Camila Marques é advogada.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Preciso começar o meu dia com um café. Com açúcar, alguns diriam, com bastante açúcar. Esse é o passo que invariavelmente sigo. Depois disso, algumas coisas podem variar. Principalmente se é dia de semana ou final de semana. Nos dias de semana minha rotina é mais modulada. Acordo, tomo café, sigo para o banho, me arrumo, como duas torradas com requeijão e sigo. Geralmente, em algum desses momentos, preciso de música. Algo que me prepare para o dia, que me inspire, que me traga o novo, que me ajude a processar algum assunto e que me leve. Depende. Mas independente de eu conseguir identificar as razões, percebo que é muito raro eu ouvir música durante o resto da manhã ou a tarde – vou pensar mais sobre isso.
Nos fins de semana tudo muda. Menos o café. Acordo cedo, animada querendo aproveitar a manhã. Muitas vezes, enquanto só eu estou acordada na casa – e isso é muito comum -, pego o computador ou o celular e fico. Fico lendo, escrevendo, criando notas. O processo de sair de casa é por vezes mais lento nos finais de semana e acaba ficando mais para o final da manhã, quase emendado para um almoço.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho mil vezes melhor pela manhã, é aonde está toda a minha energia e força. Às vezes, raramente, pode vir a noite de surpresa, como agora quando começo a responder as perguntas.
Não sei se tenho um ritual. Mas para escrever, a depender do assunto, preciso estar envolvida. Pode ser um assunto que pareça ter uma camada muito mais técnica do que emocional. Mas para fluir eu preciso ser acionada pessoalmente. Então, talvez um ritual é esse tempo prévio que eu preciso para que aquele assunto vá reverberando em mim e eu consiga perceber como aquilo me toca de alguma forma.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou desenvolvendo algum projeto específico, gosto de concentrar a escrita em grandes blocos. Eu não consigo fazer uma escrita muito descontinuada. Principalmente porque meu processo de pesquisa e de escrita andam muito juntos.
Nesses casos, tento ajustar a minha agenda para poder disponibilizar o período da manhã para me dedicar à pesquisa, escrita e revisão de textos. Meu dia a dia profissional, também exige de mim uma capacidade diária muito voltada às atividades de articulação, presença em reuniões, eventos, viagens. E me conhecendo, sabendo que sou ligada no 220v e quando começo dificilmente consigo parar, quando eu tenho um grande projeto de desenvolvimento de alguma pesquisa – seja escrevendo, revisando ou editando – eu costumo bloquear as manhãs e deixar as tardes e as noites para outras interações.
Como o tempo é preciosíssimo, costumo desenhar um cronograma que esteja alinhado com prazos externos. Na verdade, desenhar um cronograma, respeitando a fluidez e os contornos do tempo, me traz algo diferente de uma meta – mas que para mim funciona melhor – que é a visualização. O desenho, o papel, o colocar as coisas no papel me possibilita ver e manejar. Isso com quase tudo que faço. Na minha mesa tenho sempre três folhas sulfites: uma em que escrevo e separo todos os dias da semana e anoto os compromissos semanais, outra em que registro o plano de atividades da equipe e outra com a minha lista de prioridades.
Todas escritas à mão uma vez por semana. É ali, neste momento, que paro, respiro, penso. Troco, apago, e volto a olhar, a alterar e complementar todos os dias da semana. Quando tenho um projeto maior de pesquisa, faço a mesma coisa. Olho para a minha semana e construo algumas possibilidades.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O processo geralmente começa com a pesquisa, mas logo a escrita aparece. Quando a escrita respira, volto para a pesquisa. Costumo ficar apegada a ideia de não perder os lampejos. Na verdade, registrar o pensamento me move. Rabisco, volto pra pesquisa e depois lapido. É muito raro eu escrever algo sem qualquer nível de pesquisa antes. Mesmo naqueles assuntos que já escrevi e desenvolvi muitas ideias, eu costumo pesquisar. Reler trechos de autores que considero importantes e por aí vai.
Depende muito do formato e do assunto, mas mesmo quando eu destino um tempo razoável para pesquisa antes da escrita, o meu processo de pesquisa nunca se encerra até o texto estar concluído.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A procrastinação geralmente aparece para mim antes do inicio do trabalho. Com o tempo fui percebendo que organizar a minha agenda diária e semanal ajudaria muito a dissipar o medo de não conseguir começar.
Quando a folha em branco já está gravada na minha página inicial com os primeiros tópicos e ideias de estrutura, é mais difícil chegar os sentimentos mais longos de procrastinação e grandes travas.
Mas intervalos sem grandes inspirações acontecem. Cansaço também. Costumo levantar. Tomar água. Tomar banho. Ou então, reprogramar para o amanhã. O passar dos anos tem me ensinado a respirar. Sempre costumo lembrar que a vida não é uma linha reta. Lidar com isso tem me ajudado a estar mais aberta a modulações.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso uma série de vezes. Às vezes um texto não sai sem que eu mostre par outras pessoas. Outras vezes, isso nem passa pela minha cabeça.
É curioso. A revisão faz parte do meu pensar. No meu dia a dia, além de revisar o conteúdo que eu mesma elaboro, reviso e edito os conteúdos gerados por outras pessoas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Ando sempre com um caderninho na bolsa. Costumo anotar frases. Palavras que acho que podem dar um bom argumento, sentimento. Mas esse caderno é mais para fragmentos. Pontas soltas que um dia farão sentido. Algo que eu nunca ouvi. Algo para eu absorver. Ou algo para eu não esquecer mesmo.
Para os processos de escrita de algum projeto específico, costumo usar a tecnologia. As vezes início enviando um e-mail para mim mesma desenvolvendo uma ideia no assunto da mensagem. Isso é muito comum.
Meu e-mail tem uma série de rascunhos não terminados que um dia comecei ali e transportei para outro lugar. Ou então que ficou por lá mesmo. Aliás, estou respondendo a estas perguntas no rascunho do e-mail. Tenho 1.137 rascunhos. As vezes revisto. Às vezes não.
Costumo transitar muito entre a folha em branco e a página em branco. A folha geralmente é para uma estrutura. visualizar.
A página para desenvolver. Quase nunca avanço em um grande texto à mão.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
A maior parte dos assuntos que eu escrevo estão relacionados com a minha atuação diária com temas de direitos humanos. Algo que já existe há quase quinze anos. Mas as ideias transitam muito pelos espaços em que transito. Pelos afetos que me circundam também.
Pela curiosidade também. Nunca fui de ler só textos jurídicos. Bem no início da faculdade eu frequentava muito a Biblioteca da PUC, um dia eu estava lá e procurei no sistema de busca a palavra subjetividade. Veio um livro. Cartografias do desejo da Sueli Rolnik e Felix Guattari. Abriu-se um mundo. E esse mundo até hoje move as minhas ideias e o meu processo de criação.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Diria para eu escrever mais.
O dia a dia foi requerendo outras prioridades que não somente puxar uma linha e desenha lá. Olhando para trás, acho que fui aprendendo a me organizar melhor e a ter mais segurança. No começo, quando pensava duas vezes, me sentia insegura. Agora, passados mais de 10 anos, diria, Camila, vai tranquila.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu saí da faculdade com a certeza de que faria um mestrado na sequência. Cheguei a concretizar algumas ideias nesse sentido.
Quando veio a vida e mudou tudo. Iniciei um projeto e fui com ele totalmente. Hoje, com outras ideias e com outros contornos do tempo, quero seguir essa ideia.