Bruno Félix é escritor, poeta e guitarrista.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo junto com o sol, ou minutos antes dele. Mesmo que eu durma bêbado, madrugada adentro, acordo junto com o sol. Vez ou outra anoto meus sonhos conforme alguns critérios preestabelecidos. Depois tomo água, respiro, agradeço e me dedico a meditações que duram cerca de quarenta minutos. Adotei esse ritual há quase dois anos, faz parte de um trabalho de egrégora em estudos místico/filosóficos. Em seguida, cumpro minhas obrigações normalmente: banho, padaria, preparo o café-da-manhã, tomo duas xícaras grandes de café com minha esposa e minha filha, depois vou para o trabalho.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Assim como meus horários de escrita são incertos, os resultados que observo não sofrem influência (aparentemente) pelo horário, mas sim pelo momento íntimo meu. Quanto a rituais, não há rotina estabelecida. Estes também variam com esse “momento” pessoal: Quando eu estava escrevendo A Menina e o Equilibrista, por exemplo, houve uma noite em que as ideias fervilhavam e a escrita fluía com facilidade, tive vontade de tomar café (nunca faço isso à noite). Geralmente eu corro para escrever quando sinto um insight, então não me atenho a “rituais”. Às vezes gosto de tomar uma dose de cachaça, ou de whisky. Tenho mania de reler os poemas em voz baixa, bebo mais para fazer isso do que para escrever algo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu costumo escrever em média quatro dias da semana, mas não há regras. Normalmente, durante a semana isso acontece de forma dispersa, rápida, quase sempre quando volto do trabalho. Muitos poemas escrevi pela manhã também, no meu local de trabalho, ou antes de sair para o almoço, em pequenos momentos de folga. Aos sábados e domingos, costumo escrever de forma mais concentrada, em períodos de maior duração. Mas, como eu disse, não há regras, consequentemente não estabeleço metas de escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando se trata de poesia, a pesquisa acontece o dia todo, ouso dizer que a escrita também. Pois várias vezes, seja no trânsito, numa sala de espera, no supermercado, algum sentimento que rondava me sugeria um poema. Às vezes tomo nota, às vezes já até vou construindo alguns versos. Quando isso acontece, assim que chego no escritório já começo mais um daqueles momentos que citei acima, a “forma dispersa, rápida” que minha rotina permite. Em contrapartida, quando estou escrevendo algo em prosa, não tenho o hábito de me forçar a temas desconhecidos. Isso se deve ao fato de que escrevo pelo prazer de escrever. É claro que existe uma finalidade estética, artística, mas só escrevo o que quero escrever, o que me faz bem, o que acho interessante e que gostaria de ler. Dessa maneira quando as pesquisas se fazem necessárias, geralmente dou uma pausa no texto que estou produzindo, faço um breve rascunho das ideias que não posso perder, do que ainda existe no plano mental e ainda não foi escrito, e me dedico a pesquisar sem o compromisso de escrever na hora. Tomo notas, filtro o que preciso e procuro retomar o texto logo em seguida, para não perder o estilo e a coesão daquilo que estava fazendo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Se não estou com vontade de escrever, simplesmente não escrevo, deixo tudo acontecer de maneira natural. Como a escrita é uma atividade que me dá muito prazer, nem sempre acontece essa trava da procrastinação. O meu problema costuma ser o contrário: muita vontade de escrever e pouco tempo. Acontece também de algum tempo vago que surge ser disputado entre a escrita, a leitura e a música. Quando isso acontece, relaxo um pouco e procuro dedicar-me ao que está falando mais alto dentro de mim. Sobre a ansiedade, já fui muito ansioso, mas nesse ponto a meditação me ajudou muito.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tenho o hábito de revisar a cada parágrafo: escrevo, releio, ajusto ou reescrevo, leio de novo, sigo o trabalho. Não costumo mostrar para ninguém o que estou escrevendo, exceto os poemas, que são mais instantâneos. Estes, costumo ajustar menos para considerá-los “prontos”.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Uso o celular apenas para anotações, quando de repente surge uma ideia e estou na rua etc. Escrevo a maior parte dos textos no computador, acho muito prático. Além do mais, minha letra é bastante feia e escrever à mão é uma tarefa cansativa e demorada para mim. Mas não sou muito ligado à tecnologia. Meu celular é antigo e básico, não gosto muito de aplicativos de mensagens, coisas assim. Tenho algumas máquinas de escrever que são uma paixão à parte e rendem bons momentos de escrita. Muitos de meus poemas foram concebidos diretamente nas máquinas de escrever. Além da nostalgia do som dos tipos sendo batidos, a falta que não faz a tecla delete ajuda muito a organizar as ideias e sentimentos antes de cada palavra. Já usei máquina de escrever para rascunhar um capítulo do romance que estou escrevendo no momento, mas sem esse romantismo com que datilografo um poema. Na ocasião, meu computador estava na assistência técnica e as ideias não podiam esperar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Aprendi há uns dois anos a usar o bloco de notas do celular para registrar momentos, ideias que surgem do nada etc. Alguns meses depois, vi uma uma entrevista de Ferreira Gullar onde ele dizia ter sempre à mão um bloquinho de notas e caneta nas ruas, no dia a dia. Desde então reforcei as anotações e sinto que isso faz bem à minha criatividade. As pessoas me interessam muito. Gosto de conversar, perguntar, puxar assunto, mas o que mais me interessa é ouvir os pensamentos das pessoas, observar os comportamentos humanos diante de cada situação. Não sei se é isso exatamente que me desperta a criatividade, acho que nunca pensei sobre quais hábitos despertariam em mim tais atributos. Leio bastante, lamento não ter tempo o suficiente para ler tudo o que quero. Prefiro olhar para o céu, para a cidade, para bichos, pessoas ou plantas do que assistir televisão, por exemplo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Quando eu comecei a escrever, tomei emprestado um ideal do mundo da guitarra: todo guitarrista busca um timbre diferenciado, procura fraseados e técnicas únicas que com o passar dos anos se tornam sua assinatura. O que aprendi com o tempo foi desencanar disso, pois, de qualquer maneira, somos únicos, todos temos bagagens diferentes. A neura por produzir de maneira diferente pode se tornar um bloqueio. Sinto que escrevo bem melhor que antes, volta e meia releio algo que escrevi e sinto que há um timbre novo aparecendo. Se eu pudesse voltar e dizer-me algo, diria: faça tudo de novo. Divirta-se, alimente bem sua família, seu cachorro, mas não alimente expectativas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho orgulho de dizer que todos os projetos que eu gostaria de fazer nessa vida eu fiz. Alguns ainda em andamento, mas todos eu comecei. O livro que eu gostaria de ler ainda não existe, mas já começou a ser escrito, é um longo projeto.