Camila Potyara é professora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade de Brasília.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Como tenho um filho pequeno, minha rotina matinal se volta para ele: acordá-lo, fazer o café da manhã, passar um tempo em brincadeiras, preparar o almoço. Ao mesmo tempo, vou tentando conciliar a leitura de e-mails, mensagens e notícias do dia. Quando tenho tarefas profissionais pela manhã, vou para a Universidade, ou para algum espaço tranquilo, para me concentrar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor à noite, quando o mundo se acalma, o telefone dá uma trégua, as interrupções diminuem. Não tenho ritual de preparação para a escrita, mas preciso de silêncio. Muito silêncio. Isso é um forte fator dificultador, já que este silêncio, que tanto almejo, dificilmente é conquistado.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrever, para mim, é um processo ao mesmo tempo doloroso e libertador. Fujo desta atividade o máximo que posso. Porém, ela é parte de mim, quase uma necessidade vital que, se não atendida, chega a sufocar. Dessa maneira, quando o trabalho exige, concentro as energias para que o texto possa nascer. Quando preciso escrever, por mim e para mim, só deixo sair. Invejo quem consegue manter uma rotina de escrita diária, uma produção constante…
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começar é sempre o momento mais difícil. Minha mãe costuma dizer que escrever é como montar em um touro bravo. E uma vez em cima dele, não se pode mais descer. O meu problema é que subo no touro e desço dele tantas e tantas vezes que estou sempre em fase de (re)começo: as distrações mil e o acúmulo de tarefas são as causas desse monta e desmonta no texto a ser escrito. Quando, afinal, estou concentrada, o texto flui. Não faço notas ou esquemas prévios, não costumo ter anotações ou roteiros. Sento para escrever quando a inspiração vem (ou quando consigo capturá-la à força) e o texto surge, de uma vez, sempre na ordem correta: da introdução à conclusão. Atenção! Esse processo às vezes dura dias, semanas, meses. Mas nunca escrevi pulando etapas, adiantando tópicos, começando pelo fim. Só consigo redigir se eu, autora, for crescendo junto com o texto, aproximando-me dele em sucessivas visitas – geralmente tensas – para amaciá-lo e descortiná-lo, na sequência ordeira da edificação das ideias; do ponto 1 ao Fim.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Enfrento essas travas em todo e qualquer escrito: da produção de um livro acadêmico à redação de um cartão de aniversário a um amigo querido. Sou muito exigente comigo mesma e, por vezes, uma crítica feroz. Domar a ansiedade e o medo de não corresponder às expectativas (às minhas, inclusive) é exercício diário. Contudo, a procrastinação sempre foi o maior dos desafios. Este eu venço como mágica: aos 45 minutos do segundo tempo, as palavras, com raiva de terem sido abandonadas tantas vezes, derrotam os silêncios. Não entendo direito como isso se dá, mas sigo contando com a sorte – e tentando me reeducar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Enquanto escrevo, incontáveis vezes. Reviso cada linha, cada parágrafo, dezenas de vezes. Preciso sentir musicalidade no texto. Mesmo que ele esteja correto, que passe a mensagem que deve passar, se não estiver harmonioso, melodioso, não fico satisfeita. Não consigo começar um parágrafo se não tiver concluído o anterior a contento. E quando concluo, é um adeus. Com o texto finalizado, não faço mais revisões. Mesmo que ainda dê tempo. Para mim, o próprio processo de escrita envolve, necessariamente, a reescrita, a correção. Com o processo concluído, concluo também o que considero parte exclusiva dele: as revisões.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tenho uma boa relação com a tecnologia, mas – preciso confessar – quando os escritos são mais íntimos, poéticos, pessoais, só voam para o papel quando redigidos à mão. Meus escritos profissionais e acadêmicos, ao contrário, dependem do computador. Neste caso, não serve celular, tablet ou qualquer outro equipamento eletrônico. Tem que ser um computador. E, de preferência, o meu.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Procuro ler muito. E sobre assuntos diversos. Percebo que os(as) escritores(as) que mais admiro são aqueles(a) que conseguem, mesmo ao tratar assuntos específicos, rechear seus textos com exemplos e histórias que, à primeira vista, parecem não ter relação direta com o assunto. Acredito em todas as formas de conhecimento e procuro valorizar a diversidade na busca por informações de qualidade. Assim, também me esforço para assistir muitos filmes e documentários, ouvir músicas variadas, frequentar exposições artísticas e, principalmente, dialogar com muitas pessoas. Importante lembrar que os problemas de pesquisa, esses que nos mobilizam a refletir e escrever, não podem ser encontrados em livros. Estão no cotidiano, na realidade, do “lado de fora”. Treinar o olhar para enxergar para além da aparência das coisas e dos processos é tarefa imprescindível para se ter ideias relevantes. As inspirações estão por todo lugar e, às vezes, onde menos se espera.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Como dizia Gustave Flaubert, “talento é paciência sem fim”. Acho que, ao longo do tempo, tenho me tornado mais paciente, não apenas comigo, mas com o próprio processo de redação. No início da minha vida acadêmica, escrevia uma página e ficava angustiada com as tantas páginas que ainda faltava escrever. Agora aprendi a curtir mais o processo, a valorizar cada etapa. Também percebo que, com a formação de uma bagagem de leitura maior, a redação se torna menos desafiadora. O vocabulário aumenta, o estilo próprio de escrita se consolida, as referências se firmam e se tornam mais numerosas. Se eu pudesse voltar no tempo, diria a mim mesma o que digo aos meus alunos hoje: “não desça desse touro em hipótese alguma!”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho uma lista imensa de livros que existem e que estou ansiosa para ler. Falta-me tempo. Aos poucos, vou devorando um a um. Quanto aos meus projetos pessoais, pretendo aprofundar-me nos estudos sobre Política Social (minha área de atuação profissional) e sobre a alimentação no capitalismo (meu grande tema de interesse atual). Estou preparando a sela, esperando o touro passar.