Carlos Moreira é escritor, autor de “Tetralogia do Nada” (Clube dos Autores), “Cardume” (Valer) e “Corpo Aberto” (Patuá).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não sei se a insônia é regra daqueles que criam, mas a maldita me acompanha desde o momento em que a escrita assumiu o sentido da minha vida. Acordo por volta das quatro da manhã e não há saída: é ler ou ouvir ou caminhar ou escrever. Todos temos nossos demônios pessoais, e acredito que são eles que nos tornam aquilo que somos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não há modo de preparar-se para a escrita. Não há poema sem corpo. Onde o corpo estiver, onde houver o imanente, o primeiro jorro pode acontecer. Há, sim, a necessidade de uma ordenação para a reescrita, para o trabalho de corte da pedra que foi regurgitada. Mas não há regra. Cada obra desenvolve um modus operandi. Meu livro inédito, “Seol”, criou em mim um ritual todo próprio. Os poemas eram escritos à meia-luz durante a madrugada, e relidos cortados rotacionados no meio da manhã. Isso ao longo de exatos 110 dias. Nasceu praticamente sozinho.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não. Há momentos como o descrito acima, em que o jorro é contínuo. E há momentos de estio, em que tudo fica mais pesado. Mas quando não há nada a dizer, pelo menos nada que possa interessar minimamente ao outro, é preferível calar.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A pesquisa do poeta é a existência toda, e a inexistência total. Um pêndulo entre o niilismo e o big-bang. Além da própria literatura, obviamente. É preciso ler profundamente, ouvir profundamente, estar conectado com esse outro olhar, essa outra voz, que é própria de quem cria. Em meu caso, além da literatura, as artes plásticas. Pollock, por exemplo, é um dos meus impulsos mais presentes.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Respondi acima sobre o efeito da estiagem sobre mim. Quanto a não corresponder às expectativas, realmente não me importo. Não escrevo para corresponder a expectativa alguma senão a da própria escrita, e acredito, como Borges, que publicamos um livro para livrar-se dele. É óbvio que a figura do leitor existe, ele esbarram no autor, às vezes o atropela ou é por ele atropelado. Tenho amigos mundo afora que começaram como leitores, e agradeço à literatura o fato de ter nos aproximado. Se o texto atinge realmente o leitor, se abre nele uma perspectiva outra, uma linha de fuga qualquer, fico feliz por isso. Mas sei que o processo não é automático. Não pertence mais a quem escreve. Sou uma grávida morrendo de eclâmpsia após o nascimento de cada poema.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Dezenas de vezes, e creio fundamental o olhar do outro, especialmente se este outro também escreve e é generoso e intelectualmente honesto e corajoso.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
De todas as formas. No bloco de notas, no celular, num papel qualquer ou ao computador. O interessante em relação a isso é que o suporte altera a forma do texto. Se escrevo em papel A4, por exemplo, os versos e o poema tendem a ser mais longos. Se escrevo ao celular, por outro lado, o poema tende a ser mais totêmico. O “Seol” foi escrito todo em papel sulfite usado na horizontal, o que ajudou na construção de versos extensos, com uma melopeia mais acentuada.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Em geral, a literatura nasce da literatura, mas as artes visuais e a música também são ótimos detonadores. Pound dizia que a melhor crítica de um poema é outro poema, então estar em contato com a criação de outros poetas é fundamental.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Como disse Mae West, cometeria os mesmos erros, só que mais cedo. Com o tempo, tanto a escrita quanto a leitura tornam-se mais conscientes, mais exigentes. O resultado disso é uma produção um pouco mais contida, concentrada. Para citar outro criador, José Miguel Wisnik, começamos a lançar “pérolas aos poucos”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
No momento estou envolvido com uma tese sobre a poética do Slam, que acredito tem crescido muito em qualidade nos últimos tempos, e não chegou ainda a círculos mais acadêmicos. Colaborar com uma compreensão teórica mais profunda desse gênero me dará muita alegria.