Camila Paixão é escritora, tradutora e bacharel em Letras pela Universidade de São Paulo.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o meu dia sempre com uma generosa caneca de café com leite. Sendo tradutora e revisora freelancer, posso organizar o meu horário como preferir, mas trabalho melhor pela manhã. Ultimamente tenho sido acordada pelo barulho dos meus dois cachorros, rs! Eles me colocam para fora da cama, dou o café da manhã primeiro para eles e depois preparo o meu – não consigo produzir nada antes de tomar um gole de café e comer alguma coisa com calma. Então vou para o escritório e começo o dia de trabalho, lendo e-mails, abrindo a minha agenda e vendo quais prazos tenho para cumprir naquele dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Para o trabalho enquanto tradutora e revisora, com certeza eu produzo mais no período da manhã, entre 8h, 8h30 e meio-dia. Para a escrita, acho que a questão das horas é mais fluida; quando era adolescente eu escrevia muito de madrugada, mas atualmente acho que depende do volume de trabalho feito ao longo do dia, dos “insights” que surgem no meio de uma tradução, de um café ou das outras atribulações do dia a dia.
Não sei se tenho um ritual específico para a escrita. Gosto muito de escrever à mão, então meu instinto primeiro é pegar um caderno e uma caneta – melhor do que lápis, que pode acabar se apagando com o tempo –, mesmo que eu esteja em frente ao computador ou com o celular na mão. Quando eu estudava e trabalhava fora de casa, eu sempre carregava um caderno comigo e escrevia muito no metrô, a caminho da faculdade ou do serviço. Em casa, normalmente tenho sempre um copo de água ou uma caneca com chá quente como companhia nesse momento também.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Atualmente não. Tentei reestabelecer uma rotina ou meta diária de escrita em 2020, mas a loucura – em tantos sentidos – da pandemia, mais o volume insano de trabalho, não me permitiram seguir essa rotina e me organizar como eu gostaria de ter feito. Acho que acabo escrevendo mais em períodos concentrados, tenho fases (semanas ou meses) em que escrevo muito, em outras, nem tanto. Procuro escrever algo quase toda noite, seja uma palavra, um verso, uma ideia que surge; às vezes, nessa tentativa saem poemas completos. Mas são muitas as vezes em fico semanas ou um mês inteiro sem escrever uma palavra sequer.
Acho que a minha maior meta é não me desvincular nem me afastar da escrita, não deixar que a correria e os compromissos burocráticos do trabalho e os tantos outros do dia a dia me impeçam de escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Acredito que meu processo de escrita seja, num primeiro momento, quase como um fluxo de consciência, uma “associação livre”. Quando já tenho uma ideia, inspiração ou palavra em mente, abro um caderno e discorro sobre tudo o que venho pensando e que me impulsionou a pegar a caneta e escrever. Quando não tenho essa “inspiração” prévia, abro o caderno numa folha em branco e olho para os objetos ao meu redor ou para a janela, vejo a rua, o céu, busco algo sobre o que escrever, uma cor, um padrão nas nuvens, algo esquecido no chão, pessoas, notícias. Quando compilo notas, que no meu caso são mais “palavras-chave” para eu não me esquecer da ideia que veio à tona, a escrita flui ainda mais, me ajuda a focar naquilo que realmente quero dizer.
Quando recorro à pesquisa antes de escrever ou durante o processo, acredito que acaba sendo um trabalho que me remete muito ao fazer tradutório: a gente tem que pesquisar não só a palavra que buscamos traduzir, mas seu significado, sua origem e sua natureza dentro do contexto específico para poder tratá-la da forma mais adequada na frase a ser transposta para outra língua. A pesquisa para a escrita é também essa busca curiosa, incessante, caçando as melhores rimas, os sinônimos mais adequados, traduzindo as ideias abstratas e tentando dispor as palavras na folha quase como um quebra-cabeça.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acho que lido com essas travas estudando sobre escrita. Gosto muito de ler livros sobre escrita criativa, de conhecer a perspectiva e a postura dos autores quanto à escrita; também tento rascunhar uma palavra aqui e ali para não perder o hábito. A procrastinação é mais complicada de lidar. Muitas vezes o cansaço do dia no trabalho, das horas em frente ao computador e da vista cansada contribuem para que a procrastinação fale mais alto – por isso preciso me organizar para estabelecer e seguir uma rotina de escrita. O medo e ansiedade naturalmente fazem parte da minha vida, e sem dúvida alguma influenciam – positiva ou negativamente – a minha escrita.
Conversar com outras escritoras ajuda bastante; compartilhar as angústias dessas travas, as pequenas vitórias, uma ideia nova, um poema ou conto novos, compartilhar um texto e receber um feedback. Numa dessas trocas, com a querida colega e companheira de escrita Carol Sanches, algo que me ajudou bastante a lidar com a ansiedade para concluir o meu primeiro livro de poesia foi pensar que, sendo o meu “primeiro filho”, ele precisa nascer e ir para o mundo, por mais assustadora que essa ideia seja (porque sempre vamos querer alterar uma vírgula aqui, um ponto ali, excluir uma palavra, reescrever o livro inteiro). Essas trocas sobre escrita são sempre muito enriquecedoras, e sou muito grata por ter amigas e colegas escritoras com quem posso contar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Acho que pelo menos de 3 a 5 vezes, mas provavelmente esse número é maior. Eu gosto de mostrar as coisas que escrevo, mas levo um tempo até me sentir à vontade para fazer isso – releio e reviso um poema uma, duas, três vezes pelo menos antes de mostrá-lo para alguém. Quando fico (minimamente) satisfeita com o resultado, sinto que há também um certo sentimento de “cuidado” (ou até mesmo “posse”) com o texto, como se fosse uma obra inédita para a própria autora que ainda não sabe como dividi-la com o mundo.
Eu sempre mostro os meus textos para o meu marido. Ele é sempre a primeira pessoa a ler os meus poemas; ele também leu o primeiro rascunho do meu livro e acompanhou de perto todo o processo enquanto ele ia tomando forma, me falando de suas impressões, contribuindo com ideias e me ouvindo quando eu precisava de alguém para compartilhar as dificuldades ao escrevê-lo. Acho importante ter a recepção de outras pessoas, saber suas impressões, seja por mera curiosidade de como as pessoas vão interpretar o que você escreveu, ou com um olhar mais técnico sobre a escrita – às vezes nos afundamos nos nossos textos e não conseguimos enxergar sozinhos as arestas que precisam ser aparadas. A leitura de outras pessoas ajuda muito nessa parte.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
À mão, sempre à mão. O computador me parece limitar o movimento da mão ao escrever; por mais que eu não consiga entender a minha própria letra às vezes, por conta da rapidez com que os pensamentos surgem e a caneta não acompanhar o ritmo deles. Mas sempre preferi o papel ao computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Muito do que escrevo são experiências pessoais – desde coisas que aconteceram ao longo da minha vida até ansiedades e coisas da minha cabeça, sonhos, imaginação, coisas que não consigo dizer, mas que escrevo. A criatividade também se manifesta ao observar objetos, paisagens, situações e pessoas ao meu redor. Músicas também são estímulos para a minha escrita.
Acredito que a leitura seja um hábito que contribui muito para eu me manter criativa: ler outros autores, poetas, ver os jeitos com que eles trabalham com a palavra. Quando me pego numa dessas marés de “bloqueio criativo”, a leitura é sempre um caminho que me leva de volta à escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que passei a ser mais criteriosa com relação ao que escrevo e como quero escrever. Ao mesmo tempo, me permiti sair da zona de conforto, estudei mais, tive aulas com professores incríveis que contribuíram com novas perspectivas e formas de exercer a escrita – observando objetos, descrevendo sons, jogando com as palavras e produzindo algo totalmente novo. Passei a escrever e a me dedicar mais à poesia do que à prosa; hoje em dia não consigo me ver sem ser poeta.
Eu diria “respira, Camila”, rs. Diria que está tudo bem em começar com um pequeno rascunho, que as primeiras palavras não precisam ser perfeitas. Que, de um jeito ou de outro, eu acabaria encontrando o meu caminho e a minha voz como escritora, que conseguiria compor um livro, por mais demorado e angustiante que esse processo pudesse ser. Também diria para eu escrever mais, para não desistir por ouvir “nãos” e ficar com tanto medo da rejeição e opinião de outras pessoas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
No momento, quero muito publicar o meu primeiro livro de poesia (estou terminando a – espero – última revisão dele) e vencer o medo e a ansiedade de dar à luz a esse primeiro filho. Gostaria de escrever um livro de contos/prosa poética com o tema “perda”, a perda em suas diversas formas; é uma ideia que rodeia a minha cabeça há alguns anos. Tenho alguns projetos de tradução que também gostaria de concretizar, um em específico seria a tradução de um livro maravilhoso sobre escrita criativa que só existe em inglês – acho que esse pode ser um exemplo de um livro que eu gostaria de ler e ver na nossa língua, fazer com que mais pessoas tivessem acesso a ele.