Bruna Tamires é escritora e desenhista, criadora do Clube Negrita e da Malokêarô.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Depende de qual dia. Eu tenho uma agenda bem definida, que está sendo construída há alguns anos. Minha esperança é conseguir, de um modo prático, escrever o que eu faço e fazer o que eu escrevo, pelo menos para as minhas rotinas de curto, médio e longo prazo. Eu acordo, leio alguma coisa ainda deitada, depois tomo banho, me alongo, faço meu café… Nos dias de trabalho na firma eu vou trabalhar, nos dias onde tenho mais tempo eu escolho outra atividade, fazer exercícios, desenhar, dar uma volta no bairro, limpar a casa… Essas coisas que boiam entre a obrigação e o prazer.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Esse ano eu precisei readequar muito o meu processo de escrita, o tempo que eu tinha livre eu não tenho mais, pois, o meu melhor horário para escrever (o meio da tarde) foi tomado pelas tarefas do meu emprego atual. Hoje, quando volto para o trabalho da escrita eu uso a parte da noite, duas horas por dia em dias alternados da semana, quando rola. Nos sábados eu escrevo mais e durante a semana eu faço revisões e repenso dentro do ônibus ou do metrô algumas partes dos meus escritos. O ritual básico é me concentrar. Gosto de escrever com pouco barulho ao redor e acompanhada de alguma coisa para beber. Quando é momento de descoberta de personagem eu gosto de música, mas quando é para costurar a história eu prefiro o silêncio. Com o tempo sinto que vou me adaptar e encontrar no meio do caos um ritmo para além de escrever organizar o que escrevo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu escrevo em dias variados da semana, nem sempre é escrita nova, muitas vezes é revisão de partes do que já escrevi, aumentando a história, tirando coisas que não valem a pena para a cena dentro do texto ou definindo mais os personagens. Minhas metas de escrita são mensais, porque como eu não sou paga para escrever e como as pessoas que me leem não me cobram entrega, eu escrevo conforme o andamento dos meus projetos. Hoje eu tenho um emprego que demanda muita atenção na burocracia, escrevo literatura e projetos, desenho, organizo meus projetos de desenho e organizo um clube de leitura, o Clube Negrita. Por isso eu sigo uma agenda e por isso eu não escrevo literatura todos os dias. Quando eu termino uma coisa eu passo a me concentrar em outra, se eu não fizer isso corro o risco de fazer mil coisas mal feitas. Minha meta é conseguir criar todos projetos que existem na minha cabeça, no tempo certo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu crio através da leitura e da observação. Viver é o que mais me dá poesia para escrever. Então eu vivo as experiências, ouço as histórias, leio outras escritoras e escritores e aí a ideia da história brota na minha cabeça; depois que eu sei a ideia eu tento desenvolvê-la. Por exemplo, se eu pensar que a história de uma mulher caramujo é uma boa história, eu vou ter que imaginar por quê, criar um caminho para essa história e começar a desenvolver no papel. O que a mulher caramujo guarda na casca? Por que ela é caramujo? Onde ela mora? O que acontece com ela nessa história? Quando eu começo a desenvolver no papel ou no computador isso leva mais tempo, meses. É sentar, escrever, pensar, pesquisar sobre o que eu quero falar, jogar a ideia na conversa e ver o que meus colegas acham, ouvir, pescar possibilidades. Às vezes isso acaba por cancelar a história da minha mente, mas ela fica guardada. Eu escrevo bastante no Medium, deixo muito rascunho ou ideia pronta lá, mas já decidi migrar para o drive alguns estudos mais pesados, aqueles com os quais eu realmente quero fazer alguma coisa.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Quando minha escrita trava eu paro e vou fazer outra coisa. Não me forço. Penso que assim: eu tenho uma agenda, vou escrever uma hora por dia segunda, quarta e sexta, por exemplo. Se na segunda só rolou meia hora e mais nada fica bom na próxima linha, para mim, não adianta. Não vai render. Quarta tem mais. Eu respeito a trava pois ela é natural. Se a gente tem um prazo e se programa para fazer tudo dentro do prazo, a trava não vai nos impedir. A procrastinação é outra coisa, mas tem muita relação com os prazos que você se dá. Nos meus prazos eu coloco tempos para ficar de boa, fazer o nada. Não permito que a procrastinação entre naquilo que eu faço por gosto (a escrita e o desenho). Mesmo que seja uma escrita obrigatória, com objetivo mais acadêmico. Foi com o desenho que eu aprendi que esse medo de não corresponder às expectativas não deve existir em nosso coração. Cada pessoa tem o seu jeito de escrever e vai aprimorar esse seu jeito conforme for praticando e conhecendo o mundo. Além de que, expectativas em relação à que? A quem? Talvez a internet influencie bastante nas comparações entre pessoas, mas minha experiência diz que quanto mais focarmos no nosso trabalho e experimentarmos os trabalhos das outras pessoas com o coração aberto e sem sentimento de competição, melhor. Eu me comparo comigo. Com aquela que eu fui em 2015 ou no semestre passado. Leio meus textos antigos pensando o que tem de bom, o que dá para salvar, o que foi escrito no impulso e o que era coisa de momento, da idade ou da vivência. Isso me ajuda, inclusive, a me entender melhor e a me lapidar. Sobre projetos longos, adoro! O que me deixa com ansiedade mesmo é a hora de lançar, a hora de finalizar, mostrar para a galera aquilo que eu fiz. Eu fico pensando: será que vou ter útero para ir ficar vendendo e mostrando meu trabalho? Será que vou incomodar seriamente alguém com o que eu escrevi? Como as pessoas vão ver o meu trabalho? Será que vão ler ou vão só curtir um post?
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Milhares. Eu tenho textos em três antologias. Produzi seis fanzines. Mas ainda não tenho um livro propriamente meu. Um livro-livro, o que quer que isso signifique. Tenho postagens nos meus blogs e muito de lá eu escrevi na vontade, na força do dia, na ideia que se desenvolveu rápido e se consolidou depressa. Mas aqueles que eu mando para publicação em antologia, ou aquele que têm temas mais profundos, onde alguma pessoa pode se sentir ofendida, estes eu reviso, costuro melhor as formas. Sempre compartilho meus trabalhos com outras pessoas antes de publicá-los. Felizmente tenho amizades interessadas e outras autoras e autores que gostam de ler e opinar. Gosto de receber as críticas, até e principalmente quando o entendimento do leitor é completamente diferente da minha proposta de escrita.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Antes eu fazia no papel mesmo, mas percebi que era um retrabalho passar aquilo para o computador. Hoje só uso o papel em casa ou no ônibus, para rabiscar, alterar coisas e depois colocar no PC. Não tenho leitor digital, adoraria ter um. Adoraria também ser desapegada e ter todos os meus livros num leitor digital. Quem sabe no futuro eu aprendo. Mas admiro muito os livros físicos, de papel, são materiais de uso, são materiais de decoração e são ferramentas de conhecimento. Tudo num objeto só!
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Da imaginação. Ter tido pessoas que fortaleceram minha capacidade de imaginar na infância me fez muito bem para hoje. Se eu vejo um banquinho eu imagino coisas sobre o banquinho. Um amigo e eu costumávamos sentar no bar e observar as pessoas na rua, imaginar de onde elas eram pelas roupas, traços ou forma de andar, nada preconceituoso, era apenas para pensar histórias. Observávamos casas antigas, diferentes tipos de prédios na cidade, pixações e grafites, as folhas das árvores, e fazíamos essa brincadeira de pensar como e por que tal coisa era como era. Acho que isso me ajuda bastante a criar: observar o real do cotidiano, ouvir as falas das pessoas, ver a vida acontecendo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Meus primeiros textos eram fanfics sobre o universo de Harry Potter, eu devia ter uns 12 ou 13 anos. Era bem divertido e eu tinha muito tempo livre. Eu publicava num site chamado Floreios&Borrões, passava o dia lendo outras fanfics e criando as minhas. Meu nome de escritora era Bruna Malfoy, rs! Imagine. Muito mudou depois que tive consciência racial, isso só aos 19 anos, agora tenho 25. Hoje eu sei construir as histórias em formatos que, ao meu ver, são costurados de uma forma que quem lê entende e vê a história mais junto comigo; consigo usar melhor as palavras, as emoções, os sentimentos e definir um pouco melhor a personalidade dos personagens. Estou só começando a escrever, quem sabe um dia eu tenho a qualidade quase perto da Toni Morrison ou da Miriam Alves… Se eu pudesse dizer alguma coisa para a Bruna de 12 ou 13 anos eu diria para continuar escrevendo, recomendaria alguns livros e muita distância de atividades de alto risco.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tenho o sonho de escrever a saga que ainda vive na minha cabeça, ela está sendo escrita de pouquinho em pouquinho no malokearo.com, mas ainda é um trabalho bem experimental, não tenho muita certeza do que estou fazendo, sei que ela precisa sair. Estou convicta de que existe no planeta um livro já escrito para cada necessidade nossa, mas eu realmente gostaria de ler um livro sobre As Lendárias Mestras de Capoeira no Brasil. Fica a dica.