Carlos Castelo é redator de publicidade e escritor, autor de “Orações Insubordinadas”, “Damas turcas” e “Crônica por quilo”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho uma rotina especial. Começo o dia fazendo xixi, escovando os dentes, tomando banho e me vestindo. Escrevo duas ou três crônicas por semana para a imprensa. Então, quando está ficando mais perto delas saírem procuro encontrar um tema. Quando finalmente o descubro começo a desenvolver o material. Quando estou trabalhando num livro de formato maior, aí sim cumpro uma rotina mais formal. Preciso batucar uma página por dia – já totalmente editada e revisada.
Escrevo diariamente essa página, nem mais, nem menos, faça chuva ou faça sol. Somente se adoecer, ou surgir algum compromisso inadiável, produzo o dobro no dia seguinte.
Quanto aos aforismos, escrevo-os, a qualquer momento, num aplicativo de notas do celular.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu sei que há escritores que ficam nus, iluminam o ambiente com velas, outros lambuzam-se com óleo de foca, acendem incensos almiscarados e alguns até leem em voz alta trechos do Upanishads em hindu. Mas eu apenas fecho as cortinas e abro o Word.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Essa prática de bater meta é mais apropriada aos vendedores de seguros. O escritor deve bater os dedos no teclado quando tiver vontade. Ou então bater o cartão em bibliotecas para não repetir o que seus antecessores já fizeram melhor que ele.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando tenho um número bom de crônicas ou aforismos, apenas separo os que acho mais interessantes e envio ao editor. Quando trabalho num romance ou novela faço uma coluna vertebral da movimentação dos personagens. Fixo-a na parede e vou dando andamento ao processo de escritura. No entanto, chega um momento em que me apodero mais da história e não sigo mais o esquema combinado. O ato de escrever não exige que sejamos éticos, nem com a gente mesmo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sempre digo que, se fosse um corredor, seria um de 100 metros rasos, nunca um maratonista. Meu fôlego é curto e me dou melhor com as narrativas breves. Escrever romances me deixa cansado, irritado e obviamente ansioso por não enxergar a outra margem do rio. Para evitar as tais travas é necessário descobrir que gênero de escritor você é. Se for um de grande fôlego vai dar murro em ponta de faca tentando conceber haicais. E vice-versa. O problema é que o autoconhecimento pode levar uma vida inteira.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Escritor não é quem lida bem com as palavras, mas quem vive se indispondo com elas. Por isso, reviso inúmeras vezes o meu material. Nunca estou certo se os termos que estou usando são os melhores para descrever uma determinada circunstância. Ou se são os mais sonoros, os mais rítmicos, os mais sintéticos. Certa vez li num ensaio literário que o processo de passar a limpo textos é como o daquelas linhas pontilhadas que o alfaiate deixa de fora ao fazer um terno. Os ofícios são bem diferentes, mas o método é muito semelhante.
Mostro meus trabalhos aos meus filhos e à minha esposa, mas sem revelar o título. Foi o escritor João Antônio, com quem troquei cartas por um bom tempo, quem me deu o conselho: “nunca conte o título de uma obra sua – nem à sua mãe – antes dela sair”. Adoto a superstição do mestre até hoje.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Adoro tudo o que é ligado à escrita. Dependendo do dia e do espírito, posso escrever à caneta – sempre roller ball – em cadernos grandes. Ou posso deixar os manuscritos de lado e ir para o teclado do meu laptop. Não sei explicar bem o porquê, mas é assim que funciona comigo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Escrevo basicamente por uma razão: acho que o mundo para onde vim não é exatamente o que imaginava. Minhas ideias literárias, portanto, surgem sempre do atrito entre o que eu espero do mundo e o que o mundo me dá de volta. Eu sempre desejei ter nascido na Suíça e vim ao mundo no Piauí; queria ter sido cientista e virei redator de publicidade; tentei ser pop-star da música e nunca transei com ninguém. Claro que, diante de um quadro assim, eu só poderia escrever textos de humor. A alternativa seria o suicídio ou trabalhar nas lojas Havan.
Procuro fugir de qualquer hábito institucionalizado para me manter criativo. A maioria dos autores já os usa e eu acabaria escrevendo muito parecido com eles.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Com o tempo aumentou o meu rigor em relação ao que produzo. Certamente eu era muito mais naïf e esperançoso nos meus anos de formação. Passadas algumas décadas fui tornando-me cada vez mais pessimista com o fazer literário – que no Brasil é cheio de igrejinhas, panelinhas e premiações duvidosas. Hoje, se eu não tiver um motivo muito significativo para executar um projeto, não tomo parte dele. Como dizia o escriturário Bartleby: ” “I would prefer not to”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de editar um grande dicionário de frases inteligentes e engraçadas de todos os tempos. Temos muitos glossários de pensamentos filosóficos, religiosos ou de frases feitas. Mas não contamos com um alentado compêndio do melhor do humor “one-liner”.
Amaria ler uma biografia de Donald Trump escrita por Kim Jong-un e uma de Kim Jong-un escrita por Donald Trump. Mas talvez elas sejam impossíveis de vir à luz, já que ambos não sabem escrever.