Carlos Orsi é jornalista, escritor, diretor e editor-chefe da Revista Questão de Ciência.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Idealmente, eu faria uma caminhada logo após o café da manhã pra voltar pra casa com ideias frescas, mas hoje em dia isso é mais uma aspiração do que uma realidade.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrevo melhor de manhã, pesquiso e leio melhor à tarde. Não tenho rituais estruturados, mas acho que posso dizer que tenho minhas “procrastinações ativas”, coisas como ir e voltar da cozinha algumas vezes – com ou sem copos de água – ou ficar arrumando meus bonequinhos de heróis da DC ao redor do computador, que me ajudam a focar a mente antes de começar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tento escrever todos os dias, mas não tenho metas – exceto quando estou lidando com um deadline.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Normalmente não compilo notas prévias, mas faço algumas leituras de aquecimento, começo com o que tenho da cabeça somado ao que veio dessas leituras e vou pesquisando à medida que o texto cresce e as necessidades vão surgindo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Medo de expectativas é algo que deixei pra trás há vários anos – não porque eu ache que sempre acerto, mas porque percebi que as expectativas externas (de amigos, editores, leitores, etc) são incontroláveis e imprevisíveis. O texto que acaba sendo frustrante para um projeto pode ser perfeito para outro. Travas são administradas de acordo com os prazos. Se tenho um deadline eu me obrigo a sentar e construir uma ponte até o outro lado, não importa o quanto ela possa me parecer artificial ou inadequada no momento (sempre dá pra revisar depois). Se o esquema é mais livre, eu engaveto e espero. Quanto à ansiedade com projetos longos, eu me livrei dela optando por escrever basicamente contos, artigos e ensaios. Textos que levam mais de 40 dias para ficar prontos (nem que seja só o first draft, mas o first deaft completo) me deixam desalentado.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tenho uma tendência meio histérica de querer me livrar dos meus textos o quanto antes. Geralmente meu instinto é despachar assim que ponho o ponto final. Luto contra isso: acho que um período de “gaveta” (três dias, uma semana) é bastante útil.
Não uso “beta readers”. Por um laxo reconheço o valor da prática, e já recebi diversas sugestões muito boas de editores (que, entre outras coisas, são os “beta readers” da época em que não havia “beta readers”), mas para mim, emocionalmente, o momento em que o texto está pronto para outros olhos é o momento em que ele está pronto em definitivo. Prefiro ser criticado pela obra publicada do que ter gente palpitando na obra em progresso.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho um caderno de rabiscos, mas o texto só toma forma no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
De toda parte. Quanto aos hábitos, tento não ficar muito tempo lendo só um tipo de texto, ou preso a um só tipo de paisagem. Gosto da colisão entre áreas aparentemente não relacionadas (tipo, jardinagem e egiptologia, ou ufologia e cálculo diferencial).
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muitos dos meus primeiros textos eram viagens impressionistas em primeira pessoa, com um mero fio de enredo, e sem muito sentido. Eu diria a mim mesmo para respirar fundo e ter mais paciência na hora de trabalhar as impressões, para que a estrutura narrativa ficasse mais robusta. Mas, até aí, acho que cada texto é, de certa forma, o retrato de um momento da vida, então não faz sentido pensar em dar conselhos para alguém que estava nas circunstâncias em que eu me encontrava 30 anos atrás. E também é por isso que raramente reescrevo trabalhos antigos: no máximo, penso em criar novos trabalhos a partir dos mesmos temas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Penso muito em criar algo tendo como cenário aquilo que os antropólogos chamam de novos movimentos religiosos, grupos organizados como religiões mas que se congregam em torno de coisas como discos voadores ou alguma versão maluca da física quântica; queria criar um vilão que tivesse o perfil psicológico bem próximo ao de um desses coaches boa-praça que pipocam nas redes sociais.
Quanto ao que não existe… difícil dizer que não existe, né? De repente alguém em Burkina Faso já escreveu e eu que não sei. Mas adoraria uma série de fantasia inspirada não na idade média, mas no mundo helênico, o período em que os povos do Mediterrâneo viviam numa enorme cultura sincrética que misturava judaísmo, filosofia grega, paganismos vários, crenças mesopotâmicas e mais um monte de outras coisas.