Bruno Candéas é poeta e compositor pernambucano.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo, seis horas no máximo, não gosto muito mas acabei assumindo o hábito (desde o nascimento do pequeno Lorenzo, meu filho mais velho, as madrugadas emagreceram como uma entressafra rural), tomo banho bem gelado para espantar a preguiça (que não é pouca) e saio sem tomar café, o objetivo é fugir do trânsito de Recife (poucos minutos fazem muita diferença na Agamenon Magalhães), no trabalho (atuo com desenvolvimento de sistemas) alimento-me com simplicidade, passo os olhos nas notícias (digitalmente) e após isso, me dedico às tarefas profissionais, mas sem desligar as antenas nem fechar os olhos para a fruição do mundo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho horário para escrever, não costumo “caçar” a inspiração, atuo a favor do vento e das correntezas da vida, tento estar sintonizado com os insights e sugestões do cotidiano, os encontros e desencontros com a realidade dos homens, suas neuras e recalques são suficientes para mim. Quando estou trabalhando algum poema, gosto de escutar rock pesado (inclusive, me arrisco na bateria), não gosto muito da apatia do silêncio, apesar de procurá-la às vezes, sou um estado crítico de vivência, por isso mesmo, enfatizo: o melhor horário do dia para escrever, sem dúvida, é quando o verso se insinua.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Durante a rotina semanal é muito difícil haver uma produção mais extensa, contudo, por vezes ocorre, mas sempre de maneira natural. Com relação a metas de escrita, nunca me impus uma, não vejo a criatividade e suas nuances dialogando com gatilhos manuais, além do mais, diante de minha percepção rigorosamente descomprometida, a poesia deve respirar longe de qualquer tipo de amarra ou imposição. Quanto ao ritmo dos outros gêneros literários, sou suspeito para falar, não tenho talento.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Não uso esse artifício de coletar notas, apesar de ocasionalmente desenvolver textos em cima de “deixas” ou motes. Capto a matéria amorfa do tempo, dos cheiros e das desordens dos ambientes que vagueio, gosto de conversar, inclusive sobre assuntos polêmicos, viajo de ônibus sempre que posso e faço anotações, leio muita poesia, principalmente de autores contemporâneos, deixo os pequenos estímulos despertarem meu engulho, deixo que aflorem meu bicho da pena que impulsiona a latente e espevitada ideia.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho travas, não tenho prazos, não acredito em bloqueios, atribuo esta manifestação ao romanesco, à figura mítica do escritor, mantenho vários projetos literários e musicais em andamento, sempre busco aquele apto ao meu estado de espírito, aquele que verbaliza com meu diálogo de circunstância, navego nesse paralelismo, deixo a frutescência das densidades me violar, mesmo sendo naquela sorrateira meia-horinha que o dia despreza. Agora, se mesmo assim não sair nada, escreva sobre o nada.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso muito meus textos, estico, amasso, rasgo, imprimo, reimprimo. Para mim, essa consciência que admite a incompletude do texto, é aliada do crivo da qualidade, dificilmente um poema ou texto é concebido de imediato, dificilmente após uma única revisão estará pronto! Acontece no caso dos repentistas e seu universo improvisador (adoro repente e literatura de cordel) mas como o próprio conceito explica, trata-se de uma improvisação. Um texto revisado, exalando teor, nos revela uma pena apurada, uma semente diante da anomalia midiática.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Como eu expus anteriormente, eu trabalho com desenvolvimento de sistemas, o que me habitua e condiciona ao uso de tecnologia como apoio à criação, com exceção ao primeiro contato com o poema, todas as outras interações são digitais, diretamente no computador ou mesmo no celular. Os benefícios da era tecnológica são notórios e valiosos, tanto na perspectiva organizacional como no aspecto de segurança e integridade dos originais. Tempos atrás, perdi um original em fase de finalização, sofri (e sofro até hoje) com essa perda, puxei alguma coisa da memória, mas a grande maioria se perdeu, hoje, provavelmente eu teria uma cópia no Google Drive ou no mínimo, um pendrive.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Eu sempre penso, ou gosto de acreditar, que o fato/vocação de ser poeta é um fator que recondiciona os dias, vejo como um privilégio/penitência que potencializa o curso das alegrias e das dores, essa condição dialoga com as individualidades, defeitos, manias e putarias, particularidades que determinam o semblante, aura, o que aparentamos ou o que concluem sobre nós, seja na lauda ou na travessia.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Minha maneira de escrever mudou comigo, com a maturidade, ou falta dela, com as responsabilidades, ou falta delas, com as vicissitudes, ou muitas delas, o processo muda toda hora! Quanto à reescrita de minha tese, interessante a pergunta, talvez pudéssemos começar com uma rodada de cerveja.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gostaria de ler livros mais naturais e menos comerciais, gostaria de ver antologias com os melhores escritores e não com os melhores amigos, gostaria de conhecer menos artistas e mais pessoas.