Bianca Gonçalves é pesquisadora, professora, revisora e poeta.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o meu dia com afazeres domésticos, como toda trabalhadora que cuida da casa. Acordo o mais cedo possível para o dia render. Priorizo a casa e, depois, começo a trabalhar no meu escritório-quarto.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto de trabalhar à noite, virando a madrugada, por conta do silêncio da rua. Mas nem sempre isso é possível. Meu ritual consiste em desligar o celular, colocar uma garrafa d’água próximo da minha mesa, e deixar ao meu alcance tudo aquilo que vou precisar no momento. Isto serve para a minha produção acadêmica, a dissertação e os artigos. No que diz respeito às crônicas e ensaios que faço para o blog, escrevo quando tenho um tempinho livre ou quando estou com algum bloqueio na escrita acadêmica. Sobre poesia, não há receita e nem ritual. Às vezes aparece uma ideia de verso quando estou lendo algum texto teórico, ou quando estou cozinhando.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Procuro escrever todos os dias, inclusive finais de semana. A meta diária depende do que estou fazendo no momento. Se preciso terminar um artigo ou um texto para apresentação, estabeleço um prazo e procuro ser rígida nisso. Nas tarefas acadêmicas, costumo ser mais produtiva de manhãzinha, período em que escrevo mais e melhor.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Começar é a parte mais difícil. Quando sinto dificuldades em começar, procuro ler autores que são referência para mim, às vezes até, por exercício, tento imitá-los. Fiz muito isso com os ensaios do José Paulo Paes, no Gregos & Baianos, que pra mim é uma obra magistral da nossa literatura ensaística. Em poemas, geralmente, começo por fragmentos que dou continuidade ao longo dos dias. Raramente termino um poema em um dia. Alguns levam meses. Minhas pesquisas em poesia costumam ser longas, e as encaro como uma espécie de entretenimento. Eu atualmente estou em uma que não faço ideia quando terminarei, pois envolve várias tradições, línguas que estou aprendendo e livros presos em acervos que sabe-se lá quando poderei visita-los.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Tento não sofrer por isso. Nestes tempos de procrastinação, que corresponde aos tempos de bloqueio, prefiro dar uma volta, andar por uma livraria ou biblioteca, caminhar sozinha. Essas fases da produção geram muitas inseguranças e, por isso, eu acabei buscando hobbies criativos que não tem nada a ver com escrita, como a costura, a colagem e a cozinha. Recortar figuras detalhadas ou cortar panos segundo moldes, não errar na costura da máquina, ou ainda, ter paciência para cortar legumes, mexer uma panela, nos ajuda a reeducar nosso olhar em prol da paciência, algo muito exigido pela tarefa da escrita que, talvez por hábito ou rotina, acabamos nos esquecendo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Dificilmente mostro, porque o palpite alheio raramente faz parte do meu processo. Minha relação com poesia é profundamente solitária, e gosto que seja assim, pois encaro como um momento de introspecção. Sou muito dura comigo mesma em revisões de trabalho acadêmico, porque também sou revisora…quando leio um texto antigo com algum erro me penalizo demais.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Jamais começo pelo computador. Tudo o que escrevo, inclusive artigos, parágrafos para a dissertação, poemas etc, começa no papel. Eu durmo com um caderno ao lado, pois sou inquieta, demoro para cair no sono, e muitas vezes levanto para escrever alguma ideia. Só depois passo para o computador. Essa coisa de escrever pelo celular não funciona para mim. Não se trata de uma romantização do papel, de uma nostalgia tosca, acho que prefiro trabalhar num primeiro momento à mão porque tenho a impressão de que escrevendo com caneta o pensamento flui mais rápido.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias quase sempre vêm de leituras. Eu mantenho uma série de caderninhos nos quais escrevo sobre o que estou lendo ou tento fazer uma desleitura do livro. Eu às vezes brinco de tentar escrever uma resenha em versos dos livros que leio. Tem alguns poemas meus que vieram disso. Acho que esse tipo de relação com poesia tem a ver um pouco com o fato de ter lido muito essa geração de poetas mais ligados ao humor, como o Leminski e o José Paulo Paes (de novo ele!). Eu não encaro poesia como um emprego, sequer como um part-time job, como fazem muitos bons poetas. Eu encaro com leveza, totalmente desobrigada, porque essa é minha válvula de escape. E acho que a minha postura poética transparece no tipo de poesia que eu faço.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Quando eu era adolescente, me lembro de ficar um dia inteiro para terminar um poema, que era, na verdade, atividade proposta pelo professor de filosofia. Nessa época, eu tinha tempo para isso. Ainda demoro muito para terminar um poema, pois não tenho facilidade em escrever. Como não posso parar um dia inteiro para escrever um poema, faço aos poucos. Alguns levam poucos dias, outros levam meses. Para as coisas da pesquisa, é relativamente mais fácil, pois trabalho com prazos e, por isso, sou mais rígida. Se tivesse de aconselhar a pequena Bianca, diria para ela terminar todos os projetos de textos em prosa ficcional que ela começou aos treze anos (naquela época eu cheguei a começar um romance). Não ter insistido na prosa me tornou uma escritora muito limitada, risos.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu primeiro livro e, até agora, único livro, é poesia porque leio muita poesia desde que me tornei leitora – e foi isso que procurei minha adolescência inteira e boa parte do que tem sido a fase adulta. Portanto, foi algo natural. Encaro meus poemas como resultado de muita leitura. Mas também comecei muita coisa e interrompi por falta de tempo. Tenho um livro de contos todo estruturado na minha cabeça, porém, falta tempo para me dedicar a ele. Tenho um romance interrompido (não o dos treze anos, um outro), que acredito que só ficará pronto aos meus quarenta anos. Tenho vontade de escrever uma peça, mas preciso estudar mais o gênero teatral. Quero muito escrever um livro de ensaios, uma coisa mais experimental, sobre a recentíssima produção literária de autoria negra brasileira, sem pesar a mão na linguagem acadêmica. Acredito que esse tem potencial para ser meu mais novo projeto.