Carina Carvalho é poeta, mestra em letras e autora de Marambaia (Patuá, 2013) e Passiflora (edição da autora, 2017).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Geralmente, a quantidade de horas dormidas dita um tanto a forma como acordo. Tenho um sono sem demora, contínuo, fácil, e preciso de um número mínimo de horas pra que o corpo comece bem; do contrário, posso sentir alguma fraqueza, tanto física quanto dos ânimos. Quando vou trabalhar fora, tudo ocorre com muito mais pressa do que eu gostaria – é algo que ainda preciso corrigir. Tomo banho, como algo e corro para enfrentar o deslocamento por São Paulo. Quando o trabalho acontece em casa, levanto com mais calma, tomo café, como pão ou frutas. Abro janelas, espio a cor do dia, procuro pela minha gata para dar bom dia. Gosto de ver a luz batendo no quintal. Esse processo acontece já enquanto espio mensagens pelo celular e ligo o computador.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não posso dizer que minha escrita tem um padrão. Já escrevi poemas em todos os períodos do dia, sob condições variadas também – isso porque alguns são escritos pouco a pouco, com versos se combinando meio sem previsão. Ficam em processo por semanas, enquanto costuro imagens e palavras que vão chegando conforme a vida corre. Outros nascem em minutos, por completo, por algum arroubo do desejo. Eu os deixo acontecer, procuro obedecer à sua urgência ou à sua preguiça. Mas acho que a noite, comecinho da madrugada, já foi muitas vezes campo aberto pra produção. É quando me sinto mais sozinha, parece que o verbo fica à vontade pra vagar por aqui e depois me deixar abraçar o sono satisfeita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não escrevo todos os dias, mas em muitos deles releio os versos soltos que tenho em um rascunho de e-mail e em um arquivo no computador. Sinto que assim as palavras vão maturando. Estabeleço metas só quando há demandas específicas – enviar poemas para algum projeto, por exemplo, ou se estou desenvolvendo um novo livro ou compilado de poemas. Aí, fico animada com a produção e procuro estabelecer alguma meta semanal, ainda que pequena – gosto de perceber quanto consigo aguçar o olhar sobre as coisas, como numa caça pela palavra nesses períodos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não acho tão difícil iniciar um texto. Tenho mais dificuldade em continuar as primeiras notas e percepções e constuir algo coeso.
No processo de escrita da minha dissertação, travava por longos períodos em um capítulo, não por falta de ideias sobre ele, mas por querer construir o texto já bem amarrado. Não funcionava “soltar a mão” e depois voltar editando, porque de alguma maneira eu queria escrever algo que fosse o mais próximo possível da versão final.
Na poesia é um pouco diferente. A pesquisa, quando ocorre, consiste em reler minhas anotações de caderninhos, ler poemas de autoras(es) de que gosto pra me sentir preenchida e daí sair costurando os versos. Tenho muitos versos na cabeça, decorados sem esforço, de poemas de que gosto. Puxo todos eles quando quero entrar naquele estado de assombro, de absurdo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sou uma pessoa que procrastina um tanto, mas em relação à poesia, por seu tempo próprio e por como fico bem disposta quando estou desenrolando um poema, isso acontece bem menos. Se o texto poético não está saindo, dou um tempo, não forço, espero o dia virar. Quanto às expectativas, acho que tenho cada vez mais dado importância ao que sinto quando concluo um poema. Não o julgo bom ou mau a partir só disso, mas consigo primeiro entender se estou satisfeita com o que saiu e, depois, penso em como isso vai reverberar fora, se há alterações possíveis que sigam fiéis àquilo de que gostei. Foi um movimento importante pra que eu sentisse mais segurança com as produções.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Costumo alterar os poemas só logo depois de sua feitura, no máximo alguns poucos dias depois. Não é comum que eu revise e edite textos depois de um longo tempo. Fiz isso apenas recentemente, e pouco, porque o livro que estou preparando reúne, além de poemas inéditos, alguns escritos nos últimos sete anos, pelo menos.
Mostro para uma ou duas pessoas o que escrevo antes de publicar, amigas(os) próximas(os), quando fico feliz com a feitura ou quando quero testar a recepção. Envio por texto mesmo e de vez em quando gravo um áudio – aprendi que essa é também uma forma muito bonita de experimentar o poema.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Uso tanto os caderninhos quanto o computador, a depender de onde estou e o que consigo acessar no momento. O celular também já funcionou várias vezes como ajudante pros rascunhos.
O meio digital foi fundamental pra mim por muito tempo, já que comecei a escrever e a publicar minha produção em blogs. Comecei com textos sem muita definição, caminhando depois para a prosa poética e firmando pés, já há alguns anos, nos poemas. Pra além da tranformação textual e de mídias, sinto algo de muito doce quando penso nas pessoas que conheci por essa plataforma. Por muito tempo visitei diariamente uma série de blogs de pessoas que são minhas amigas até hoje, com quem iniciei contato por alguma afinidade de percepções, de escrita, de leituras. Isso enchia o meu dia, era uma fonte de deslumbramento real. Comentava nos posts de que gostava e me sentia animada por essa troca e construção constantes. Engraçado, hoje me tornei mais caladinha virtualmente.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Quando leio algo que me deixa absurdada, corro para copiar e registrar onde eu possa resgatar quando precisar encher o peito. Então, tenho e-mails que enviei para mim mesma, poemas colados em documentos do word e, principalmente, frases na cabeça, como já falei. Ouvir música também mexe muito com como me sinto, principalmente pelas manhãs. Isso me faz ficar mais sensível e arrancar da janela, da casa, do meu corpo, do busão, dos atrasos, da luz do sol ou da falta dela a matéria poética. Se sinto que estou sem ideias, em resumo, procuro abrir melhor os olhos pro que deixei passar nas amenidades, nas agonias, nas maravilhas – de mim e dos outros. Vou atrás de obras que me tirem desse lugar seco. Fotografia costuma entrar também como potência de deslocamento, fico olhando e com vontade de entrar na escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que sou menos afobada e menos ingênua. Cuido mais do uso das palavras agora, da forma, muitas vezes penso antes o efeito que quero causar, a intenção do poema. Tenho tentado experimentar sonoridades também, desde que comecei a ler os textos em voz alta.
Se eu pudesse falar com a Carina dos primeiros textos, talvez dissesse pra seguir mesmo na escrita e confiar nos processos. Recomendaria também que fosse logo atrás da poesia, que dividisse um pouco com as leituras de prosa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não tenho na verdade projeto engavetado ou ideia que não tenha iniciado. Todas as vezes que senti vontade de fazer algo, comecei logo, porque fico numa animação inadiável, ainda que depois haja pausas longas, desistência ou alguma enrolação no desenvolvimento.
Gostaria de ler um livro que me fizesse chorar. Sou alguém de choro fácil e por motivos vários, mas acabei de lembrar que ainda não chorei com algum livro. Que loucura. Respondi e agora já não sei mais se quero isso. Vai ver a literatura aqui é pra ser da natureza do espanto mas olhos secos, só bem abertos.