Camila Passatuto é escritora e artista visual, autora de Tw: Para ler com a cabeça entre o poste e a calçada (2017).
Como você começa o seu dia?
Meu dia começa com remédios, café e resmungos sobre como a claridade me dá dor de cabeça. Às vezes xingo o Temer e os EUA, só para dar aquela relaxada.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não sei se ritual seria a palavra certa, geralmente minha escrita acontece quando submeto o meu corpo às precariedades. Já cheguei a ficar dias sem comer e sem tomar qualquer tipo de líquido, isso aconteceu no processo do meu primeiro livro “TW: Para ler com a cabeça entre o poste e a calçada”.
Quando o assunto é horário, escrevo quando estou prestes a dormir, ou quando acordo e a consciência não está totalmente “ligada”. No entanto, isso não se torna uma regra para minha escrita. Quando almejo escrever, simplesmente entro em transe, é louco isso, mas consigo burlar minhas percepções, na maioria dos casos, sem o uso de drogas ou coisas do tipo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não. Criar metas ou prazos faz com que tudo se torne frio e calculado, pelo menos no meu caso. Por aqui a escrita corre fácil, não sei responder se existem períodos nos quais ocorrem uma “produção” intensa. Vejamos o caso do meu segundo livro de prosa “Nequice: Lapso na função supressora”, que será lançado no segundo semestre pela Editora Penalux, em um período de três meses a estrutura do livro estava pronta, deixei o livro maturar, depois de um tempo – não lembro bem quanto – moldei a obra conforme a proposta que ela pedia.
Quanto menos grilos você colocar na sua literatura, mais fácil é a sua relação com a qualidade do que está no papel, acho. Tempo, meta, tipos de processos… nada disso determina a qualidade literária de um livro. Não existe uma fórmula perfeita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
É como um movimento peristáltico. Viver e se expor a situações que seus personagens ou sua poética precisa, não se diferencia do que, no meu caso, eu preciso e quero passar. Experiências, ideias e uma escrita rigorosa se misturam. Não existe um momento peculiar que me transmuto e pronto: virei escritora. É natural. É sujo e perigoso, mas é reconfortante quando não preciso ficar bitolada para parir um poema, todo material já está gravado em mim. É só escrever. Escrever o melhor poema que sou capaz, naquele momento.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sou muito preguiçosa. Não curto trabalho, não gosto de pressão e não suporto cobranças. Quando não estou num período, como dizem – e acho engraçadíssimo – “produtivo”, penso que é só preguiça e fico tranquila. Pego uma bebida e curto esse meu “foda-se” para a escrita que não estou afim de fazer. A ansiedade eu guardo para outros momentos. Se o ato de escrever gerasse uma via sacra chata na minha vida, eu não escreveria. A vida já me bate o bastante. Na escrita, quem soca sou eu.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Nos livros, eu sempre envio os originais sem nenhuma revisão. Eles chegam crus nas mãos dos editores. Depois de aprovados, passo para a minha revisora e só depois começo a dar canetadas nas canetadas de quem revisou. (risos)
Quando são textos e poemas que publico no Facebook ou em blogs, posto primeiro e reviso depois. Faz um tempo que perdi o medo e a inquietação de uma vírgula errada.
Não gosto de mostrar nada antes para ninguém. Eu até evito reler os textos, para que aconteça um “ajuste” aqui ou ali. Se a escrita se fez daquela forma, a minha opinião, ou a opinião de outro, não vai mudar em nada, só atrasar e atrapalhar as coisas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Como escrevo de madrugada e quando acordo, 85% da minha escrita é realizada no celular. Eu nem sei segurar uma caneta direito, é um problema de infância que nunca consegui superar. Só sei manipular lápis e caneta para ilustrar, nada mais.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias… eu realmente não sei. E penso que a criatividade não faz literatura, mas campanhas publicitárias boazinhas. (risos)
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
No processo… Bom, eu não lembro muito bem como era quando eu tinha 11 anos, 19 anos e 24 anos. Só sei que agora, aos 29, é assim. Nunca criei ritos, regras ou coisas do tipo. E não diria nada a minha pessoa do passado, até porque eu não daria ouvidos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Cinema. Eu quero dirigir essa trama que cresceu entre meu primeiro e segundo livro. Seria a união da minha escrita com minha direção artística e fotográfica. Talvez, nessa vida, eu não terei tempo suficiente para isso, no entanto, não tenho pressa nenhuma. Um dia acontecerá.
Sobre o livro que ainda não existe e que gostaria de ler… um sci-fi escrito por uma senhora de 80 anos aficionada por búfalos, astrologia, política e poligamia. Seria uma ótima distração, não negue.