Carla Gisele Batista é historiadora, educadora, pesquisadora e ativista do movimento feminista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Costumo acordar muito cedo, por volta das 4/5 horas. Sou meio lenta, gosto de fazer as coisas com calma: ouvir os sons e os silêncios do nascer do dia, tomar o café da manhã, dar uma passada pelas notícias. Quando tenho coisas a escrever, posso acordar mais cedo ainda. Nestes casos passo direto do café ao computador, quando não começo por ele.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu trabalho melhor de madrugada ou de manhã, depois de ter dormido, nem que seja só um pouco. Trabalho melhor durante o dia. Não tenho ritual de preparação, a não ser o de ter a mesa de trabalho organizada com as coisas que vou precisar. Gosto de ter o Houaiss ao lado, caderneta de anotações, livros de referências.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo em períodos concentrados. Nos dias que antecedem a publicação da coluna Mulheres em Movimento que publico na folhape.com.br, por exemplo. Não tenho meta de escrita diária, a não ser que tenha algum texto como objetivo. Mas, nem sempre a escrita flui. Muitas vezes gostaria de alcançar determinada meta naquele dia, mas não há concentração que ajude. Há um tempo das ideias se (des)assentarem na cabeça. Nestes momentos costumo ler e reler o que já foi escrito, enquanto as ideias vão brotando; o que quero realmente dizer amadurece.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Primeiro gostaria de dizer que o que me ensinou a falar e depois a escrever, foi o feminismo. Antes dele eu era uma pessoa que ficava apenas fermentando as coisas dentro de mim (risos), e sofrendo, a maioria das vezes. Me ensinou a necessidade de me expressar como sujeito. E, sim, costumo começar depois que fiz alguma pesquisa/anotações sobre o tema. O que não elimina que à medida do desenvolvimento do texto outras consultas sejam feitas. Mas não sou daquelas que, antes de começar, constroem mapas ou roteiros. Este é um exercício que quero começar a fazer.
Minha escrita, geralmente, se faz em camadas. Textos que vão se sobrepondo, textos que vão se complementando a cada reescritura.
Pra começar o melhor é começar, com qualquer coisa. Sentar e trabalhar. Nem que seja pra depois jogar fora o que foi feito.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando não consigo avançar eu paro e vou ler alguma coisa, que pode ter a ver ou não com o que estou escrevendo. Costumo ir caminhar no calçadão da praia, ou cozinhar, lavar as verduras… Ao pensamento, às vezes, é imprescindível a generosidade do tempo.
Dar publicidade a um texto é uma exposição. Tenho sempre a certeza de que não vou corresponder às expectativas, principalmente às minhas (risos), que são muito exigentes. Mas já me convenci de que isto não pode se transformar em um impedimento. Aprender a escrever é um processo, o meu ainda tem muito a amadurecer, mas acredito que é escrevendo cada vez mais que vou conseguir avançar. Ser rigorosa consigo mesmo é importante, mas é preciso aprender a gostar e a cuidar do que a gente é, respeitar o que a gente pode a cada momento da vida, senão as coisas se inviabilizam. Eu penso que é isso que ajuda a ir em frente. E não ficar o tempo todo em busca de um ideal que pode, pelo menos no meu caso, travar/inibir. Humildade é bom: saber que mesmo do tamanho que a gente é, a gente tem o direito de existir e se expressar.
Tenho tendência à procrastinação e, cada vez mais, a contrariá-la. Nem sempre sou condescendente comigo mesma. É preciso diferenciar, no entanto, o que é procrastinação, daquele tempo que nos é necessário para continuar.
Quando estava escrevendo a minha dissertação de mestrado, deixei de nadar – o que é uma coisa que eu gosto muito de fazer- porque pensei que ia perder muito tempo saindo de casa para ir ao clube. Ledo engano. Isso só fez aumentar a minha ansiedade e bloquear a escrita.
Em tempo: minha dissertação está sendo publicada pela Editora Annablume, agora em 2019. Escrevê-la me ensinou algumas coisas importantes sobre o processo de elaboração de textos de fôlego. Aprendi errando, mas também compreendendo que cada pessoa deve encontrar o seu método.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Muitas vezes. Geralmente só paro quando chega a hora de publicar ou de enviar para uma revisão formalizada, quando é o caso. Acho que os meus textos são assim: sempre podem ficar melhores, sempre podem ser acrescidos de algo novo. Por isso chega o momento em que é preciso colocar o ponto final, ainda que não se esteja satisfeito/a.
Quase nunca mostro, apesar de que tenho um ou outro amigo/a com disponibilidade declarada de leitura e sugestões. Penso sempre que pode ser um incômodo, ou, como fico relendo/revendo até a última hora, nem sempre dá tempo.
No caso da coluna, por exemplo, o que sinto mais falta é de um pequeno grupo que construísse junto a pauta, desse sugestões, fizesse a leitura final. Mas, esta seria uma situação ideal para um trabalho que é militante.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Costumo escrever em uma caderneta. Tenho sempre uma na bolsa. Gosto de anotar coisas no papel. Tenho fetiche por caderninhos (risos). Ideias, informações e/ou dados pesquisados. Ainda preciso me acostumar a ter as notas ou o gravador do telefone como aliados. Mas, quando começo a escrever, a não ser que ele não esteja por perto, uso sempre o computador.
Fico me perguntando sobre como era na inexistência da possibilidade de cortar, colar… A gente vê no cinema: escreve uma página, amassa e joga no lixo, escreve outra… e a cestinha vai ficando cheia de papel amassado. Não tenho a dimensão do que é menos ecológico.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Ler muito. Ler é se perder de si mesmo/a no outro/a, e eu acho que sou melhor lendo do que escrevendo. Escrever exige uma lucidez que só é possível a partir de encontros profundos consigo mesma/o. Sem coragem e suor não é possível.
Além disso, para o que produzo, conversar com e observar as pessoas, estar atenta ao mundo… Na medida do meu possível, que tento desafiar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Perder o medo de escrever foi uma coisa muito importante. No início, ele me paralisava. Outra coisa fundamental foi perder a expectativa de uma aprovação. Quando comecei a escrever, no trabalho, e mais de uma pessoa lia antecipadamente à publicação, o fato de emitirem opiniões que às vezes eram completamente contrárias, ajudou (risos). Chegou um momento em que pensei: é melhor confiar em mim mesma do que tentar, de antemão, agradar gregos/as e troianos/as. Não vou conseguir.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria, em algum momento, de me atrever na área da literatura. Talvez escrever um policial, que é um tipo de leitura que me encanta, assim como o desafio de prender a atenção do leitor/a. Com certeza existem policiais sensacionais, acho que o meu seria apenas o trabalho de uma aprendiz a mais. O de perseguir as palavras no caminho de alguma verdade passageira.
Olha, tem tanta coisa escrita que a gente não sabe. Mas, sei também que cada pessoa é um ponto de observação e de sentimento do mundo. Tem muita estória pra ser contada, muita história pra ser recontada, de todas as formas. As surpresas sempre podem acontecer. Ainda bem!
Pra terminar quero agradecer o convite para participar e dizer ainda que não ouso me chamar de escritora. Espero um dia chegar lá.