Carla Françoia é doutora em Filosofia e professora de Psicologia na PUC/PR.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu tenho dois períodos durante o ano. Um quando estou em aula e o outro quando estou de férias. No período das aulas, eu acordo e me preparo para as aulas de acordo com minha carga horária e de acordo com a grade horária do semestre. Minhas leituras se resumem a material ministrado durante o semestre e a material desenvolvido pelos/as estudantes. Assim, como material de grupo de estudos. Essa é a vida de uma professora, todo semestre ela é nova, ela deve ser reorganizada e eu adoro isso. Sempre tem coisas novas para fazer e preparar. Mas, quando estou de férias é quando eu mais escrevo e mais leio também.
Acordo cedo, sempre. Inclusive finais de semana. Ainda deitada, dou uma olhada nos jornais online, nas redes sociais. Isso leva mais ou menos uma hora e se eu me descuidar, leva até mais. Após o café da manhã regado de muito café com uma babinha de leite, sento na minha mesa e começo minhas leituras ou minha escritas. Nada é previsto. Tudo é feito de acordo com a minha vontade. Eu aprendi que agenda, cronograma e listas servem para serem desprezados. O que eu levo em conta é o meu desejo, independente de qualquer coisa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho ritual nenhum. Apenas preciso deixar longe de mim tudo que me tire a concentração, isso envolve celular, redes sociais, telefone e cachorros. Humanos eu não ligo, mas minhas plantas e meus animais, esses sim me tiram toda a concentração. Eu gosto de escrever durante o dia. Algo que mudou em mim nos últimos anos. Antes, eu era bem notívaga, hoje sou uma pessoas que preciso da luz do dia. Escrever para mim durante o dia e dormir na madrugada me dá a certeza de trabalho feito. Claro que água e café ao meu lado não podem faltar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não estipulo nenhuma meta, mas sinto que quando estou bem produtiva eu não consigo parar. Produzo muito nesses momentos. Mas, escrevo todos os dias, nem que seja somente um parágrafo ou faço correção do que foi escrito nos dias anteriores. Mas, isso nos períodos de férias. Em época de aula eu quase não escrevo, na realidade eu não consigo escrever. Não lido bem com a escrita interrompida pelas questões da vida. Quando eu me proponho a escrever a vida fora, fica parada. A escrita se transforma na minha vida. Não consigo conciliar as duas coisas, vida e escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Por mais organizado que pareça meu processo de escrita, ele é totalmente caótico. Eu não tenho etapas: primeiro a leitura e depois a escrita, nada disso. Enquanto leio, eu escrevo. Quando estou lendo algum autor ou obra as questões vão se inquietando dentro de mim e eu preciso escrever sobre essa inquietação, sobre a dúvida surge, sobre o que é a minha compreensão. Por isso, não tenho dificuldade em começar a escrever, a minha dificuldade é em parar de escrever. O limite do texto é a minha dificuldade. O limite é o tempo da entrega do texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu lido muito bem com a procrastinação. No meu caso, ele é fundamental. Há sempre o limite do tempo e eu gosto disso, pois é isso que me organiza e me permite procrastinar. Não carrego culpa por isso. Até porque como não sou livre para escrever todo o ano, devido a Universidade, o tempo que tenho é bem aproveitado dentro daquilo que é o meu caos e minha loucura em fazer um texto.
A minha questão em relação ao que escrevo é complexa porque não gosto de nada que eu escrevo. Sempre termino um material pensando que poderia ter sido melhor escrito, que poderia ter sido diferente e que não tem valor. Após terminado e entregue, eu sofro por alguns dias pensando que poderia ser tudo diferente e entrego para o mundo. Depois de alguns meses eu retomo o material e é sempre uma surpresa. Eu faço as pazes com minhas letras escritas e comigo mesma. E assim todo o processo se inicia com a minha entrega de corpo e alma ao texto, com minha revolta e depois com minha reconciliação.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu reviso poucas vezes, talvez uma ou duas no máximo. Eu sei que todas as vezes que eu for revisar, eu vou altera-lo, então melhor não revisa-lo tanto. Sempre mando para correção de português. Isso é fundamental e não tenho problema algum em assumir. Como o texto faz parte da mim, acabo não conseguindo ver os erros que o texto tem. Preciso de uma revisão gramatical.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre começo a mão e logo a seguir vou para o computador. Tenho meus fichamentos a mão, gosto de escrever à mão mas o grosso da minha escrita é toda feita no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm da vida e da minha relação e conversa com os outros. Eu vou à leitura a partir da vida. As minhas ideias são resultado daquilo que sou e o que sou é resultado das minhas vivências e isso inclui minhas leituras. É um círculo que se alimenta.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muita coisa mudou e o mais impressionante é que mudou para continuar a mesma coisa. Eu gosto dos meus primeiros textos, exatamente por serem meus primeiros textos e fazem parte da trajetória da minha vida, da minha história e da minha formação. Eu diria a mim mesma o que diga para muita gente: nunca pare de escrever nem que seja para você mesmo, não desista.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O projeto no qual estou agora é exatamente aquele que eu pensava que gostaria de estar antes de ter começado. Estou escrevendo sobre corpo, subjetividade e tecnologia. Já tem nome: as condições corpóreas da vida. Acredito que até fevereiro de 2020 esteja pronto. O livro que gostaria de ler e que ainda não existe é um livro de romance escrito por mim ou uma peça de teatro. Mas, são planos para um futuro muito longínquo, na ideia ambos já existem, falta apenas começar.