Bioque Mesito é escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
A minha rotina é comum. Abro a cortina da janela do meu apartamento, olho a vista do condomínio. Ligo a televisão, escovo os dentes. Tomo um café. Lá pelas 10h30, quando não saio para trabalhar, tento rememorar alguns poemas que estão ainda incompletos. Aí passo o dia entre filmes, computador e textos.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tem um horário. Conversando certa vez com um poeta-amigo, Luís Augusto Cassas, me revelou que tem toda uma rotina. Pensei nisso, mas não consigo ter essa mesma disciplina. Acho que a poesia quando vem é jogada na nossa cabeça de repente.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tenho imensos hiatos. Tenho 3 livros publicados de poesia (A inconstante órbita dos extremos, Editora Cone Sul-SP, 2001; A anticópia dos placebos existenciais, EdFunc-MA, 2008 e A desordem das coisas naturais, Penalux-SP, 2018) e é uma dificuldade para mim escrever. Talvez seja pelo lado de ter uma crítica sobre o que vou publicar ou talvez seja chatice mesmo. Mas em alguns períodos tenho momentos de escrita semanal, mas é muito raro isso acontecer.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Como disse anteriormente, não tenho um processo criativo constante, mas momentos que sento para escrever e escrevo. Não tenho dificuldades para escrever, mas tenho muita noção crítica do que publicar. A poesia, de acordo com o que entendo e processo, não preciso de pesquisa, mas de vivência. Preciso viver e conviver para escrever. Só escrevo coisas que vivencio ou que acredito, enfeitar palavras sem nexo não é meu estilo. Por isso, tenho um processo criativo demorado.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não tenho esse medo, pois não escrevo com o propósito da emergência. Agora, o escritor, o poeta (como é o meu caso) deve ter essa responsabilidade com sua obra. A obra deve ser respeitada. Um escritor não deve quer ser ou aparecer mais do que sua obra, senão estará em um caminho contrário ao verdadeiro sabor da arte. É interessante que saibamos conviver com as nossas poesias, com a vida. Só assim, essa ansiedade não faz morada e sai o texto, a poesia nossa de cada dia.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Olha, a questão de revisão, ela deve existir. Tenho uns amigos (Antonio Aílton e Hagamenon de Jesus), poetas muito bons e que tenho a maior estima que fazem as leituras quase sempre dos meus livros antes de irem para a editora. Outros também sempre mostro, devemos caminhar com bons escritores ao nosso lado, pois, só assim, poderemos escrever boas obras.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
O mundo tecnológico é um avanço. Comecei a escrever meus poemas em papel e depois os transportava para máquinas de datilografar, era um suplício quando eu errava alguma coisa. Mas era um tempo muito interessante. Hoje, é mais rápido. Escrevo quase diretamente em computador. Mas tem poemas que surgem no celular, em guardanapos de fast-foods, enfim… A poesia assim como a natureza nasce em qualquer lugar.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não sei dizer. Ideias são ideias e pronto. Digo no meu novo livro que: poesia é uma insatisfação […] fogo controlado em minhas mãos. Então, não há um manual, mas sim a vivência ou mesmo a partilha com os amigos de trechos de poemas, isso ajuda muito para se manter criativo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A gente muda. Comecei a escrever na adolescência. Hoje tenho 47 anos, 4 filhos, 2 casamentos… números. Risos… Então, o Bioque Mesito do primeiro livro ao do último lançado são pessoas criativas diferentes, com vivências diferenciadas. Gosto de todos os meus livros, não tenho nada a reclamar porque foram projetos pensados com muito cuidado. Mas o que posso dizer é que cada vez mais me aprofundo no mundo que eu sempre quis: a poesia.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu não tenho muito de pensar no que vou fazer em termos literários. Mas sempre há alguma coisa que a gente deixa para trás. No momento, estou pensando em fazer uma coletânea com a obra completa de uma amiga poeta que faleceu (Rosemary Rego), e que nos deixou muito cedo, pois tinha muito que falar poeticamente. Quanto aos livros, já li muita coisa e pretendo ainda ler muito outros, porém não tenho nada em especial.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Os projetos, com o tempo, são realizados conforme a necessidade existencial de se escrever. Penso que toda vez que escrevo um livro, pode ser que não tenha mais a mesma desenvoltura para escrever outro. Seja porque a fonte seque ou então possa vir a ter um colapso com perda de memória ou até mesmo o barqueiro venha me levar (risos…). Pois, quando nos transformamos em um escritor, a visão de literatura é outra, totalmente diferente do início, a coisa se torna automática.
O processo de criar nos abandona por um tempo e vem de repente, não se pode precisar, porém, quando se propõe a se escrever um novo livro, a coisa é séria e temos que pensar que ali não é um trabalho como outro qualquer, mas que pode durar uma vida inteira. Quando fecho algum negócio editorial, firmo logo minhas condições: não posso escrever livros porque tenho o compromisso com a editora, mas se o meu “ser poeta” assim tiver esta necessidade.
Não existe o mais fácil ou mais difícil em literatura. O que existe é a sua forma de escrever. Eu, durante muito tempo da minha vida, achava que deveria escrever pouco e lançar a cada uma década. Foi o que aconteceu entre os meus dois primeiros livros: A inconstante órbita dos extremos-Editora Cone Sul-SP, 2001 e A anticópia dos placebos existenciais-EdFunc-MA, 2008. Neste período já tinha uma carga poética absurda, mas tolhia-me, não colocava para fora. Aí, um certo dia, eu comecei a ter uma nova concepção e vieram os dois livros em praticamente menos de dois anos: A desordem das coisas naturais-Penalux-SP, 2018 e o que está sendo lançado Odisseia do nada registrado-Penalux-SP, 2020.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Não tenho uma rotina preferencial. Aprendi que o tempo deve ser equilibrado, mas nunca mensurado em seus pormenores, pois não somos donos das nossas cabeças, dos nossos infortúnios. Mas, como todo escritor, eu tento driblar as pernas do tempo com minha poesia. Seja em casa, no trabalho ou mesmo na cama conversando com minha esposa Nara. A poesia está em todos os lugares como as frequências invisíveis de bandas de comunicação. Este fantasma gostoso que espreita meus olhos, ouvidos, mãos, pelos… é o que me hidrata e me leva para a “combustão de sentidos”, como falo em um poema de meu segundo livro.
No entanto, existem vários processos ligados ao meu ato de escrever e os projetos estão meio que alinhados em uma ruptura do tempo para acontecerem, sejam feiras de livros, palestras, bate-papo com amigos de forma presencial ou por redes sociais. O que não pode fugir é o senso de inércia e achar que qualquer dia tudo vai fluir naturalmente.
Neste mundo que nos envolve, percebi que as fórmulas já se esgotaram. Vou pela minha intuição e com meus conhecimentos culturais que retive durante mais de 30 anos de experiência em livros e em vivência. Logo, não sou um fanático só por textos literários, vivo e convivo, pois, desta forma sai a minha maior poesia: a vida. Então, não me prendo ou fico na expectativa de um ou outro projeto, seja a concepção de um livro ou convites para eventos ou mesmo projetos meus no campo da literatura.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Motivação não seria o termo adequado dentro da minha proposta de mundo como poeta. Chamo de compromisso estes anos todos o que faço no campo da contribuição literária. Com o tempo, a gente começa a racionalizar mais as coisas, o processo da escrita, principalmente a poesia (que para muitos é só um enfeite ou maquiagem de palavras bonitas) começa a ter um compromisso com o produto final. Drummond, Gullar ou Borges não escreviam porque eram escritores renomados, mas porque escrever é um ato de vitalidade, um ato político e que se reverbera a cada instante em algo melhor para a humanidade. O motivo de eu escrever tem significados na amplitude de como me entendo entre a humanidade, não posso soar penso às transformações perversas de chefes de estados, destruidores da natureza, traficantes de pessoas, excludentes, preconceituosos, intolerantes… a poesia que produzo é cheia de mundos verdadeiros e apesar de soar em texto para muitos é a sua única felicidade.
A gente sempre começa a escrever na adolescência. Comecei com uma carta de lamúrias a uma namorada, apesar que nesta missiva eu falava de chocolates (risos…). Mas o compromisso mesmo veio quando fui procurar de forma racional o que eu produzia. Não existe um momento para esse chamamento para a escrita, ele vem e pronto. Então, neste compromisso em escrever vieram os contatos com pessoas mágicas: Cecília, Drummond, Bandeira, Maiakóvski, Rimbaud, Baudelaire, Pound, Prévert… e as próximas (muitos destes amigos que me acompanham até hoje): Luís Augusto Cassas, Hagamenon de Jesus, Antonio Aílton, Ricardo Leão, Dyl Pires, Natan Campos, Paulo Melo, Carvalho Junior, Sebastião Ribeiro… e alguns que já partiram: Ferreira Gullar, Nauro Machado, José Chagas…
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Essa é uma pergunta que não deveria ser feita a um escritor. Respondo. Porque o estilo (não me lembro bem quem afirmou isso) é a própria personalidade, a própria pessoa. Então, não se deve comparar um escritor com outro. Imagine se podemos dizer que Cortázar era produto similar de fulano de tal? Ou, então, que Hilda Hilst nasceu de beltrano? O estilo deve ser uma coisa natural. O que não se deve incorrer é em buscar ser similar a tal escritor, pois isso é um erro grave. Desenvolver um estilo não é nenhuma dificuldade, é apenas ter o compromisso de ler muito e escrever muito. Em um determinado espaço-tempo você será o que é (aqui não estamos relativizando o tônus literário de julgamento, mas, sim, todo o processo do estilo próprio), e pronto.
Os autores citados anteriormente já deixam uma vaga pista. Mas cada um com o tempo (aí pode-se explicar o fenômeno do estilo próprio questionado) eu fui me distanciando, não da leitura, mas do que cada um tem em suas projeções poético-literárias para que eu pudesse caminhar com o meu barco.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
A Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade, por se tratar de um livro extremamente bem escrito e bem humano sob o ponto de vista da época (o mundo e a natureza humana se diluíam entre guerras e conjecturas). Acho que este livro vai atravessar os séculos e se transformar em um clássico, se é que não já não o é, pelo menos na literatura do nosso país.
Barulhos, de Ferreira Gullar, que acho que foi o último grande livro dele. Durante muito tempo li este livro e ficava me perguntando como escrever com tanta sobriedade e dedicação pela poesia e pela vida.
E, por último, História Universal da Infâmia, de Jorge Luis borges. Um livro que narra a trajetória de nós, nossas hipocrisias, falhas, descomprometimentos, canalhices… ou seja, o que de humanos possuímos. Um livro que muito abriu meus olhos para o processo de escrever e como escrever.