Carlos Vilarinho é escritor.
Como você começa seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho nada estabelecido, ou preestabelecido. Geralmente acordo muito cedo, entre 4 e 5 da manhã. Se estiver escrevendo um conto, uma novela, ou romance sempre durmo com algo em mente para desenvolver no dia seguinte, às vezes dá certo, na maioria das vezes acordo com a saída para o entrave ou novas ideias, novos personagens que me dê suporte para a trama. Gosto muito das manhãs e do silencio que a aurora traz, ou dos sons naturais que descem com ela.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho nenhum ritual. Como disse, gosto das manhãs bem cedo, geralmente é quando desenvolvo melhor. No entanto, quando sinto que o texto entrou em mim e eu nele, sempre o carrego para onde for, Aí escrevo em qualquer horário em qualquer lugar, se não tiver nada nas mãos, um papel ou caneta, ou celular, tento segurar aquela passagem, ou frase, na cabeça até em casa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não. Sou todo indisciplinado. Em tudo. Mas, quando estou na história, isso me dá muito prazer, aí trato com muito carinho e seriedade a trama, a história, os personagens, todo o texto. Quando estou nessa fase acho importante vir ao texto todos os dias, toda hora. E também (é disciplinador) eu assumo compromisso comigo mesmo de escrever cinco, dez páginas a depender do texto.
Como é seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sou um homem das ruas, por isso o epíteto de Pensador das Ruas. Escrevo o que vejo, o que ouço. Não escrevo o que não sei. Então recorro à minha tribo. Intuo. Penso. E, às vezes, sugiro. Acredito que todo começo é difícil, você tem que “pegar” o leitor nas primeiras linhas, tem que oferecer algo verossímil(ás vezes), plausível e bom de ler, ao mesmo tempo, deixá-lo incomodado. Acho que a literatura não está aí para confortar ninguém. Então é difícil começar, sim.
É imprescindível pesquisar. Não somente o escritor, mas acho que toda a gente deveria pesquisar. Eu procuro todos os lados que houver. Leio, ouço, converso, e até sonho. Leio de escritores amigos contemporâneos aos universais. É importante ler a geração contemporânea, nossos amigos. Somos nós que fazemos a literatura.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade em trabalhar em projetos longos?
Às vezes trava, sim. Mas não desespero, não. Depende de cada um, do que pensa da vida. Ainda hoje tenho textos de anos atrás inacabados, não sei se vou terminá-los, sei que vou tentar um dia. Quem dá os prazos sou eu, então não crio nada que me tire a concentração. Não penso em expectativas, talvez haja um leitor que me acompanhe, mas primeiro escrevo para me divertir, é uma loucura própria e pessoal. Se agradar, e isso chegar a mim, fico contente, claro. Se não, o que fazer? Nada.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos a outras pessoas antes de publicá-los?
Muito difícil sentir que estão prontos. Reviso toda hora, no ato da criação e depois, sempre. Talvez o texto nunca esteja pronto, e não é raro depois de publicar, o autor achar um erro aqui ou ali, isso acontece, sim.
Tem que mostrar, apesar do escritor ser um indivíduo sozinho, tem que haver outros olhos, isso ajuda. Tenho sempre três ou quatro pessoas que ofereço a leitura inédita.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos á mão ou no computador?
Comecei escrevendo à mão em meados dos anos noventa, não tinha computador. Hoje em dia, posso rascunhar algo num papel com a caneta, mas começo diretamente no computador. É mais prático para corrigir, mudar palavras, enfim…
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Sou o Pensador das Ruas. Minha literatura nasce e cresce nas ruas de Salvador. Vivo intensamente o Centro da cidade, o Centro Histórico e a periferia. Onde moro, as pessoas que conheço e que vejo e observo. Diria Tolstoi “se queres ser universal, começar por pintar sua aldeia” é o que faço, onde me sinto bem para criar. Não vou ficcionar um espaço onde não sei o que é, ou para onde vai. Esses são meus hábitos, talvez. Acho que não adianta forçar a mente ou o pensamento, quando o texto quer, ele sai, se ele não quiser… Pode dar merda…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria si mesmo se pudesse voltar á escrita dos seus primeiros textos?
Mudou muito, todo mundo muda, não somente a escrita do escritor. Se você ler GENTE POBRE de Dostoievsky e em seguida ler CRIME E CASTIGO( óbvio, não estou em comparação com Fiodor, nada melhor do que usar um gênio para exemplificar) a qualidade literária sempre vai ser espetacular, mas o trânsito, o fluxo narrativo é diferente. Não sei se diria algo a mim mesmo, o começo é assim mesmo, claudicante (não que Dostoiévsky tenha sido assim). Acho que amadureci, consegui achar atalhos para um texto melhor, ainda estou em busca de novas melhorias, mas em minha autocrítica, eu evoluí.
Que projetos você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro gostaria de ler e ele ainda não existe?
Acho que todas as histórias foram contadas, muda a abordagem. Talvez, haja algo perdido por aí, mas alguém vai achar. Tenho um romance no prelo nesse momento, acho que até abril ou maio ele será publicado. Tenho outro pronto, e talvez esse cause um efeito surpresa bem maior. Mas, vou procurar essa ideia perdida, quem sabe eu ache e faça um belo trabalho.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Garimpo muito antes de começar uma nova história. Ando, converso, observo as ruas. Para mim é nas ruas onde a literatura é fertilizada. O tema, as personagens tudo vai surgindo aos poucos. Nada é planejado. E tudo é muito difícil de fazer seja o início, o meio ou o fim. Tenho que sentir se aquilo vai dar certo, se haverá continuidade e fluição.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Quando estou envolvido, quando sinto que fluiu,, não consigo parar de pensar naquele mundo que estou construindo. É uma catarse forte e intensa. Dessa forma, acordo muito cedo e durmo tarde. Geralmente acordo às três e meia da manhã e vou escrever, reler, procurar alguma passagem em outros autores que me ajudem a desenvolver a minha.
Escrevo um projeto de cada vez.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Muitas coisas são razões para a motivação à escrita. A leitura é uma delas. O aprendizado é outra. O aprendizado de uma forma geral. A constattação de um leitor ao ser deparar com a história que pode ter sido a dele, ou de uma outra que ele tenha conhecimento. A crítica ao que escrevo feita pelo leitor também é motivadora… Enfim.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Dificuldades que todo trabalho exige. Gosto de pensar que estou indo à perfeição, tomara que nunca consiga. Gosto de ler os autores contemporâneos, meus amigos. E gosto de ler os clássicos, isso ajuda muito, as duas coisas.
Acho que já posso dizer que tenho estilo próprio, aprendi a construí-lo lendo os outros autores. Mas nenhum teve influência prática, digamos. Li uma coisa aqui, outra ali, pensei em construir assim, depois voltei atrás… E asim fui lendo e escrevendo. Gosto de muitos autores, clássicos e contemporâneos, alguns sinto-me representado e procuro aprender. Faço assim.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Recomendo meu romance BARROQUINHA, o leitor vai encontrar personagens dialogando no melhor estilo linguagem das ruas. Vai encontrar o drama social que o povo pobre e preto transforma em humor, em lascívia, em poesia. Em BARROQUINHA não há heróis, trata-se da interação de quem anda nas ruas, na Barroquinha (é um terminal rodoviário no Centro de Salvador) e trabalha, sofre e vive. São trinta e dois personagens que se relacionam num dia só, uma quinta-feira santa. Uma festa da linguagem baiana, uma parte expressiva e tradicional da cidade do Salvador é a grande personagem, além de sua religiosidade característica do povo.
Recomendo também a novelinha PÊNALTY PERDIDO do autor Marcus Borgon. Uma história que muito lembra O APANHADOR NOS CAMPOS DE CENTEIO , o drama da vida vista por um adolescente bom de bola que perdeu um pênalty na final do campeonato de bairro. O Futebol é o tema central, mas o pano de fundo são os dramas sociais e familiar muito bem tecido com destreza por Borgon. Muito bom.