Bruno Bontempi Junior é professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Neste ano, minha rotina matinal não tem se orientado prioritariamente para o trabalho, tampouco para a escrita. Acordamos cedo, tomamos café da manhã e preparamos nossa filha para ir à escola. Quando não sou eu a levá-la e quando não sigo direto à universidade, arrumo a casa e depois disso me sento para trabalhar, cuidando primeiro do que é mais urgente. Nos dias em que trabalho em casa, paro ao final da manhã para cozinhar. Raramente, portanto, tenho o privilégio de escrever pela manhã, como gostaria.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor à luz do dia, mesmo com as eventuais interrupções. Muitas vezes preciso trabalhar à noite, que tem a vantagem do sossego, apesar do cansaço mental. Não tenho um ritual de preparação para a escrita; pelo contrário, muitas vezes os intervalos da vida cotidiana só me permitem escrever de modo intermitente. No máximo da luxúria, consigo fechar a porta e trazer uma xícara de café para o escritório.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Gosto de ter períodos concentrados, mas tenho de escrever um pouco todos os dias, especialmente quando estou aplicado em concluir logo um artigo ou um relatório. Não gosto de projetar metas diárias; isso ficou para trás, felizmente, no tempo da tese.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nunca tive dificuldade em escrever, nem sofro com “síndrome da folha em branco”. Gosto muito dessa tarefa, e a faço com prazer. Dependendo das condições em que compilo as notas, se em arquivos ou bibliotecas, por exemplo, preciso reunir umas tantas antes de escrever. Mas, se as reúno em casa ou em minha sala de trabalho, costumo passar muito direta e imediatamente dos fichamentos para a escrita criativa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
O ato de escrever é muito natural para mim. Ao contrário de procrastinar, fico ansioso para começar e terminar os textos. Quando me falta alguma palavra ou se avalio que preciso mudar a estrutura da argumentação, para arejar a cabeça dou uma volta pela casa, bebo um copo d’água, antecipo o banho etc. O medo de não corresponder às expectativas sempre existe, pois sou muito exigente quanto à qualidade do que escrevo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Infinitas vezes! Não só busco a correção ortográfica e gramatical, como sou atento à sonoridade dos parágrafos e à precisão conceitual. Também evito os períodos muito longos e as repetições. Este é um trabalho que vale a pena, pois os textos voltam dos revisores com poucas marcas, e assim não preciso remexer muito. Não peço para que outras pessoas os leiam antes da publicação; raramente, peço à minha esposa; outras vezes, a depender do assunto, ela me pede para que a deixe ler antes do envio. Como fico realmente ansioso para enviar os textos logo que os termino, nem sempre consigo esperar até que ela tenha tempo de fazê-lo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo tudo no computador, inclusive as notas e a cópia literal de trechos. Minha letra cursiva é defeituosa, e me canso muito se duplicar o trabalho.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minhas ideias vêm diretamente das leituras que já fiz e das que estou fazendo, do que ouço nos congressos e palestras, das aulas que ministro, das orientações, das conversas com colegas de trabalho etc. Também vêm, mais indefinidamente, das notícias de cada dia, das experiências da vida social, das memórias, da arte… e da mesa de jantar, já que minha esposa também é professora e pesquisadora e costumamos ter ideias juntos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Fiquei mais objetivo, mais enxuto. Entendo que minha escrita amadureceu, à medida que eu me libertava dos jargões e de alguns exageros na interpolação de frases, favorecidos pela elasticidade da sintaxe luso-brasileira. Me inspirei nos anglo-saxões, em busca da precisão dos verbos e das frases curtas e diretas, e cultivei meu horror ao lugar-comum jornalístico e às metáforas flácidas da mais pretensiosa literatura acadêmica. Recentemente, voltei à tese para preparar sua publicação em livro. Afora ter cortado cerca de um terço do texto original, mexi em muito pouca coisa na forma. Afinal, se foi daquele modo que escrevi, deve ser porque daquele modo, sinceramente, eu pensava. Mudar o estilo seria, de certa forma, distorcer as ideias e conspurcar a tese original. Então, se pudesse voltar à tese eu diria a mim mesmo: “Deixe estar e vá em frente!”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho vários projetos guardados, pois se as ideias e as fontes promissoras vão surgindo aleatoriamente, de fato estamos sempre aplicados em algo que exija o cumprimento de prazos e tarefas definidas. Um desses projetos é lidar com documentos que um intelectual já falecido guardou, a fim de organizar um dossiê em autodefesa de acusações que sofrera na gestão pública. Me interesso bastante pela “escrita de si” e gostaria de explorar essa perspectiva de análise, justamente porque ele nunca pode redigir sua defesa com base nos documentos que guardou. Quanto à segunda pergunta, há tantos livros existentes que gostaria de ler, que nem mesmo quero pensar nos que poderiam vir. A velocidade de indústria cultural já me dá um trago cotidiano de agonia…