Cadão Volpato é escritor e músico.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Aqui em Nova York é mais espartano. Acordo cedo, levo os garotos para a escola, volto, tomo café, arrumo o apartamento e me sento (agora, por enquanto, numa linda mesa de jantar). Então começo o trabalho.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Acho que trabalho melhor de manhã. Tenho uma quebrada de ritmo na hora de buscar os garotos. Pego o metrô. É muito bom: outro dia topei com um poema de Charles Simic, de quem eu gosto muito, dentro de um vagão. Não tenho ritual. Sento e trabalho.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Meus livros eu escrevo em tempos indeterminados. Aliás, parece que funciona melhor quando estou ocupado com outras coisas. O romance e a memória que escrevi recentemente precisaram de uma certa disciplina. Se eu gostasse de nadar, seria como um mergulho mais profundo, com braçadas pré-determinadas. Só não se prevê o resultado.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrever, para mim, é sentar e fazer. Não tenho brancos, mas cometo muitos erros, começo e recomeço. Anoto muito, mas só nos últimos tempos comecei a usar material direto dos cadernos de anotação que vou preenchendo por aí. Força do hábito. Pesquisa só se for essencial. Mas, pra falar a verdade, ando pesquisando bastante aqui em Nova York. Planejei uma ida até a New York Public Library na semana que vem. Preciso saber como foi a vida de Pelé na cidade, no tempo do Cosmos.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho esse problema. Se uma coisa não anda é porque não está boa, melhor mudar. E vivo mudando. Também sou antissistema por natureza. Detesto que me digam o que fazer na hora de escrever um livro. Então sento e escrevo. Sou um anarquista de coração, do tipo que é fiel a si mesmo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso tantas vezes que cansa – e ainda assim os erros aparecem no livro impresso. Não gosto de incomodar os amigos, portanto não mostro para muita gente. Quem leu primeiro o “À Sombra dos Viadutos em Flor” foi meu filho Dante (citei peste porque é o meu melhor livro). Acho que dificilmente uma obra em progresso interessa a alguém. Colegas de profissão tendem a corrigir com o espelho, cada um tem o próprio universo para lidar. Acho chato. Mas alguns, não muitos, são generosos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo no computador. Mas anoto tudo à mão. Gosto de escrever à mão, assim como gosto de desenhar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Elas costumam aparecer do nada, de um fiapo de conversa a uma imagem, mas parece que estavam ali o tempo todo. Não dá para ser feliz sem curiosidade. O que nos cerca é muito curioso.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que escrevo com mais facilidade, e sonho menos. Tudo demorava, nesse sentido. Eu comecei muito tarde, aos 39 anos. Hoje, como sempre, digo: enfeite menos. Tento enfeitar cada vez menos. Acho que o melhor sempre fica fora da literatura. Como trazer para dentro?
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de ler um livro sobre Pelé que fosse escrito por alguém cuja primeira palavra na vida foi “Pelé”. Vou tentar escrever esse livro, já que escrevo para mim mesmo, para o leitor que fui aos 15 anos.