Carmen Faustino é poeta, escritora, editora e pesquisadora das culturas negras e periféricas.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não cumpro uma rotina matinal disciplinada, mas na parte da manhã prefiro resolver as questões burocráticas e domésticas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Costumo escrever mais no final do dia e durante a noite. Sou madrugueira e se deixar eu troco o dia pela noite fácil, tenho que me policiar sempre.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo um pouco quase todos os dias. Uso computador, caderno, bloco ou mesmo o celular quando estou na rua. Depois vou retomando, organizando e complementando as ideias no computador. Não estabeleço metas para finalizar meus textos e isso deixa minha escrita mais liberta e real. Tirando os casos em que o texto tenha um prazo estipulado, gosto de deixar o tempo da escrita acontecer.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Demorei para entender o tempo e a dinâmica da minha escrita e por vezes achei que não era boa ou suficiente, ou demorada demais. Eu sempre começo textos e poemas novos, quando estou em leitura, estudos ou conectada com algo as palavras surgem e começa-se a poesia… tenho textos inacabados, alguns por um bom tempo, outros já vêem com início, meio e fim em um só momento. Aprendi a respeitar esse tempo e não pressionar as urgências da minha escrita.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
É sempre um intenso desafio! Existe um imenso estigma de descrédito em torno da produção artística e intelectual de mulheres negras que certamente atravessa meu trabalho e isso tem um peso, por vezes, arrebatador. Vivemos uma sociedade com um imaginário que não concebe enxergar mulheres negras enquanto poetas, escritoras e produtoras de intelectualidades. É de grande esforço individual, trabalhar a ansiedade e autoestima, para insistir no exercício da escrita, publicar de forma independente e não sucumbir diante as dinâmicas sociais que em alguns âmbitos transforma a literatura em um mero produto de consumo e pouco amplia os olhares para a imensa diversidade literária que temos, limitando-se apenas aos cânones e grandes nomes do mercado editorial.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu costumo revisar bastante meus textos, gosto de ler em voz alta para perceber a fluidez e sonoridade das palavras e sempre deixo ele “respirar” por alguns dias antes de ler novamente, para não viciar a leitura e eu conseguir ter uma percepção mais distanciada do que escrevi. Não tenho o hábito de mostrar meus textos antes de serem publicados.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Os tempos de isolamento me levou a uma busca por familiaridade com as tecnologias e o cotidiano corrido faz com que muitas vezes o texto comece no bloco de notas do celular mesmo, enquanto estou no transporte, no intervalo entre alguma atividade e outra, ou mesmo em alguma outra brecha do dia. Quando estou em um dia mais tranquilo e organizado, opto pelo caderno para anotar as primeiras ideias, mas o desenvolvimento do texto é no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu sou uma mulher negra, poeta e escritora da periferia Sul de São Paulo. Sou ativista, pesquisadora, educadora e produtora cultural negra e periférica. Acho que essa descrição anuncia um pouco sobre os muitos pensamentos que pairam em minha cabeça. Vivos afetos, fé, lutas, choros e gozos e escrevo sobre tudo que sou. Não consigo desvencilhar a escrita das minhas vivências, pois minha escrita são as respostas a tudo que vivo. Gosto de afirmar que minha poesia é o transbordo que não cabe no peito e que as palavras me fortalecem na busca pelos entendimentos que o mundo não me oferece.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acredito que o amadurecimento e a segurança com a escrita são aspectos que o tempo nos proporciona. Os anos me trouxeram mais consciência e elaboração sobre as ideias que desejo transmitir. Vejo meus textos com muito mais aspectos da minha essência e verdade, do que quando escrevi meu primeiro rascunho de poema em 2000. Se pudesse, voltaria nesse texto para dizer a mim mesma que, insistir em falar de amor em tempos tão cruéis foi e ainda é revolucionário!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Penso em um dia desenvolver um projeto sobre a produção intelectual de artistas negras nas periferias e sua importância na valorização e fomento da cultura negra.