Breno Battistin Sebastiani é professor associado de Língua e Literatura Grega da Universidade de São Paulo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo via de regra sempre às mesmas horas. Preciso logo de café – abrir os olhos não basta. Então vejo e respondo e-mails, planejo aulas e textos. É quase uma rotina, só quebrada se o dia anterior tiver sido realmente muito cansativo. Manhãs são os momentos dos mil esboços. À hora e depois do almoço, digiro as ideias para só depois tentar pô-las no papel.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não, nenhum ritual. Pelo menos tal qual os entendo. As melhores horas para escrever e lecionar são as do crepúsculo em diante. Com poucas exceções de que nem me recordo mais, todos os meus textos foram escritos depois das 16h (seria esse um ritual?). Daí até por volta de meia-noite estou no meu “ápice criativo”. Efeito da cafeína concentrada ao longo do dia?
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas e escrevo por períodos concentrados. Algo à la Eclesiastes: “tempo de ler, tempo de meditar, tempo de escrever”. Há dias em que não adianta forçar a escrita: dedico-os então à leitura e à pesquisa. Quando de fato as ideias estão digeridas, escrevo horas a fio. Se o fizer antes da maturação, fico diante do computador como uma criança cutucando o teclado.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Faço mil esboços, como disse, mas raramente volto a eles. Quase sempre os textos saem completamente diferentes do planejado. É como se antes estivesse a treinar o cérebro, sondar possibilidades, tentar explicar a mim mesmo o que ainda não pensei bem. Quando sento ao computador estou sempre aprontando outro rascunho, mas este com obrigação de entregar. Até hoje me pergunto se alguma vez fui além dos rabiscos mal ajambrados…
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nunca dei muita bola para essa questão. Não se trata de arrogância. É que jamais procrastinei. Posso demorar a fazer algo, mas até hoje, uma vez assumido um compromisso, cumpro-o invariavelmente, qualquer que seja o prazo. Organizo meticulosamente minha agenda e nunca deixei alguém na mão depois de empenhar a palavra. Daí que me incomode particularmente quando sou eu a vítima de descompromisso não justificado.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não há um parágrafo meu que esteja publicado sem ter sido rescrito… Mesmo essas respostas todas já as modifiquei umas quantas vezes. Reviso compulsivamente. Às vezes mostro textos a colegas; na maioria delas, porém, eu mesmo os corrijo. Digamos que, excluídas as rescrituras de praxe, uma meia dúzia de revisões é algo absolutamente corriqueiro.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sempre esboço, rascunho, planejo etc à mão. Só sento ao computador em duas ocasiões: se tiver de escrever algo realmente muito breve; ou se já tiver feito os tais mil esboços e pensado um bocado. Nunca descumpro essa regra. Nas poucas vezes que o fiz, trabalhei quatro vezes mais literalmente à toa.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Dos momentos em que faltam, claro. Mas a pergunta ainda é boa e realmente desafiadora. Acho que principalmente de conversas, às vezes também de leituras, eventualmente das pausas da lucidez. Porém quando tento retomar o que pensei ao longo dos dias, parece que sou eu quem as forja, ou pelo menos costura. Como daí à escrita quase tudo se modifica, a pergunta continua sendo pra mim a ponta de vários mistérios…
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?
Pras duas perguntas: tentar escrever de modo mais direto e incisivo. Pouca coisa me cansa tanto quanto verborragia, dita ou escrita. Nunca voltei, nem voltarei, à tese porque não poderia rescrevê-la. “Um homem não entra duas vezes no mesmo rio”: escreveria outra, sem qualquer dúvida, e por tantas razões que me cansa pensar em alinhavá-las. Jamais assistiria a uma exumação; não o farei agora.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Escrever um romance paradoxal, como um livro feito de silêncios. Se sair um conto – contos são mais simples de escrever do que romances? (mais um dos absurdos da coisa) – já ficaria feliz. Mas de há muito pra cá, contrariando Machado de Assis (“sempre sobra alguma coisa do naufrágio das ilusões” – Iaiá Garcia), tenho optado por meus silêncios mesmo. Publiquei já alguma coisa; o dobro permanece inédito e seguramente o quádruplo está destruído. Desconfio profundamente de tudo que escrevo – continuo hesitando sobre se devo ou não enviar esta entrevista, por exemplo. Poucas vezes estive certo de exprimir o que supostamente pretendia e sempre acho que o expresso carece de terceira dimensão. Por outro lado, uma vez percebido que todo o escrito, sem exceção, é sempre experimento mais ou menos bem sucedido – quem se arvorará em juiz? – tenho me livrado rápido de certas neuras enfadonhas. O que saiu, saiu; o que resta não dá nem livro nem conto – dependendo do que entendamos por um e outro. E com isso os silêncios vão sendo pontuados, definidos…