Carla Cintia Conteiro é escritora, tradutora, empresária e editora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não gosto de acordar cedo, mas o dever me chama. Procurei o meio termo, não levanto quando o galo canta, mas o sacrifício de ter hora para levantar me faz ser lenta e silenciosa. Só viro um ser humano social depois de um bom balde de café e um desjejum de respeito.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sou bem mais produtiva no final da manhã, e do meio da tarde em diante. Entre diversas atividades, meu dia de trabalho algumas vezes chega à uma hora da manhã. Contudo, além da escrita, tenho outras atividades profissionais que precisam ser equacionadas. Para escrever preciso estar na minha bolha, só e em silêncio, e se o fluxo for interrompido, é custoso retomar.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sinto vergonha de dizer que não tenho nenhum método para escrever. Deveria ter, mas não tenho. Escrevo à medida em que as ideias aparecem. Quando há oportunidade, desenvolvo-as no mesmo impulso. Se não, anoto a linha de raciocínio e deixo para burilar a ideia em outro momento.
Também acontece de ser movida por um objetivo ou prazo, como concluir um livro para lançar em determinado evento. Quando é preciso cumprir prazo para inclusão em um concurso ou coletânea, de uma forma geral, resgato algo de meus arquivos e faço as alterações necessárias para cumprir as regras do projeto.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Ainda não escrevi um romance. Todos os meus livros são de poemas, crônicas ou contos. Cada uma dessas peças escritas de um fôlego, mesmo que posteriormente passassem por revisão ou pelo processo de reescrita. Quando considero que tenho um volume razoável de escritos, com algo em comum para formar uma unidade, imagino ser a hora de lançar mais um livro.
A narrativa normalmente está pronta na minha cabeça quando me proponho a escrever um conto, por exemplo. Algumas vezes são histórias que me assombram por meses, procurando soluções, como um fio condutor mais interessante. Não tenho dificuldades para começar. Entretanto, tenho algumas histórias que inicio e encontro dificuldades de concluir.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
O que acontece algumas vezes é a história criar vida própria em diversas direções diferentes. Não é exatamente uma trava, mas atrapalha o andamento do trabalho. Uma solução que encontrei para isso foi criar outra história para aquele caminho alternativo que surgiu. O enredo é aquele que insiste me pular na minha frente, mas crio novos personagens e ambientes para encaixá-lo.
Como estou trabalhando no primeiro romance, isso já aconteceu algumas vezes ao longo do projeto.
Não tenho medo de não corresponder às expectativas, porque quando estou escrevendo ou editando um livro até penso na persona do leitor, mas a apreensão quanto à aprovação das pessoas só vem mesmo quando já estou com o livro em mãos, prestes a lançar.
Quanto à ansiedade em relação a projetos longos, procuro diminui-la dividindo o projeto em tarefas menores, sem pensar no prazo final, mas naquele da próxima tarefa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Todo escritor que conheço tem a tendência a revisões infinitas. Por isso gosto de trabalhar com prazos e metas bem definidos. Chega um determinado momento em que é preciso dizer um basta às revisões e aceitar que um ou outro erro poderá passar e que sempre pensaremos em formas melhores de dizer a mesma coisa, porque estamos em constante aprendizagem.
A leitura crítica é uma parte vital no processo de escrita. É natural que nos apaixonemos e nos tornemos tão íntimos de nossas palavras e histórias que percamos o senso crítico em relação a isso. O leitor crítico bem escolhido, sincero e bem preparado vai saber apontar o que precisa ser esclarecido, o que pode ser excessivo, que pontos podem ser melhor desenvolvidos.
Além disso, a revisão é fundamental.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Já há muitos anos, escrevo diretamente no computador. Mas costumo ter um pequeno caderno à mão para anotar algumas ideias. Gosto mais do que anotações no celular.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Minhas ideias vêm de todo lugar. De alguma coisa que leio, uma história entreouvida no transporte público ou no elevador, um sonho, a tentativa de elaborar alguma questão íntima… As fontes são infinitas.
Sou naturalmente criativa, mas alguns hábitos decerto me ajudam nisso. Costumo frequentar ambiente com música, exposições, teatro, palestras, assisto muitos filmes e leio bastante.
Quando converso com as pessoas, ouço mais do que falo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Hoje sou menos pessoal, ou seja, minhas histórias falam menos de mim mesma e mais de personagens que invento. Ainda gosto de muita coisa que escrevi quando jovem. São como documentos da minha trajetória até aqui. Outras coisas, não teria escrito ou escreveria de outra forma, porque meu jeito de pensar mudou.
Se eu pudesse falar comigo mesma de antes, diria para ser mais natural e evitar o pronome tu nos poemas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho pelo menos sete romances na minha cabeça. Três deles já iniciados, os demais apenas com anotações. Eles precisam ser todos transpostos para livros.
Gostaria de ler um livro que nos despertasse e comovesse toda a humanidade e nos compelir dar os passos que faltam para que consigamos viver em harmonia entre nós e com o planeta.