Camila Ferreira da Silva é pedagoga e historiadora, doutora em Ciências da Educação pela Universidade Nova de Lisboa.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu costumo começar meu dia com um tipo de ritual quase que sagrado para mim, que envolve três coisas: primeiro eu checo as “tarefas” que tenho para o dia – costumo listar na agenda na noite anterior tudo o que acho que devo fazer no dia seguinte, isso me ajuda a lidar melhor com os prazos e acabou por virar meu sistema de planejamento –; depois dedico algum tempo para ler as notícias e algumas colunas que acompanho; só então eu me dedico às atividades de leitura e/ou escrita previstas para o dia. Esta rotina funciona bem para mim nos dias em que consigo passar a manhã toda em casa, mas sofre naturalmente ajustes de acordo com os compromissos na universidade. Costumo dar uma pausa por volta das 13 horas para almoçar, tomar um banho demorado e depois volto ao trabalho e sigo até às 18 horas, quando paro para correr, fazer yoga ou malhar. Nos dias em que não dou conta do que estava planejado na agenda, ou quando simplesmente não consigo me desconectar de uma ideia, uso a noite e a madrugada para continuar trabalhando.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A noite e a madrugada são meus horários preferidos para trabalhar. Provavelmente porque, desde muito pequena, eu ficava acordada até muito tarde enquanto minha mãe costurava, a verdade é que eu não queria deixá-la ali sozinha trabalhando depois do divórcio. Eu gosto do silêncio, das janelas fechadas e das luzes apagadas nos prédios vizinhos, gosto de saber que todos estão a dormir e que nada nem ninguém vai me tirar da frente do caderno ou do computador – gosto até das risadas dos bêbados nas sextas-feiras e nos sábados, elas costumam conferir alegria e bom humor ao meu processo de escrita. Mas, este romantismo com a madrugada não me impede de trabalhar nos demais horários. Nos dias livres, por exemplo, posso trabalhar de manhã até a madrugada, com intervalos para comer, fazer exercícios físicos e aproveitar a família e os amigos. Não tenho um ritual de preparação para a escrita, eu procuro simplificar isto, busco simplesmente escrever – acho que o que interfere no meu caso é, principalmente, o tipo de texto (acadêmico ou não acadêmico) ao qual estou me dedicando no momento.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo todos os dias: coisas novas, revisito textos inacabados, resgato ideias do meu caderno de notas, escrevo no próprio caderno de notas, etc. E só penso em metas diárias quando se trata de textos mais complexos, como a tese ou um livro.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Desde a época da escola eu lembro de gostar e ter facilidade para escrever, geralmente é um processo gostoso para mim. A escrita acadêmica é mais fácil de começar, porque, para mim, ela envolve um planejamento que me ajuda do início ao fim – confesso que crônicas, literatura e poesia envolvem começos, meios e fins difusos para mim ainda. Na minha experiência o movimento da pesquisa para a escrita é constante: com idas e vindas, à medida que a pesquisa se inicia a escrita não consegue esperar; as notas de campo transformam-se em pré-textos, ou seja, já se começa a desenhar um texto a partir do olhar, da observação, das questões, das dúvidas e das próprias notas, o texto já está nascendo na minha cabeça.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Precisei primeiro entender que estas travas são mais normais do que imaginamos para poder começar a lidar bem com elas. Olhar para o lado e perceber que os amigos do mestrado e do doutorado passavam todos pelos seus altos e baixos no processo de escrita me possibilitou um olhar mais tranquilo para o meu próprio processo. Hoje eu descobri que pequenas coisas podem me ajudar a ultrapassar os momentos de procrastinação: correr; tentar me desligar do texto com uma ida ao cinema, ao parque, à casa dos amigos; ler coisas que não têm relação com o tema (especialmente poesia); um banho demorado; etc.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Costumo revisar uma vez antes de enviar para meus interlocutores (orientadores, meu marido e/ou colegas e amigos, a depender do texto). Depois do olhar de algum destes interlocutores, reviso mais uma vez antes de publicar. Gosto ainda da interlocução que os periódicos possibilitam a partir da avaliação por pares, já que temos ainda mais olhos sobre nossos escritos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Os textos propriamente ditos eu escrevo no computador. Mas, minha agenda e meus cadernos de notas me auxiliam no planejamento da escrita, bem como no registro de ideias, pensamentos e dúvidas, que, por sua vez, dão início ou modificam os meus textos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Penso que minhas ideias vêm das minhas experiências cotidianas, sejam as ideias acadêmicas ou não. Naturalmente estas experiências vêm marcadas pelo contato permanente com a literatura especializada, no caso acadêmico, e também com a literatura de maneira geral, no caso de outros tipos de textos. A leitura diária é, sem dúvida, um hábito que me auxilia no processo de criação. Mas, acho que o principal hábito que uso para me manter criativa é olhar: abrir os olhos e os sentidos para o que nos cerca; as cores, as pessoas, os sons, as relações, enfim, tudo ganha sentidos diferentes quando nos dispomos a olhar, é aqui que a criatividade começa para mim.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Consigo perceber uma maior autonomia na minha escrita hoje, sinto que as palavras que escrevo são mais minhas do que nunca.
Bem, eu terminei a minha tese há alguns meses e, se pudesse voltar ao começo do doutorado, diria a mim mesma para confiar mais na minha capacidade de feitura do trabalho [eu estava muito assustada no primeiro ano] e para ser ainda mais ousada.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Muitos. Os meus cadernos de notas estão repletos de ideias para projetos curtos e longos que, em função do doutorado, tiveram que ser adiados, eu espero poder realizar muitos deles. Confesso que, neste exato momento, me alegraria muito retomar um livro de literatura “engavetado” há muito, seria um belo projeto depois do doutorado para mim.
Sobre o livro que gostaria de ler e ainda não existe, ficaria feliz em ler sobre as histórias das mulheres das camadas baixas do estado de Alagoas. E, por outro lado, a verdade é que eu sinto, como muitos de nós certamente também sentem, uma certa angústia por saber que jamais darei conta de ler os livros que já existem.