Bruno Gaudêncio é escritor, historiador e professor paraibano, doutorando em História pela Universidade de São Paulo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tenho rotina alguma para escrever. Basta ligar o computador e a coisa flui. Isso não quer dizer que a coisa é fácil. Tenho as minhas limitações, angústias e atropelos cotidianos. Mas tenho muitos projetos ao mesmo tempo, que vão desde compromissos acadêmicos, como tese de doutorado, ementas de cursos, revisões de artigos ou TCC de (ex)orientandos até compromissos literários, como adiantar livros que estou escrevendo ou organizando, além de resenhas, críticas ou avaliações. Minha rotina é acordar às 7 ou 8 horas da manhã, ou antes, pois tenho uma filhinha que adora acordar cedo e uma esposa que costuma escrever sua dissertação ou sair para trabalhar bem cedo também. Daí eu vou fazendo meu dia de acordo com as possibilidades e necessidades: sair pra resolver alguma coisa, pagar as contas, cuidar da filha, fazer as leituras da semana, que vão desde revistas literárias que assino até livros acadêmicos que preciso dar conta por conta do doutorado. Para dizer a verdade prefiro muito mais ler a escrever. Se eu pudesse passaria boa parte do meu dia lendo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Antigamente era à noite ou madrugada, quando todos da casa estavam dormindo. Mas depois que comecei a trabalhar como professor, geralmente pela manhã bem cedo. Desta forma a rotina foi mudando com as responsabilidades. Como disse, vou adaptando as minhas necessidades e compromissos do dia-a-dia. Qualquer hora vaga, manhã, tarde ou noite, vira o momento certo. Para mim não existe ritual. Existe prática. Sem nenhuma áurea de excepcionalidade como alguns escritores costumam criar ou reforçar. Compreendo que escrever acima de tudo é um ofício, penoso, cheio de dificuldades, porém acima de tudo que envolve prazer. Se eu não sentisse prazer, me dedicaria a outro ofício. Mas tudo que gosto passa pela palavra: ser professor, ser editor, ser escritor…
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu tenho metas mais ou menos estabelecidas em projetos de livros ou textos mais curtos. Um artigo científico, uma resenha de livro, um capítulo de tese, uma coletânea de contos que estou organizando… Tudo isso ao mesmo tempo. Eu não consigo fazer uma coisa só. Assim como leio vários livros ao mesmo tempo, não consigo escrever apenas um texto, narrativa ou livro. Sinto-me entediado. Prefiro o desafio de tentar dar conta de tudo. Mesmo que em determinado momento precise me concentrar para um projeto apenas. Mas isso vai depender do prazo. Na verdade, odeio prazos. Principalmente para projetos que envolvem literatura. Na academia, sim, se não tiver um prazo vou levando com a barriga.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Depende do gênero literário ou textual. Poesia, por exemplo, vou compondo os poemas e deixando em uma pasta ou documento no computador. Quando vou percebendo que existe uma lógica ou unidade de sentido, o livro vai ganhando forma ou vou remontando. Refazendo os poemas, deletando eles do arquivo original. Criando outro. Nos projetos de livros de ficção e não ficção, como contos, biografias ou ensaios, por exemplo, ou mesmo os livros acadêmicos… Vou montando tudo de maneira anárquica e ao mesmo tempo organizada. Vou compondo pastas de acordo com as fontes que vou utilizar no trabalho: textos, fotos, entrevistas, periódicos… Tudo que possa me ajudar nessa loucura da pesquisa. Do mesmo jeito na estante crio um espaço dedicado ao tema, com livros ou revistas que preciso ler ou fichar. Depois que tá tudo organizado ou desorganizado começo a escrever, vendo e revendo tudo e montando o texto… Reinventando esse arquivo que eu mesmo montei no computador, na estante e principalmente na cabeça.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Sou ansioso. Ao mesmo tempo tranquilo. Sou também desorganizado. Ao mesmo tempo um classificador de tudo. Tudo precisa ter um lugar, mesmo que seja desorganizado. Na verdade, me sinto meio anárquico nestas coisas. Sou um pouco impaciente, mas ao mesmo tempo leve. Tudo depende do momento. Vivo meio depressivo em alguns dias, e outro demasiadamente alegre, principalmente no que se refere à vida social. Devido a isso às vezes bate uma angústia com algum projeto que irá me tomar muito tempo. Mas gosto muito de desafios. Adoro o processo do ofício da montagem do escrever. É como um marceneiro. O saber-fazer me interessa mais. Não exatamente o produtor final. Tanto é que quando lanço o livro, trabalhar a divulgação, lançar o livro, acho um tédio. Uma chatice. Eu adoro o processo de feitura. Eu gosto é de fazer a coisa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sou péssimo revisor. Erro muito na escrita. Erros de digitação. Repito palavras no mesmo parágrafo. Há erros de concordâncias que vou observando aos poucos. Por isso sempre procuro dar tempo e distanciamento ao texto para melhorar depois. Rescrevendo trechos. Copiando, colando, apegando, remontando. Depois sou salvo pelo revisor. Quanto a mandar para outras pessoas… Não tenho muito essa prática. Vai depender mesmo do projeto. Ficção e poesia, por exemplo, faço isso quase sempre. Temos um ou dois amigos que ajudam em algum momento. Mas, já na fase final. Já textos acadêmicos, ensaios, biografias, textos menos literários não sei por que, mas não gosto muito dessa rede de diálogos. A exceção é minha esposa, que sempre revisa e acompanha a produção.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Depende. Escrevo muito em cadernetas ou cadernos, como também escrevo diretamente do computador. Tudo depende do momento.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
“Livros nascem de livros”, já afirmou Baudelaire. Pois bem, a minha grande inspiração é a própria literatura e a história. Há também as minhas experiências enquanto professor. O contato humano nos ônibus na cidade eu procuro observar bem as pessoas. Isso tudo vai criando um arquivo criativo. Desta forma, estou sempre ligado às minúcias da leitura e da vida real. Tudo pode ser um ponto de apoio para criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Não sei bem, às vezes eu acho que muda sempre, mas acredito que o que muda sou eu mesmo. Não o processo de escrita. Neste momento estou escrevendo a minha tese. Na academia, diferentemente da literatura, os dilemas são outros. São compromissos com instituição, orientadora, o programa de pós-graduação.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho umas cinquenta ideias de livros para os próximos dez anos. (risos) Tenho umas biografias que gostaria de escrever sobre escritores que são praticamente esquecidos. Autores que não foram absolvidos pelo cânone brasileiro. Tenho argumentos para romances, coletâneas de contos, poemas, crônicas. Principalmente projetos ligados à biografia e à música: ensaios, discobiografias, pesquisas acadêmicas. Espero fazer pelo menos 10% de tudo que planejo.