Bruno Aichinger é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina matinal consiste em levantar da cama por volta das 09:00h, morgar no chuveiro bem quente por alguns poucos minutos e, depois, escrever em uma biblioteca maravilhosa que tem por perto (não tão perto assim).
Não tomo/como nada de café da manhã.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Meu horário favorito sempre foi durante a madrugada. Infelizmente, por motivos que escapam do meu controle, não posso mais seguir esse ritmo sendo, assim, obrigado a escrever durante o dia. Basicamente, de segunda as sextas, das 10:30h as 18:30h. Idealmente, era para começar as 09:00h e terminar as 22:00h, mas não aguento escrever tanto tempo.
Acho que todos temos algum tipo de “ritual”, mesmo os que não são voltados à preparação da escrita. O meu, de maneira bem sucinta, é chegar na biblioteca (onde tem uma maquina de café expresso “de grátis”, 0800) e me entupir de café. Começo tomando dois copos assim que chego e, ao longo do dia, vou me mantendo com cafés de meia em meia hora (as vezes, de hora em hora). O que me alegra muito – e posso me orgulhar disso – foi da minha amizade com o Carlos (chamo ele de Jesus, porque é meu salvador). Carlos é o rapaz que trabalha na manutenção da maquina e, uma vez por dia, aparece para abastecer ela. Quando ele me vê, sempre me arruma um chocolate quente (só o café é gratuito, o chocolate é pago).
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Sou formado em Letras com ênfase em Produção Textual. É um bacharelado monolíngue com a proposta de formar escritores. Por nove anos (2010-2019), trabalhei no mercado financeiro – sim, nenhuma relação com a minha formação. Inclusive, estou terminando meu MBA em Gestão Empresarial na FGV (local mágico da biblioteca).
Essa introdução, em um primeiro momento, parece não responder à pergunta. Mas ela é de suma importância. Explico: depois de trabalhar por nove anos em algo que eu odiava, eu surtei. Ia dormir passando mal, acordava com pesadelos, estava sempre ansioso e etc.
Simplesmente, em setembro de 2019, liguei para a minha a chefe e dei um “au revoir” com um sorriso que ia de ponta a ponta em meu rosto. Desde então, trabalho única e exclusivamente para mim, como escritor. Com isso dito, finalmente respondo sua pergunta: sim. Trabalho todos os dias, o dia inteiro. Tenho metas de escrita, mas elas variam. Exemplo: preciso terminar o capítulo X e ele é composto de, digamos, cinco cenas. A minha meta, hoje, pode ser escrever uma cena só e amanhã escrever duas. Tenho, sim, uma meta diária. Mas ela é estipulada na hora que sento para escrever.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sempre fui uma pessoa muito ansiosa e hiperativa. Meu processo de escrita, acredito, seja bem careta – venho para a biblioteca, coloco meu laptop em cima da mesa e imediatamente o abandono. Pego minha prancheta (tadinha, tá tão velinha e quebrada) e vou para a entrada da biblioteca, onde tem um sofá. Sim, é estranho: saio de um lugar silencioso e com privacidade para sentar em um sofá onde passam dezenas de pessoas por hora – mas eu preciso disso. Eu preciso ver pessoas para conseguir escrever; ver o que elas fazem, como elas fazem, o que dizem, como dizem. Depois, coloco meu fone de ouvido, abro o Spotify e escrevo. No final do dia, volto para a biblioteca, transcrevo tudo da prancheta para o laptop (já fazendo uma pequena revisão nesse processo) e é isso. De tempos em tempos, imprimo o arquivo do Word para fazer uma revisão mais completa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não acredito em travas da escrita. Se você tem uma história para contar, conte ela. Simples. Não existe pessoas criativas e pessoas não criativas – todos são. Criatividade é algo inerente ao ser humano, algo que já nascemos com. Se você se sentir travado em algum momento, procure olhar para a questão por um outro ponto de vista, pense no que outra personagem faria, pense no que seu pai faria se estivesse naquela situação. Por mais cômica que possa ser a resposta, você acaba percebendo que as “travas de escritas” são coisas impostas por você.
Sou muito procrastinador e, por isso, preciso sair de casa e vir para a biblioteca escrever. Depois, devidamente abastecido de cafés e remédios, só escrevo. Não tenho medo de não corresponder às expectativas, pelo contrário. Escrevo algo que, historicamente, já foi muito marginalizado e (finalmente, viva), está começando a ser valorizado.
Sou muito ansioso. Mas, felizmente, minha ansiedade não aparece em projetos longos – até, porque, escrevo literatura fantástica. E digo fantástica como Alta Fantasia, tipo Tolkien e não Realismo Mágico, como Gabriel Garcia. Livros longos é quase um pré-requisito para tal tipo de escrita.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Sempre que transcrevo algo da prancheta para o Word, faço uma pequena revisão. Então, diria que, diariamente. Mas, importante ressaltar: essa revisão diária não é focada em melhorar a qualidade literária, melhorar coesão, consertar erros ortográficos etc. É uma revisão com o único objetivo de verificar se não tem/ficou nenhum furo na história (posso acabar perdendo uma folha da prancheta, posso duplicar algum parágrafo, enfim).
Quando tenho alguns capítulos prontos, digamos uns quatro ou cinco, faço uma revisão mais completa, procurando melhorar minha escrita. Sempre mostro para amigos, preciso do feedback constante.
Por último, com o original pronto, contrato um revisor profissional. Acho que é o mais importante, quase obrigatório, a se fazer. Por mais que eu seja formado em Letras, seja professor de português, seja escritor, não sou capaz de revisar meu trabalho com qualidade. Acabo fazendo leitura dinâmica, pulando partes que já memorizei, passo batido por erros bobos. Então, diria, SEMPRE procure um especialista. Contrate um revisor. Revisor não é gasto, é investimento.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Leitura. Leitura. Leitura.
Leia. Leia. Leia.
Depois, leia mais.
Claro que séries, filmes, músicas, beber até cair entre outros fazem parte para manter a mente criativa. Mas, diria, que o principal é a leitura.
Leia os clássicos (afinal, eles são clássicos por algum motivo). Leia livros que você não goste. Leia livros de autores iniciantes, livros mal escritos. Leia de tudo. Seu repertorio é a única ferramenta que você, efetivamente, quando vai escrever. É você e uma caneta. E sua criatividade. Então, leia. Quando terminar de ler, leia de novo. Depois, leia mais.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A escrita é uma atividade como qualquer outra. Quanto mais se exercitar, melhor ela ficará.
Se pudesse voltar à escrita dos meus primeiros textos, diria para não abandonar a ideia de se tornar escritor. Foram nove anos que não se recuperam.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Projeto? Acho que não tenho. Já faço o que gosto.
O terceiro livro da série The Kingkiller Chronicle. Porra, Patrick Rothfuss, termina essa merda!