninguém mais tem acesso a eles, somente eu. Além de escrevê-los, penso nas seguranças deles. Conservo o cenário perfeitamente controlado. Dos papéis, dos blocos de notas do celular, eles se vão sorrateiramente, vazando e tornando a folha límpida num lugar bem-criado, morado. O mesmo quanto às fotografias e pinturas, as quais nascem fora e desaguam on-line.
Nota-se, finalmente, a relação benéfica e umbilical entre tecnologia e papel — ótima familiaridade, aliás.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
A inspiração é uma foice estourada vinda das vicissitudes, das avenidas da vida, ultrapassando a monotonia letárgica da despersonalização do marasmo.
Os anos detidos na palavra caracterizam estado de memória.
Sinto que a poesia, na aplicação, torna-se escrita; na teoria, tateada pelos meus dedos de calos, antes do ato de compilar, é miolo de molho, processo privado. E escrevo mentalmente na fila do açougue, ou no vazio da biblioteca — sou animal que se camufla.
Num agradecimento tardio, carrego a extensão de minha linhagem de mulheres nas páginas letradas, respeitosa e cruamente, para que não se alterem as pegadas de lá até cá. Assim, escrever para que não haja afogamento de si. Inevitavelmente, escrever, para que tudo não morra em vida.
As ideias são ventos. Ninguém as-os controla. O único hábito que mantive, desde quando comecei a escrever, é viver. É o mesmíssimo hábito de qualquer um persistentemente exposto à terra — o superlativo trivial que temos em comum uns com os outros.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Inúmeras manifestações pessoais mudaram, beirando às novidades. A cor da minha escrita é confessa e, autônoma, as transições vieram.
***
Se pudesse dizer algo, gostaria de fazê-lo, sem dúvidas e hipocrisias, como um presságio, para que eu não me horrorizasse tanto.
Gostaria de dizer que, aos 23 anos de idade, alguém sempre viria a duvidar de mim — homens e mulheres.
Que o preconceito e racismo nesses becos são tão fundos, tão fundos que ambicionam seu engolimento.
Que negro não rouba voz de branco, mas branco rouba voz — e até a vida — de negro.
Que, pelas entranhas em que estamos, os brancos se indignam com nossa capacidade mental e artística — ter um umbigo hierárquico e elitista, apontando dedos e atirando pedras públicas, é perigoso. Vocês falam em batalha e são os primeiros a trazê-la à convivência.
Isso também tem a ver com política.
À casa, última e primeira paragem do mundo — da noite, da manhã —, levar o fim dos tempos é perdurar a malignidade, bombardeando o que está acontecendo de mais cruel.
Desde muito pequena, eu poderia ter me defendido propriamente, cuidado melhor de meu espectro e do que dentro dele reside, não permitindo que me fizessem dores, dado que não enterrei, à minha frente, o sinal de pare ali, explícito, esguio, informativo. Eu era imatura demais, bobinha! A composição realística envolve preparo; poderia ter reagido durante minha vida inteira, mas não o fiz. Custa-me, agora, a compreensão de que a solução, na maioria das vezes, é elevar a voz mais que a do outro, mas fazer, de algum modo não estridente e mais expresso, silêncio e ato também, com a intenção de que não nos calem, intimidem, sem que cantemos a mesma bolha narcisista alheia.
Também diriaque posição é posição, não prestação de contas; que a vida é minha e dela, alegremente, sou. E que resisto. Resistimos!
Quando geramos, não geramos apenas filhos. Geramos ódio, violência e mentiras. Todos os dias. Podemos gerar, metaforicamente, poesia, decerto, mas não a consumimos na literalidade. Consome-se toda e qualquer violência humana à vista.
Eu teria sempre me preparado para a normalidade ao ver atitudes deploráveis de mulheres tidas como eruditas, privilegiadas, mimadas e reativas aos seus caprichos; mulheres na desunião. Uma negra não é bem-vista na bolha de doutrinação majoritariamente branca. Se não fossem pelas divergências que acabam em morte, poderíamos usar a união porta além de casa e por trás das telas. Poderíamos usá-la! Depois do muro caprichoso de imodéstia, poderíamos.
É preciso pôr na mesa que também citaria o assédio sexual masculino vivenciado por todas as mulheres, sempre com os mesmos homens de mãos viris.
Por último, para que seja terno, que um emaranhado de pessoas maravilhosas faria parte do centro mais abreviado da vida; que eu as conheceria, faria muitos amigos e seria eternamente grata aos meus. Que conheceria mulheres amigas, fortes e humanas; que teria tanto orgulho da poesia contemporânea brasileira.
Embora eu dedilhe como Carolina, escritora negra, ponho meu lirismo à minha frente — e nunca, jamais permitirei que tirem minha raça como algo senão dissolvido, clarificado, sem vergonhas e medo.
Contexto de meu domínio privado, tateio minha escrita letradamente sobre a perspectiva de vida como, um dia, criança-menina negra e, hoje, mulher e negra.
Escrevo poesia humana. Poesia. Se for para que eu seja entendida, que seja do aspecto que quero sê-lo: mulher negra e escritora, tendo o lirismo alimentado pela minha história.
Ninguém me cala.
Ninguém.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Dois projetos fotográficos meus, “Black Wall” e “White Wall”, estão abertos e em sintonia com a conclusão de meus livros (“Silêncio, este órgão”, “Papiro de marcas”, “Confronte com poesia hoje” e “Deter o tempo na palavra” — apenas o primeiro com uma editora em mente; os outros, não). Venho trabalhando nos três primeiros paralelamente há tempos.
***
Tratando-se dos livros que existem, quero ler:
Ingrid Morandian (“Se você me amasse, teria fechado os olhos”, da Editora Patuá); Lubi Prates (“Coração na boca”, da Editora Multifoco e republicado pela Patuá, “Triz”, da Editora Patuá, e “Um corpo negro”, que foi contemplado pelo PROAC com bolsa de criação e publicação de poesia); Alessandra Siedschlag (“Amor-te”, da Giostri Editora); Carla Diacov (todos os livros dela — exceto “bater bater no yuri”, lido duas vezes; e eu o leria novamente e novamente e novamente); Roberta Tostes Daniel (“Ainda ancora o infinito”, da Editora Moinhos, e “Uma casa perto de um vulcão”, da Editora Patuá); Lucas Grosso (“Nada”, da Editora Patuá); Gabriel Morais Medeiros (“Andrômaca, quarenta semestres“, da Editora Patuá);Mariana Botelho (“O silêncio tange o sino”, do Ateliê Editorial); Thiago Prada (“As Feridas do Cotidiano”, da Editora Penalux); Teofilo Tostes Daniel (“Trítonos, intervalos do delírio”, da Editora Patuá); Deborah Dornellas (“Por cima do mar”, da Editora Patuá); João Lucas Dusi (“O grito da borboleta”, da Editora Penalux); Maira Garcia (“Depois da lua de ontem”, da Editora Patuá).
Tratando-se dos inexistentes, leio qualquer coisa que vier da Iatamyra Rocha Freire, da Luana Braga, do Yuri Costa, do Fábio Pessanha, do Lucas Dantas, do Bruno Nascimento de Abreu, do Rodrigo Mendonça e de muitas outras mulheres negras e amigxs em geral.