Carla Pachêco é médica, professora de medicina e autora da série de livros “Perfume de Hotel”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia às 6h da manhã. Há 1a retomei minha atividade física (FIT Pilates) regularmente, 3x por semana. Não dá para deixar para lá. O corpo e a mente pedem, e a saúde agradece. Mas confesso que, é na base do sacrifício (rs). O lema é “família que se cuida unida, permanece unida”, então, lá vamos nós – eu, marido e filha (o caçula é atleta nato). Nos outros dias, ainda que sem atividade física logo cedo, não tem folga também; os compromissos de trabalho/estudo me chamam ainda mais cedo. E procuro tomar um café da manhã gostoso, mesmo que rápido (é a refeição que mais amo no dia) – não dá para se ter tudo, né?! – porque depois é partiu administrar a correria, o excesso de tarefas e a falta de tempo da melhor forma.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Meus dias são sempre muito corridos. Gosto da característica multifacetada das mulheres e acho que me acostumei a abusar um pouco disso, dessa mulher “Bombril” (mil e uma utilidades). Formada em medicina há 20a, me especializei na área de Terapia Intensiva (cuido de pacientes em estado crítico internos em Unidades de Terapia Intensiva/UTI-adulto) e, portanto, trabalho em regime de plantão; sou médica concursada do estado desde 2003 e há 11a passei a atuar ligada a área da gestão na Secretaria de Estado da Saúde; há 2a e meio comecei a dar aula no curso de medicina em uma faculdade privada (inicialmente como profa. na cadeira de Semiologia Médica e, atualmente, na cadeira de Psicologia Médica, onde me achei); e estou no meio de um Mestrado Profissional de Ensino na Saúde pela Universidade Federal de Alagoas. Afora isso tudo, eu tenho necessidade de escrever, de conversar com o papel e com os leitores, então, sinceramente, não há uma regra, um ritual; há prioridades no meu tempo. O processo da escrita depende muito do que estou produzindo no momento (se o capítulo de um livro ou uma crônica, por exemplo) e, com certeza, a minha habilidade (que alguns dizem ser um privilégio) de adaptar a minha escrita ao ambiente em que me encontro, quer seja este recluso e tranquilo, quer seja agitado – pela pura falta de opção, ou mesmo, por optar não me isolar do convívio com marido e filhos, algo que valorizamos muito em casa – é o que me salva. Assim, por vezes, a minha escrita se dá em meio a uma “Sessão Pipoca”, embalada pelo som alto e vibrante de, por exemplo, “Missão Impossível” – ainda que eu esteja imersa em outra história, o que importa de verdade é que estamos juntos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
No momento tenho me dedicado a escrita de mais um título da série Perfume de Hotel. A primeira observação a ser feita é que, a produção desses “Perfumes” está condicionada às minhas viagens e, em sendo assim, não há uma preparação prévia, tudo nasce depois. O que faço nas minhas viagens é, além de fotografar bastante (algo que sempre curti), ter a mão um caderninho aonde vou registrando meu roteiro e tudo mais que capto a minha volta e acho importante e, claro, aqueles insights que vêm e vão como um relâmpago e que, por isso mesmo, precisam ser registrados no exato momento em que se dão, porque em questão de segundos se perdem para não mais voltar, não da mesma forma. Esse é o meu principal ritual, se quiser caracterizar assim. Em Perfume de Hotel, um capítulo tem a duração de 24hs; o capítulo acaba quando o meu dia acaba, o que faz desse registro essencial para que eu possa transpor para o papel o que vivi, o que senti, para que eu possa transmitir o perfume sem deixar passar os detalhes. E quando chego de viagem, tudo o que eu mais quero é poder sentar e reviver esses cheiros muitas… e muitas vezes. É fato que, a memória olfativa é das mais poderosas, ela está intimamente ligada a mecanismos fisiológicos que regem as nossas emoções, que ativam a nossa memória afetiva. Não à toa lanço a pergunta ao leitor logo na capa: “Quem resiste ao poder do perfume?” Essa é a essência de Perfume de Hotel. E não! Não consigo, por hora, estabelecer uma meta diária de escrita; tenho sim uma vontade intrínseca de sentar e escrever todos os dias, em qualquer brecha que surja em meio aos meus afazeres, enquanto minhas pestanas estiverem firmes (rs).
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nada difícil! Talvez, exatamente por não ter uma formação voltada para essa área, eu simplesmente deixe minha escrita fluir, sem me preocupar com rótulos, sem tantas cobranças. Certa vez, uma professora de literatura de quem gosto muito, a quem convidei para ser a minha entrevistadora numa Feira Literária que participei à época do lançamento do meu primeiro livro – Perfume de Hotel – Nova Iorque –, me disse: “Você simplesmente desconstruiu”. Eu não entendi de pronto o que ela queria dizer e ela fez questão de me explicar. Após ler o livro para poder elaborar a entrevista, ela destacou a fluidez, a leveza da minha escrita, a estruturação do texto feita por alguém que nunca tinha se debruçado sobre essa área, que apenas decidiu que iria escrever e fez. E a editora do meu segundo livro, Perfume de Hotel – Chile, disse no dia em que fizemos uma tertúlia em sua livraria, que o melhor da minha escrita nessa séria é a “costura”. Eu explico. Brinco o tempo todo no livro com essa coisa de me afastar do momento presente para viajar nas memórias que o perfume que estou sentindo me traz. Enfim, das muitas frases que me movem, sem dúvida, essa de Jean Cocteau é uma delas: “Não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez”. Acho que muito das coisas que não ousamos fazer na vida não é por não saber ou não sermos capazes, mas porque nos impomos limites demais.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não sou do meio termo. Digo que até na escolha da minha especialidade médica optei por algo que, mesmo entre a classe médica, divide opiniões em 8 ou 80, ou seja, ou você é apaixonado pelo ambiente da Terapia Intensiva, por trabalhar confinado horas a fio e sempre no limite, ou nem quer passar perto. Quero dizer com isso que, não sou de meias escolhas (sou de me jogar por inteiro), não sou de procrastinar e, quanto ao medo, costumo dizer aos meus alunos que o medo é o mais poderoso dos paralisantes, mais poderoso que qualquer curare. Então, guardada às devidas proporções, “vai. e, se der medo, vai com medo mesmo”. Gosto do desafio. Sou focada. Levei em torno de 3 meses para escrever cada um dos Perfumes e, não fiquei na sofrência para me decidir por qual editora publicar. Nunca me envolvi em projetos longos com relação à escrita, tampouco consigo me imaginar demorando anos para produzir um único livro. O ritmo em que estou hoje, em razão, principalmente, do tanto que a docência e o mestrado exigem, não me dá a chance de poder me dedicar a escrita como eu gostaria, mas, em se tratando de Perfume de Hotel, também não posso me afastar tanto assim, porque é exatamente o frescor do aroma que faz transparecer com maior fidelidade as impressões únicas de cada lugar. Tempo… tempo… tempo… dá para ir mais devagar, é o que me resta pedir (rs).
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não sou de ficar remoendo texto. Quando a narrativa de uma obra é na primeira pessoa, a construção do texto fica bem mais fácil, justamente por ser uma escrita mais intensa e pessoal, bem, ao menos era isso que eu pensava. Mas descobri ao me deparar de fato com esse universo literário que, não funciona exatamente assim para todo mundo. Há quem ache a forma como eu escrevo tão difícil quanto eu acho desenvolver uma obra de ficção. Então, o importante é que cada um se encontre no seu processo de escrita; para mim, esse é o ponto de partida, o resto é consequência. Lembro que, quando decidi escrever para valer foi num “estalo”. Estava num momento de busca pessoal, em que me questionava o tempo todo “o que mais?” e, de repente, num voo para Curitiba, uma reportagem de capa da revista TAM Nas Nuvens, com a queridíssima Martha Medeiros, me chamou a atenção. Era novembro de 2012 e o enfoque era o lançamento do seu livro “Um lugar na janela: relatos de viagem”. Fui atrás do livro assim que aterrissamos. Achei, comprei, devorei durante os quatro dias que passei na cidade e, ao terminar a última linha, minha busca tinha acabado; decidi ali, naquele instante, o que eu iria fazer – escrever! Tínhamos uma viagem comprada para NYC para dali 1 mês e, resolvi fazer dessa viagem o estopim para dar uma guinada na minha vida. Viajei, voltei, escrevi, tive um olhar e um toque inicial (muito especial) acerca da boneca do livro dado pela Gabriela Nascimento (Gerente Editorial à época do grupo Gutenberg), mas, foi quando eu olhei e disse para mim mesma “está pronto”, que me lancei no mercado. Livro é como filho, é gerado em nós, é parte de nós e, assim como filhos gerados em nosso ventre, a gente sabe, a gente sente quando chega a hora de virem ao mundo. Mas claro, um bom trabalho, um trabalho bem feito, exige cuidado, capricho – eu sou bem exigente (especialmente comigo) – por isso, para finalizar, tenho um excelente revisor de texto, daí, quando ele diz “finished”, não há mais o que adiar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Bem, com relação à escrita de Perfume de Hotel, como mencionei, eu começo com pequenos registros num caderninho que me acompanha nas viagens (pela simples necessidade de ter que ser assim, para que o registro final possa traduzir de fato algo dinâmico, quase em tempo real), mas, em se tratando de outros projetos, como no caso de outro livro já finalizado, ainda não publicado, a princípio com o título de Um lugar chamado UTI (a inspiração do nome vem do filme “Um lugar chamado Notting Hill” e, nessa obra busco abrir essa “caixa preta”, desmistificar esse ambiente da UTI – não se trata de um corredor da morte, mas sim de um corredor da vida –, aproximar a realidade e os sentimentos que nos tomam ali do público em geral, trazendo relatos pessoais, além de histórias e personagens da vida real), eu costumo escrever direto no computador. Aliás, nem me imagino desenvolvendo um projeto sem ter à mão um computador e o “Dr. Google” aberto para auxiliar nas minhas pesquisas. Gosto da tecnologia, mas diria que nesse quesito sou “básica”. Não sou de ficar fuçando; busco os recursos na medida das minhas necessidades.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Acredito que, não ter medo das críticas é o primeiro passo para nos mantermos criativos. “Todo progresso acontece fora da nossa zona de conforto”. Há tempo fiz parcerias com alguns Blogs Literários e, um deles, o Blog Relíquias, me cedeu um espaço para publicar crônicas regularmente, uma vez por semana. Por praticamente 2a me impus esse ritmo; foi um desafio e tanto. Sempre me pareceu clichê a fala dos artistas sobre a construção de seus personagens – me inspirei na minha vizinha, observando as pessoas na rua… Mas, especialmente, atuando como cronista, tudo a minha volta ganhou uma nova perspectiva, muito mais ampla; passou a ser um terreno fértil para manter minha mente criativa. Recordo o dia em que um médico que trabalhava comigo, que quase sempre chegava inspirado, usou a palavra “idílico” – eu desconhecia o significado. Dessa conversa despretensiosa, nasceu naquele mesmo dia uma crônica que gosto muito chamada “Sonho Idílico”. Assim também, após me deparar, de repente, com um arco-íris enorme ao fazer uma curva na estrada, saí do vazio total (aos quase 90min do segundo tempo para estourar o prazo) para uma crônica escrita numa marcha só. Enfim, acho que os hábitos que devemos cultivar são: sentidos aguçados e, mente e coração abertos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Assim como nós, a nossa escrita nunca está acabada. Se acabar é porque chegamos ao fim. Se dissermos que não há mais o que aprender nem o que ensinar, de uma forma ou de outra, morremos. À medida que o tempo passa, amadurecemos, incorporamos novos elementos a nossa bagagem e, consequentemente, a nossa escrita. Não mudaria nada. Meu foco está no que vem a seguir, em provocar e, também, em não deixar passar as oportunidades. Quero mesmo é fazer mais e melhor a cada dia. “A vida só tem um sentido, pra frente”. A Carla de hoje já não é a mesma de ontem e, com certeza, não será a mesma de amanhã. Então, avante!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Ainda há muito por realizar! Digo em Perfume de Hotel – Nova Iorque que “sonhos definitivamente não são feitos apenas para sonhar, mas para realizar”. Minha mãe me ensinou a sonhar lá nas alturas, a mirar além. Sonhar grande e sonhar pequeno dá o mesmo trabalho, mas os resultados são completamente diferentes. Então, quero ousar cada vez mais na minha escrita, me lançar por caminhos desconhecidos e, sobretudo no Brasil, onde o hábito da leitura não é cultivado, o incentivo a cultura é um drama, e a distribuição de livros pelas editoras é algo bem complicado, ter a felicidade de ver meus livros nas gôndolas de destaque das grandes livrarias, o que, sem dúvida, é um feito enorme. E, sim, quero conseguir me aproximar cada vez mais dos leitores, poder conversar com um grande público, participar de grandes eventos, estar envolvida com palestras… produzir muitos Perfumes. Não saberia dizer agora sobre o que ainda não existe, mas adoraria conseguir dar conta de todos os meus desejos de leitura que estão se acumulando no meu home office – tá difícil dar conta (rs).