Bruno Bolognesi é cientista político, professor na Universidade Federal do Paraná.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não tomo café da manhã e costumo acordar tarde, então minha manhã não possui muito tempo de sobra. Quando tenho compromissos, geralmente aulas na graduação, a manhã é completamente dispensada para esta atividade.
Mas normalmente, nas horas que estou trabalhando pela manhã, costumo começar com o serviço burocrático: responder e-mails urgentes, menos urgentes, checar mensagens e enviar material que prometi para alunos, colegas e funcionários da universidade. Depois de fazer isso leio notícias e passo o olho nos sites que acompanho (BBC, Valor, Uol). Além disso acompanho as notícias sobre partidos políticos, tanto academicamente, através da assinatura de sumários de periódicos e redes sociais acadêmicas (academia.edu, researchgate) ou através dos posts dos partidos nas redes sociais.
Minha rotina é mais vespertina, quando já pego mais firme e tento me livrar de prazos mais fáceis de serem quitados como dar pareceres, escrever relatórios, ofícios, ver questões de eventos que organizamos. Depois disso é que chega na parte propriamente da leitura e escrita.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Trabalho melhor do meio da tarde até a madrugada. Após o almoço sempre há um período de letargia e baixa concentração, onde eu me distraio com interesses, digamos, de ordem alheia. Passado esse período é o momento de leitura de textos. Talvez a tarefa que exija mais concentração na atividade científica. E o movimento é sempre mais ou menos o mesmo. Se há um tema em que se precise adentrar, o roteiro de (re)leitura começa pelos clássicos de um tema até chegar nas questões mais específicas e, usualmente, mais atuais. E esse processo é fundamental, falo dele mais detidamente nas perguntas quatro e cinco.
Eu tento me preparar o máximo que posso. Nunca fui bom escritor, sempre fui confuso, prolixo. Tive uma educação em alguns colégios de Curitiba onde o estímulo sempre foi literário, para escrever muito, adjetivar muito, descrever tudo. Acredito que só me libertei disso no final do mestrado quando meu orientador apresentou técnicas muito boas para ser objetivo como montar um ‘esqueleto’ do texto e tentar ‘enumerar’ ou ‘sequenciar’ os pontos a serem debatidos e elucidados. Ter a estrutura do texto é, pelo menos para mim, muito importante. Saber exatamente qual a hipótese, a pergunta, o objetivo é essencial. Normalmente eu escrevo um resumo, mesmo que esse vá ser alterado depois, para que eu não fuja do que me propus. Durante a montagem do ‘esqueleto’ vou e volto no resumo várias vezes para ver se não coloquei coisas demais ou coisas de menos. Há colegas que não gostam deste estilo mais americanizado de escrever, sempre com pontos divididos e com ordem de apresentação do que será debatido. Mas foi o método pelo qual eu consegui disciplinar minha redação e deixar o pensamento lógico e claro.
Ainda, como trabalhamos sempre com dados, os meus produtos – artigos, papers, capítulos – têm todos uma pasta no computador para cada um. Ainda que isso duplique informações, eu prefiro deixar cada artigo com seu próprio banco de dados, com as versões de rascunho, com as versões comentadas pelos colegas, com anotações feitas ao acaso, com os gráficos, tabelas, tudo junto num único lugar. Isso facilita a vida em dois sentidos. O primeiro é que sempre é possível rodar novamente um teste, um dado, sem ter que recorrer ao banco de dados inteiro e ficar procurando o nome da variável que você não lembra mais depois de sete ou oito meses que seu manuscrito ficou sendo avaliado num periódico. O segundo é que quando os pareceristas, editores pedem alguma alteração você tem tudo ali organizado e não fica catando em centenas de pastas que nunca serão devidamente categorizadas.
Além disso, faço um registro de toda pesquisa que começamos. Uma ficha com dados gerais que contém as fontes dos dados, quando foi feita a coleta, quem trabalhou na pesquisa, como determinado indicador foi pensado – que dado entrou e como foi feita a conta ou arranjo, quantas pessoas foram entrevistadas (ou quantos objetos foram mensurados, coletados), observações pertinentes sobre o campo, quem financiou, qual o número do processo no CNPq, no banco de dados da universidade, etc. Parece coisa complicada e obsessiva, mas depois de feito isso, a facilidade na manipulação é muito maior do que o trabalho despendido organizando o material. Isso é importante porque todo produto que você entrega sobre uma pesquisa tem uma seção descritiva sobre o campo, sobre a coleta, sobre a fonte. E com isso não dá para ser desleixado, seja por respeito ao leitor, seja por respeito aos alunos e colegas que trabalharam na pesquisa e merecem, no mínimo, serem citados como parte de um esforço coletivo, que é como hoje funciona a ciência.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não há uma meta diária. Até porque com o serviço burocrático que a universidade, a pesquisa, os cargos burocráticos e as agências de fomento demandam é praticamente impossível escrever todos os dias. Eu gostaria de ser disciplinado e saber que todos os dias escreveria xis número de páginas. Mas sempre tem alguma coisa no meio do caminho. Admiro muito os colegas que conseguem escrever, nem que seja um parágrafo todo dia. Mas eu tendo a concentrar em determinados períodos, seja a leitura – que anda rareada com os afazeres administrativos, seja a escrita.
Normalmente o que eu faço é colocar na agenda um período em que sei que estarei mais livre para tentar ‘fechar’ um artigo ou pelo menos avançar num texto a ponto de faltar pouco. Por exemplo, o período de férias das aulas é sempre um período produtivo. Ainda que tenham festas de final de ano, ninguém fica dois meses sem escrever. Assim, escrever é sempre em períodos concentrados, de modo que eu consiga ter fresco na memória qual o debate, qual autor trabalha com qual ideia, como a teoria se relaciona com os dados, como o ajuste conceitual é travado, essas coisas. Se passar quinze dias sem mexer com um texto o processo de retomada é lento, é preciso reler, voltar a olhar para a literatura.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começar é sempre difícil. Mas o melhor modo que funciona para mim é saber o que exatamente você quer responder com aquele texto. E, a partir dali elaborar o esqueleto com os tópicos, hipóteses, objetivos, algumas ideias de dados e testes, e fazer um resumo. Quando chego nesse ponto fica mais fácil de dar sequência no processo.
Notas suficientes sempre foi um problema para mim. Eu sempre quis ler tudo o que era possível para depois escrever. Ainda acho que sempre há um artigo que faltou, um autor que alguém cita e eu não consegui ler, algum livro que vai ser publicado daqui trinta dias e eu quero ler antes de fechar o texto. Esse acho que é o meu maior problema para começar a escrever. Eu já fui alertado sobre isso por todos os meus orientadores, por colegas, por membros de banca. Mas parece uma insegurança muito difícil de ser superada. Para resumir, eu nunca sei quando parar de ler e escarafunchar coisas para inserir numa pesquisa ou num texto. Talvez seja um mecanismo psicológico defensivo do medo de escrever. E isso vai desde reler um texto fundamental com outra questão na cabeça até conseguir descobrir que aquele artigo que você procurou por semanas a fio era completamente inútil e você se arrepende amargamente de ter deixado de escrever para ler alguma coisa que achou importantíssima porque o título parecia sensacional.
Ou então há a obsessão por tentar – frise o tentar – entender determinado procedimento, teste estatístico, conceito, debate que precisa ser resolvido como se sua vida dependesse disso. É muito comum que eu fique dias até aprender de forma que eu não passe vergonha como o autor chegou naquela conclusão em que ele não foi muito claro ou como que o teste estatístico é feito e o que ele mede. Isso é constante e envolve desde ler livros técnicos em que não se entende 70% da parte matemática da coisa, até ver aulas de estatística ou análise de dados no YouTube dadas por pessoas abençoadas que nos ensinam como funciona algo como se nós fossemos uma criança de cinco anos de idade.
Feito isso, ou seja, me sentindo razoavelmente seguro, a minha solução para começar a escrever é contar a ideia para um amigo, um aluno mais próximo. Sim, ficar ouvindo as ideias alheias é chato para burro. Os meus amigos e colegas são pessoas sensacionais e têm uma paciência enorme comigo. Mas normalmente eu ligo ou encontro dois ou três colegas e falo da ideia, de como pensei usar os dados, de como operacionalizar o conceito, de como pretendo demonstrar o que pretendia, de como usar uma ideia na pesquisa. Hoje em dia isso tem ficado cada dia mais fácil na medida em que se escreve cada vez mais em coautoria, então todo mundo tem que escutar as ideias de todo mundo. Mas, mesmo assim, quando a ideia do texto vem de uma questão minha ou sou eu quem está coordenando a pesquisa, são os meus amigos cientistas que dão o melhor feedback para saber se a ideia tem lastro, se tem fundamento, se vale gastar tempo com determinado texto.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Durante o doutorado eu tive uma grande trava para acabar minha tese. Procurei ajuda médica e consegui sair da letargia completa. Sem esse auxílio, era impossível sequer abrir o arquivo da tese no computador. Mas isso durou pouco tempo e obviamente estava relacionado a questões também externas à vida acadêmica. Mas não há grandes problemas em não corresponder às expectativas, isso faz parte do jogo. Talvez o processo mais saudável neste sentido foi ter entrado no circuito de pareceres de periódicos científicos e ter sido convidado para ser editor associado de um deles. Explico.
Dar sugestão na pesquisa dos outros é a posição mais confortável que existe. Você não é o autor do trabalho, mas pode julgar o mérito de um artigo ser ou não publicado. Ou seja, dar um parecer é algo de grande responsabilidade. Mas não há um manuscrito que não tenha falhas, alguns com mais outros com menos. E quando você faz um parecer interessado, com atenção, com responsabilidade e o texto é publicado e você descobre que é de uma pessoa que você admira, que cita frequentemente, nós percebemos que ninguém atende completamente a expectativa dos outros. Mesmo um grande pesquisador comete enganos bestas, erra no teste, esquece de por a fonte na tabela. Isso deixa a gente mais tranquilo com as nossas próprias falhas. Não sei o quanto isso parece ‘querer ficar confortável com os defeitos dos outros’, mas é um pouco por aí, perceber que aquele baita artigo que saiu e você citou trinta e sete vezes foi alterado, modificado, alguém ficou enfurecido quando recebeu o parecer, alguém pediu para o autor fazer algo impossível, etc. Isso dá um ar de humanidade para o mundo acadêmico, que é tão cheio de egos e vaidades.
Sobre os longos projetos, eu, particularmente, prefiro estes do que os mais curtos. Apesar de sempre ficar ansioso com os resultados e os dados, não gosto de não ter tempo para ler bastante sobre o tema que estou pesquisando, de ter tempo para preparar, testar, retestar, modificar, debater o instrumento de pesquisa. Contudo há sempre uma série de convites de colegas generosos para escrever capítulos, submeter papers em eventos e que não conseguimos deixar de perder a oportunidade. Talvez a coisa que me incomode nesse sistema é que, como estou ainda no início da carreira, sei muito pouco sobre diferentes assuntos e não fico confortável em escrever sobre coisas que não julgo ter certo nível de conhecimento do debate. Mas faz parte do ofício.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso menos do que deveria. Na verdade, acredito que minha vontade é enviar logo o manuscrito para onde deve ser remetido para me ver livre da tarefa, como diz um amigo, tirar isso da agenda. Isso às vezes é bastante prejudicial. Por conta da ansiedade em ver o produto finalizado, diagramado e no site da publicação, o texto poderia ter sido enviado mais bem-acabado e ter tido menos trabalho com os pareceres e alterações exigidas. Como escrevo mal, tem sempre uns dois ou três amigos que conto para ler meus textos já que eles escrevem muito bem e me dão sugestões acadêmicas e de estilo que colocam os textos em outro nível de clareza. Sempre admirei a capacidade deles em ler o que escrevo de forma truncada e conseguir ‘traduzir’ o que eu estava pensando de forma muito melhor do que eu.
Geralmente, se escrevo sozinho, envio para alguns colegas para que eles comentem, avaliem, quando têm tempo. Nem sempre isso é possível e às vezes o resultado das falhas no texto aparece já no dia de apresentar o trabalho em um evento ou congresso com as críticas dos comentadores e da audiência que viu a apresentação. Então, apesar de isso estar ficando cada vez mais proveitoso, os eventos são parte importante para ter uma percepção de se o trabalho está no rumo certo e para onde temos que ir para melhorar.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre no computador. Desde o colégio nunca mais escrevi textos à mão. Acho até que se um dia precisar devo ter um desempenho pior do que se usar o computador. Hoje há alguns recursos muito bacanas que não dá para viver sem. Os aplicativos de mensagens das redes sociais, os gerenciadores de bibliografia, os pacotes que ‘limpam’ bancos de dados, os acervos de artigos e livros. Sem isso seria impossível, com a estrutura que temos na universidade, fazer qualquer nível de ciência.
Mesmo para mim que sou relativamente jovem no meio acadêmico, o acesso de dez anos para cá em textos, aulas online, apostilas, livros, é absolutamente mais fácil. Esse acesso permite que não seja mais necessário passar dois meses fazendo uma especialização em métodos quantitativos em outra cidade, gastando todas as economias do mestrado e quase ficando maluco fazendo testes econométricos à mão. Caso haja interesse é absolutamente acessível, com algum nível básico, conhecer as técnicas, os testes, fazer cursos em universidades de renome internacional sem sair de casa. Esse ambiente, penso, criou em cada computador seu laboratório de pesquisa. E isso inclui ler e escrever. Apesar de ainda preferir ler em papel, especialmente textos mais longos, a escrita é rigorosamente feita em computador, assim como a revisão de textos, já que os softwares possuem excelentes recursos para escrever em coautoria, comentar, sugerir edições, corrigir, etc.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Essencialmente as ideias vêm de textos que leio, das aulas – os alunos também nos dão ótimas ideias, eventos ou de situações cotidianas como uma notícia sobre um fato político ou alguma coisa que aparece no meu feed de notícias. Leio muito pouca coisa que não seja da minha área de trabalho e minha formação foi muito mais técnica do que a dos colegas mais velhos. Alguns colegas têm ideias sensacionais ao lerem romances, ficção ou ao lerem algo de outras áreas. Isso é muito bacana, mas sempre parece à mim, como falei, que faltou ler aquele artigo que trata sobre o impacto da alteração da regra do sistema eleitoral de San Marino na ordenação da preferência de voto dos eleitores do partido X na disputa dos capitães-gerais do segundo termo de 2017.
Não tenho uma rotina de hábitos que sigo para me manter criativo. Talvez seja o olhar treinado que dê ao cientista essa capacidade de encontrar a pergunta certa, já que a resposta é impossível. É o que KKV vão chamar de ‘pensamento disciplinado’, um modo de olhar um evento ou um conjunto de eventos e pensá-los em forma de hipóteses e formas de mensuração. E daí a política brasileira, em especial, é um circo. Cada dia é uma questão nova que aparece para ser comparada, cada dia é uma novidade no cenário partidário, cada dia a realidade é muito mais criativa do que a nossa capacidade de fazer pesquisa.
Talvez, e aqui posso estar sendo arrogante ou presunçoso, eu tenha menos amarras sociais e ideológicas para estudar temas que as pessoas possuem certa recusa como a direita, os conservadores, partidos pequenos ou os partidos confessionais de forma científica e tentando sempre rever o lugar comum que as ciências humanas ocupam quando se pretendem trabalhar com aquilo que pessoalmente lhes desagrada. Isso, é claro, vem com um preço. Não há um dia em minha vida acadêmica que não sou associado com posições retrógradas, com comportamentos ou atitudes políticas condenáveis, sem que as pessoas sequer me conheçam ou saibam como penso. Ou que não me sinta fora de lugar com as piadas que partem do senso comum douto de que tudo que não possui apoio da intelectualidade auto imaculada progressista é uma espécie de ignorância histórica ou desconhecimento científico da condição humana. Mas, no limite, trabalhar com o que os outros acham ‘sujo’ é, até onde vejo, uma vantagem criativa.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
O meu processo de escrita certamente melhorou na mesma medida em que eu pude me dedicar mais à leitura. O turning point mais provável foi o tempo que passei fora do país e tinha acesso a uma quantidade e diversidade de literatura que nunca havia tido contato. Inclusive minha tese parece ter ‘dois estilos diferentes’, comentário de um membro da minha banca de defesa do doutorado. O primeiro deles foi até o texto de qualificação onde fiquei com os textos que tinha acesso no Brasil e dividia meu tempo com disciplinas, pesquisa de campo, ida em eventos e a organização de alguns deles. Depois que passei um bom tempo dedicando-me apenas a ler e fichar textos de todo tipo sobre o tema da tese o processo de melhora na escrita é quase natural, não se percebe. Parece que ocorre por osmose. Isso não quer dizer que escrevo bem, apenas que escrevo melhor do que escrevia. Os recursos que os autores referência em minha área utilizam foram descaradamente copiados, como a ordenação metodológica da literatura. Esse processo faz com que você entenda o debate no seu campo de pesquisa a partir dos diferentes desenhos de pesquisa e me ajudou muito na organização do meu pensamento, sabendo quem trabalhava determinada variável como dependente, quem trabalhava com a mesma variável como independente, qual método era utilizado, se histórico, se individualismo metodológico, que técnica, quais os pressupostos teóricos. Então passei a ler os textos fichando todos como um desenho de pesquisa. Para mim, acho que funcionou.
Se eu pudesse voltar à minha tese eu diria para ir com mais calma. Ter os pontos centrais da tese fechados com dados e teoria antes de escrever. Ter clareza absoluta daquilo que pretendia. Ainda que o tempo e os recursos não sejam infinitos, a tese tem falhas grandes que me recuso confessar até mesmo para minha sombra. Talvez deveria ter trabalhado teoricamente melhor determinados conceitos que utilizei e não ter ficado tão preocupado com não conseguir aplicar exatamente a amostra que havia estabelecido ou com a significância de tal teste estatístico. Veja, não é uma proposição para que isso seja ignorado, mas hoje os dados estão desatualizados, já caducaram e o que ficou de aprendizado, e para algum santo que resolva ler aquilo, é o modelo teórico, o desenho da pesquisa que me serviu para formar como um pesquisador de Ciência Política aceitável entre os pares.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
No momento eu estou fazendo um projeto, que apesar das dificuldades que estamos passando no nosso grupo de pesquisa com a pesquisa de campo, que gosto muito. Não era exatamente o que eu pretendia quando entrei como professor na universidade, mas é um projeto muito bacana comparando partidos de direita no Brasil, Argentina e Chile. É teoricamente desafiador, já que na Ciência Política só se estuda a esquerda, e ambicioso do ponto de vista dos dados. Espero que os resultados sejam tão entusiasmantes quanto está sendo o cotidiano da pesquisa.
Eu tive a imensa sorte de estar numa universidade boa e estar num departamento e programa de pós-graduação com pessoas muito legais que me dão liberdade e confiam nas iniciativas e ideias de um jovem professor. Sem o apoio desses colegas e amigos que acreditaram na minha capacidade e apostaram na minha carreira seria impossível estar satisfeito com minha pesquisa atual. Ainda, nós conseguimos montar um grupo de pesquisa sobre partidos na universidade que conta com alunos da graduação até o doutorado que são ótimos, são empenhados, interessados, comprometidos, coisa que anda cada vez mais rara na universidade.
Se eu pudesse escolher e ter o tempo e os recursos para isso eu gostaria de estudar processos de institucionalização na América Latina e Leste Europeu comparados. Provavelmente com partidos políticos, mas não necessariamente só com este objeto. A questão do que é uma instituição, como ela se forma, como afeta a vida das pessoas me move desde o doutorado. Se algum colega cientista político ler isso daqui, parecerá trivial. Mas me deixa impressionado que os grandes debates sobre instituição e indivíduo, formalismo e informalidade, racionalidade ou estabilidade – com algumas exceções – estejam em autores clássicos e contemporâneos da Economia, e a Ciência Política, principalmente a brasileira, desempenha um papel secundário nesse tema. E o objeto é riquíssimo nestes lugares. Questões a serem respondidas e objetivos disponíveis para pesquisa abundam.
O livro que eu gostaria de ler e ainda não existe no tema que me interessa academicamente seria sobre como se criam instituições. Pesquisas mais históricas que lidam com o surgimento de grandes instituições, como alguns autores já fizeram sobre os congressos e partidos políticos USA ou UK. Ler alguma coisa nessa linha sobre o Brasil seria excepcional, já que não terei tempo ou talento para tanto.