Bruna Dantas Lobato escreve ficção e traduz literatura brasileira para o inglês.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Não faço nada antes de tomar um café com leite. Daí leio um livro de contos ou um romance relevante para o meu trabalho, que possa me dar algumas ideias para a minha própria ficção. Não consigo escrever se não estiver lendo muito.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sempre trabalho melhor tarde da noite, quando todo mundo já está dormindo e a cidade está silenciosa. Apago as luzes e deixo só um abajur aceso no canto e visto meu pijama. Gosto de escrever quando tenho a sensação que essa é a única coisa a se fazer no mundo – que não tem nenhuma outra tarefa para fazer a não ser sentar lá quietinha e escrever, sem ser incomodada por nada.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo um pouquinho à noite todos os dias, uma frase ou outra. Mas quando tenho um capítulo novo em mente, escrevo em períodos bem concentrados. De repente, fico obcecada e trabalho sem parar, como num estado de delírio. Depois passo semanas sem escrever praticamente nada, só lendo e fazendo anotações, e esperando que tudo aconteça de novo.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Escrever nunca é fácil. Mesmo quando já tenho tudo pronto para seguir em frente, a escrita só sai com algum esforço. O esforço é mental, mas também físico, de ficar totalmente focada num texto e sentada na frente do computador por dias. Quando estou imersa em um novo capítulo, meio que deixo de viver a minha vida: de comer, dormir no horário certinho, sair com os amigos. Emerjo de cada capítulo cansada e insone, como se estivesse me recuperando de uma doença. Sei que soa intenso, mas a verdade é que é. Às vezes hesito em começar um capítulo por medo da escrita me consumir. Por isso, tento começar a escrever sem pensar muito no que vai acontecer depois. Só faço e pronto. Uma vez passada essa transição, quando já estou lá no meio do texto, é a melhor sensação do mundo. Tentei explicar isso para uma amiga uma vez e ela disse que parecia que eu estava falando de uma droga pesada. Não ficaria surpresa se alguém me dissesse que escrever ficção afeta o cérebro tanto quanto uma droga, para falar a verdade.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Procrastinação para mim vem de ansiedade, quando estou tensa com o projeto. Tento entender o que está me bloqueando, antes de mais nada, ou tento relaxar fazendo alguma outra coisa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso incessantemente, tanto durante a escrita quanto depois, quando já tenho o produto final. Sou bem meticulosa com os ritmos e escolhas de palavras, e também um pouco mais perfeccionista do que preciso ser. Fiz um mestrado de criação literária na New York University e ainda me encontro com alguns colegas da oficina para ler os trabalhos uns dos outros. As críticas e sugestões deles são uma parte fundamental do meu processo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Faço quase todas as minhas anotações à mão, mas escrevo tudo no computador, no Google Docs. Gosto que tem como ver as versões anteriores do texto por data e horário pelo Google, caso necessário.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Eu também gostaria de saber. Para mim, é um grande mistério, sinceramente. Às vezes leio o que escrevi e não reconheço completamente a parte de mim que pensou aquilo ou usou aquelas palavras. Muitas vezes, eu pego emprestado ideias ou técnicas dos livros que leio ou da vida real. Mas outras vezes, a minha escrita parece mais inteligente e perspicaz do que eu. Acredito que meu subconsciente faça grande parte do trabalho e confio nele para fazer o que tem que fazer, usando minha intuição e meu conhecimento em medidas iguais.
Em termos de hábitos que cultivo, gosto de sair para caminhar por aí. Vou a museus, parques, livrarias, ou simplesmente caminho pela cidade. Acho que o tempo que eu passo só pensando na vida e olhando para quem vai e quem vem é tão importante quanto o tempo que eu passo sentada na minha escrivaninha.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Diria para ser mais paciente e relaxar de vez em quando. Não precisa ter pressa.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
O livro que ainda não existe mas gostaria de ler é justamente o romance que estou escrevendo agora. Passei bastante tempo procurando esse livro por aí, até que um dia entendi que eu sou a única que pode escrevê-lo.