Bruno Bandido escreve peças, roteiros, contos e lança este ano seu primeiro romance.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sim. Acordo bem cedo, caminho com meu cachorro, sem escutar música, porque aí já penso na vida e em coisas que acabam pintando depois na hora de escrever. Volto pro meu apartamento e aí sim escuto um pouco de música e depois sempre medito um pouco ou faço alguma oração. Às nove começam a chegar materiais de um dos meus trabalhos de revisão de texto, e aí intercalo isso com os livros que tô lendo ou reviso e reescrevo coisas minhas. Ao meio-dia sempre vou com meu cachorro até alguma praça que eu more perto, tem a Roosevelt, a 14 Bis, o parque Higienópolis, e enquanto ele corre um pouco com outros cachorros aproveito para ler mais um pouco.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Escrevo em qualquer tempo livre que eu queira usar para escrever. Mas de noite, quando não tenho mais obrigação nenhuma, é sempre melhor e mais duradouro. Ritual? Não sei se chego a ter. Tem sempre um incenso, vale? Silêncio também. Não consigo escrever com música porque presto atenção demais nas músicas. Só se for um mantra. Às vezes coloco um de Saraswati. Ou de Ganesha, que é o patrono dos escritores, afinal.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende do que tô escrevendo. Se é pra teatro, gosto de acabar a peça inteira no mesmo dia, no máximo dois dias em sequência, não importa quanto tempo eu ficar sentado na frente do computador, porque quando sento a ideia já tá há muito tempo na minha cabeça. Contos também. Mas depois deixo eles quietos e volto só umas duas semanas depois, pra ler de novo e reescrever.
Prosa mais longa, agora que tô escrevendo uma novela, o ideal é que eu escreva ou reescreva um pouco todo dia sim. Atrapalha muito se eu não fizer isso. Não tenho meta de páginas ou tempo de escrita, minha única meta é que eu sempre pare de escrever sabendo por onde vou começar quando sentar pra escrever no dia seguinte. Se eu parar em algum lugar que não tenho ideia de como dar prosseguimento, forço mais um pouco, nem que seja um parágrafo, até saber que tenho um ponto de partida para amanhã.
Poesia já é completamente diferente. Não sou um escritor assíduo de poemas. Também virei meio chato pra poesia. Hoje em dia, acho sem graça quando é prosa quebrada. Mas às vezes vem uns poemas. Tipo, eu empaco em algo que esteja escrevendo e decido ir na janela olhar a rua lá embaixo, a lua, dar um tempo e de repente surge o início de um verso, volto pro computador, o poema aparece e eu me contento com isso nesse dia, porque poesia é maior que todo o resto, dane-se toda a prosa do mundo quando surge um bom poema.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Geralmente eu tenho a ideia. E aí depende. Às vezes é uma ideia que me faz querer escrever na hora. Às vezes desenvolvo por meses a ideia só na cabeça e quando começo a pôr em prática, por mais que possa mudar tudo, já tenho uma base legal em que quero trabalhar. Minha última peça, por exemplo, fiquei um ano pensando nela e em menos de duas horas estava pronta quando comecei a escrever. Não mudei quase nada quando reli.
Com pesquisa é o mesmo. Às vezes pesquiso algo antes, mas não me atenho muito a ela se precisar transcender. Às vezes surge a necessidade de pesquisar durante. E às vezes eu simplesmente invento tudo e isso me basta.
Tenho cada vez mais gostado de contar histórias. Mesmo que pouca coisa aconteça nas histórias, gosto que sejam histórias. Gosto de histórias. Então cada história pede um tipo diferente de processo. Depois de descobrir que história quero contar, não acho tão difícil começar não.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido muito mal. Terrível. Embora venha tentando mudar isso no último ano, faz 28 anos que sou procrastinador. 28 anos, por sinal, é a minha idade. A procrastinação não é algo que se mude da noite para o dia, pelo menos é o que eu acho, porque não consigo mudar isso da noite pro dia, mas aos poucos venho vencendo essa luta.
O medo que, sim, sei que tenho é o de que aquilo que estou escrevendo e gostando de escrever vire algo horrível no final. Isso me deixa ansioso às vezes, por mais que seja algo normal. Isso também ajuda a procrastinação de alguma forma.
Acontece que a procrastinação, o medo, eles me atingem até eu realmente ter a força para largar um livro, um filme, um programa, e ir sentar e de fato voltar a escrever. Quando eu faço isso, a escrita, o ato, é muito mais forte e deixa de lado qualquer sentimento do tipo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Quantas vezes eu achar que precise. Ou até eu conseguir enganar a mim mesmo de que não precisa mais. E aí é publicado e eu nem leio. Com medo de querer revisar de novo.
Antes de publicar, minha mulher lia. Agora, minha ex-mulher lê. Ela é sincera. Por mais que eu possa não concordar, sei que ela pelo menos é sincera. Alguns também mando para um amigo escritor. Não sei se ele é sincero. Mas ele me conhece bem e sabe perceber coisas que poucas pessoas perceberiam. Então é bom conversar com ele depois.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tudo no computador. Escrever à mão pra mim sempre foi meio torturante. Minha letra parece a de uma criança recém-alfabetizada e não muito talentosa. Eu era castigado por causa dela. Eu enchi dezenas de cadernos de caligrafia obrigado por professores quando moleque e não adiantou nada. Então, sim, computador, só computador. Se precisar ser à mão, vai à mão, mas que não precise.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Algumas surgem de conversas com amigos. Outras de um pensamento espontâneo, de um livro, algo que vejo na rua, gosto de olhar as pessoas, gosto de ouvir histórias mais do que contar histórias. E tem ideias que vêm de outros planos que não o nosso. Colocam nas nossas cabeças. E não é bobagem não. Tem ideias que vêm de outros planos. Busco estar cada vez mais aberto a elas. Porque são ótimas. Porque se eu trabalhar bem, elas dão certo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Muita coisa mudou. Antigamente eu estava sempre meio que de ressaca quando escrevia. Isso mudou. O que eu diria? “Bem, se apegue menos ao real. Cuidado com a sedutora ideia da tristeza. Escreva mais, cara. Nada que você gosta tanto de fazer vai te trazer algo tão bom assim que valha a pena fazer isso ao invés de escrever mais”.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu e o matemático Leo Yang temos o projeto de escrever um I Ching cyber punk. Mas estamos esperando chegar na terceira idade para isso. Tenho muitas ideias de peça e roteiros para escrever. Já tenho a do meu próximo romance também.
Sobre a segunda questão, sei que tem textos que eu não queria que acabassem. Tipo a série Mad Men. Aqueles roteiristas escreviam tão bem e atingiram um nível tão fino e regular que podia ter um episódio por semana para sempre e nunca ia ficar ruim. Assim como o livro La Novela Luminosa, do uruguaio Mario Levrero, já li esse livro duas vezes e tô querendo ler a terceira porque foi traduzido finalmente aqui no Brasil. La Novela Luminosa poderia ser um livro infinito! Ou melhor: o livro que eu gostaria de ler e ainda não existe são os diários do Mario Levrero depois de desencarnar. Do espírito dele. Se ele quiser, pode pintar aqui que eu psicografo e ainda preparo o mate!