Caio Riter é escritor, doutor em Literatura Brasileira e pós-doutorando em Escrita Criativa na PUCRS.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou professor. Desenvolvo atividades docentes no Ensino Médio. Assim, em relação à escrita, não tenho uma rotina. Minhas manhãs, normalmente estão voltadas para a escola, para as aulas, para as correções e preparações de avaliações. Todavia, acredito que escrever é bem mais do que se sentar em frente a uma folha ou diante de uma tela em branco. A sala de aula sempre me forneceu (e fornece) material humano, existencial, para a construção de ficção. Isso também é escrever: estar atento aos dramas e às alegrias do outro, à sua linguagem, às suas preocupações. A adolescência e a infância são territórios repletos de dor e de felicidades, elementos necessários àquele que se propõe a escrever textos para os tempos de criançar ou de adolescer.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Apenas não me apetece escrever à noite. Raramente faço isso. Prefiro as manhãs de final de semana, às tardes. Talvez eu seja mais apolíneo na escrita, por isso a luz me é importante. E não preciso de isolamento, de silêncio. Escrevo com os sons ao redor, eles são muitas vezes motivadores para a escrita. Não vejo necessidade do exílio, sobretudo porque, para mim, escrever é estar no mundo, mergulhado nele, tocado por ele, contaminado por ele. Quanto a rituais, não os tenho. Apenas, quando o desejo de escrever surge, ele já apresenta-se com um personagem, com um conflito (isso no caso da narrativa, claro). Aí testo possibilidades. Normalmente, em um caderno que sempre carrego comigo, faço alguns apontamentos em torno do protagonista e de seu principal conflito, vou armando uma teia, que pretende enredá-lo, faço anotações sobre seu mundo, seus amigos, seus afetos e desafetos. Por vezes, surge uma cena ou um diálogo. Quando isso começa a ocorrer com certa frequência, percebo que é o momento para deixar que o texto flua, que ele se construa. Aí, é o momento de pensar a estrutura que o texto terá, seu foco narrativo, sua linguagem. Tenho certo descrédito na escrita espontâneo: gosto de sentir-me “dono” daquilo que escrevo e não mero instrumento para que uma história seja contada.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas diárias de escrita. Escrevo aos poucos, mas não todos os dias. Escrevo conforme o desejo e o ter o que dizer, escrevo quando o personagem fica me acompanhando todos os dias, sempre presente, sempre a me sugerir ações, conflitos, possibilidades. Aí, quando isso se dá, passo a escrever de forma mais concentrada. Passo a arquitetar a narrativa, em sua estrutura, em sua trama. Planejo o livro que quero escrever. Normalmente, em períodos de férias. Escrever se torna as minhas férias.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não costumo pesquisar muito. Interessa-me sempre mais o dentro do que o fora. Creio que literatura é isso: mergulho no dentro do outro, das dores do outro, buscando sintonia com elas. Talvez mais que pesquisa eu pretenda a experimentação dos sentimentos e das vivências daqueles que pretendo vivificar por meio das palavras. Todavia, quando, em algum projeto especial, como o ao qual eu me dedico agora e que será parte de meu pós-doutorado em escrita criativa, a pesquisa se faz necessária, costumo fazer anotações em meu caderno de elementos interessantes que foram pesquisados e que suscitaram em mim caminhos outros que não necessariamente o apresentado pela ciência ou pela biografia, pelos tais ditos fatos reais. O começo normalmente é tranquilo, visto que faz parte do processo. Quando as escolhas narrativas, quando o projeto pretendido estão claros, tudo é prazer: nada de folha em branco, nada de suor demasiado, nada de perda de tempo. O texto flui, pois há um esqueleto que o sustenta.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Este medo inexiste. Não me imponho tempos. Por vezes, as editoras o fazem. E, caso eu os aceite, este passa a ser o meu tempo, ou melhor, o tempo da escrita daquele texto que pretendo parir. E ele nasce, normalmente dentro do prazo que eu fixei.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Difícil mensurar o número de revisões. Elas ocorrem o tempo todo durante o processo de escrita. Todavia, após a história concluída, costumo imprimir aquilo a que chamo de primeira versão (embora ela já tenha sofrido em seu processo de criação muitas interferências) e me dedicar a uma revisão mais cuidadosa, tentando dar maior unidade a todo o texto, buscando resolver problemas que, por ventura, tenham passado despercebidos. Esta leitura também é para que eu me sinta leitor de meu texto: quero ver se ele me emociona, se me ganha como leitor assim como me mobilizou como escritor.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Uso os dois. Um texto pode tanto nascer na tela de um computador quanto em um caderno em que costumo registrar primeiras ideias, poemas, reflexões sobre o viver, sobre o escrever, registros biográficos, enfim. Não é um diário. É alguma coisa que não consigo definir. Talvez possam ser chamados de cadernos de impressões sobre mim e sobre tudo, não sei. Mantenho-os desde 2000. Normalmente, cada um deles, para ser escrito totalmente, ocupa-me por volta de dois anos. Atualmente, escrevo no caderno 12. É este caderno que me acompanha em viagens. Não gosto da companhia do notebook. Acho-o dependente demais de energia, de bateria, de. Mas reforço: sou amigo dos dois quando escrevo. As condições do momento é que farão escrever de forma manuscrita ou digitada.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Inspirar é sorver algo que está fora de nós e nos alimentar com este algo: a vida. Para mim, pois, escrever é isso: olhar para fora e permitir que este fora atice vontades no dentro.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Há escritor que rejeita seus primeiros textos, que quer apagá-los de sua bibliografia. Eu não faço isso, embora entenda quem os faça. Todavia, há textos que não publico mais, que não permito reedição por julgar que eles não dão conta do Caio que sou hoje. Mas eles seguem nas bibliotecas, nos sebos, para que, caso alguém deseje, possa lê-los.
Hoje talvez eu seja um escritor mais atento à linguagem, mais cuidadoso com a escrita como projeto. Não é mais o desejo de ser escritor ou de publicar que me move, mas sim o de escrever livros que, em minha opinião, precisem ser escritos. Daí, a busca por uma sintonia maior entre três elementos: texto, estrutura, linguagem.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Não possuo no momento projetos outros que não aqueles com os quais estou envolvido. Quanto a livro que gostaria de ler, creio que adoraria outra aventura de Alice, mas escrita pelo Lewis Carroll. Imagina se fosse descoberto algum original perdido? Alice envolvida com outras aventuras, com outros seres fantásticos, como o Chapeleiro Louco e a Rainha de Copas? Sou um colecionador de Alices. Tenho uma pequena coleção com diferentes edições e com publicações de diversos países. Assim, não fica difícil de sonhar que Alice pudesse ter alimentado outros sonhos literários na mente de Carroll.