Bia Machado é pedagoga, professora e revisora, administra a Caligo Editora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu trabalho o dia todo, então levanto me preparando para o meu trabalho de professora em uma escola municipal da cidade onde moro. Já pensei em acordar às 4, 5 da manhã para escrever por pelo menos uma hora, mas como deito muito tarde dificilmente consigo isso, salvo raríssimas exceções.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Consigo escrever quase sempre à noite. Não tenho um local isolado em casa para a escrita, então até hoje preferia escrever bem tarde, quando filhas e marido já estivessem dormindo, inclusive… E com fone no ouvido, escutando alguma música, pra me desligar ao máximo do ambiente em volta. A partir desse mês (janeiro/2019) vou transferir as coisas da editora que eu tenho, a Caligo, para um local separado, e lá pretendo ter a tranquilidade para escrever ao menos uma hora por dia. Ou melhor, por noite, no meu tempo vago. Quando vou escrever procuro pegar os rascunhos feitos e para cada texto eu produzo uma playlist, gosto de escrever ouvindo músicas que parecem ter a ver com aquele texto. O conto “O Terceiro Menino”, publicado na Antologia Exclamação (Caligo Editora, 2013), foi escrito enquanto eu ouvia o álbum “Wish You Were Here”, do Pink Floyd, várias e várias vezes, principalmente as músicas “Have a Cigar” e “Welcome To The Machine”. Isso até parece uma neura, um TOC, sei lá, mas só sei que raramente escrevo sem ouvir música quando estou no computador. Os rascunhos têm “trilha sonora” dependendo de onde eu esteja. Já rascunhei texto enquanto aguardava aluno concluir prova, por exemplo… Aí não tinha como ouvir música, rs.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Infelizmente até hoje não consegui escrever todos os dias. Durante um bom tempo, quando participava de concursos de escrita de contos em blogs e comunidades, acabava escrevendo no período que eu tinha até o prazo final para enviar o texto. Depois que passava a deadline ficava alguns dias sem escrever. Não sei se pelo envolvimento com o que eu estava escrevendo, mas passado o envio a sensação que eu tinha era a de que eu precisava tirar de mim aquelas personagens, aquele enredo, então ia pensar em outras coisas, desacelerar, ler coisas que eram diferentes do que eu tinha escrito. Mas gostaria de escrever certa quantidade de páginas por dia e acredito que isso é um hábito a ser aprendido. E eu ainda pretendo aprender a ter essa meta diária…
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Geralmente fico pensando em várias ideias, sem escrever nada. Até o momento em que uma dessas ideias começa a se aprofundar. Como se ela tomasse a frente das outras, quisesse se impor. Costumo fazer um roteiro resumido da história toda, isso no caso dos contos. Até hoje não concluí um romance sequer de todos os que eu pensei. Eu gosto da parte da pesquisa, procurar sites, textos, gosto até mesmo de pesquisar o significado de nomes, calendário permanente etc… Mas chega uma hora em que é preciso escrever e aí é preciso selecionar bem o que vai na história, de que forma vai (evitando o didatismo) e muitas vezes refaço o texto, achando que os elementos da pesquisa feita ainda não estão bem colocados no que estou escrevendo. Não é incomum eu jogar tudo fora e começar do zero um texto, se achar que a escrita não está fluindo. Para o único romance que rascunhei até hoje (sim, tenho apenas um escrito, do começo ao final, mas todo no rascunho) eu fiz um roteiro, uma linha temporal e um esquema contendo todas as personagens, como cada uma deveria ser, até idade etc. E isso me ajudou bastante.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Eu tento escrever romances desde a adolescência. Que sempre iam até, no máximo, o terceiro capítulo. E isso por achar que aquilo que eu escrevi estava uma porcaria, ou que não estava nem um pouco interessante, ou o mais frequente, surgia uma ideia que parecia muito mais interessante do que aquela na época e eu largava o texto iniciado anteriormente sem dó, rs. Por um bom tempo passei a escrever contos, evitando começar e recomeçar novos textos longos e deixá-los inacabados. E tudo isso eu só compreendi há uns três anos, quando finalmente fui diagnosticada com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), isso explicou muita coisa pra mim dessa falta de foco que não deixa de ser um hiperfoco, ou seja, o TDAH não deixava que eu me concentrasse apenas em uma coisa, um texto, um projeto. Ano passado escrevi um romance inteiro apenas rascunhado em um caderno, como citei em uma resposta anterior. Fiz isso por perceber que, estando na frente do computador, eu me distraía muito mais fácil. Agora resolvi digitá-lo e revisá-lo, pra ver como ficou. É um grande desafio, mas finalmente posso dizer que concluí um romance. Espero poder publicá-lo de alguma forma, ainda esse ano. Mas antes vou enviá-lo ao Prêmio SESC de Literatura, apenas por desencargo de consciência, já que sempre me sugeriram que mandasse algo pra esse concurso e eu nunca tinha nada concluído.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Várias e várias vezes. Sim, costumo mostrar para uma professora de Língua Portuguesa, minha amiga, que além de me mostrar errinhos que deixei para trás também me diz se está bom, se não me perdi, se ficou alguma ponta solta… Isso quando tenho tempo, porque já entreguei textos na última hora para concursos literários e foi do jeito que deu. Às vezes até dá certo, no final das contas. Um dos meus textos enviados dessa forma uma vez ficou em quarto lugar, outro ficou em sétimo… Mas é algo que me causa nervosismo e insegurança, claro, e na verdade não recomendo pra ninguém, não façam isso em casa, tenham mais calma que eu e procurem sempre ter um bom tempo para a revisão, para cortar o que não está bom, não sigam meu péssimo exemplo, por favor.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Das duas formas, mas prefiro iniciar à mão, mesmo, parece que a coisa flui mais, é bom rabiscar trechos que você lê e vê que não estão legais e escrever melhor logo em seguida… Dessa forma, sinto que ao passar para o editor de texto tenho até mais liberdade pra mexer no texto e mais confiança, pois tive mais liberdade ao rascunhar no papel.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Gosto muito de ler, ver videoclipes, assistir a filmes e séries. Não pelo enredo, mas bem mais por causa das personagens. As personagens encantadoras de uma história qualquer podem me dar ideias interessantes, não sei explicar, já escrevi um conto inspirado em um videoclipe, por exemplo. Meu primeiro conto, escrito para uma antologia de terror, foi escrito depois de eu ler um livro sobre o perfil de vários serial killers da história, escrito por Ilana Casoy. A partir dele criei uma personagem, uma jovem, inspirada no criminoso que serviu também de inspiração para o autor do livro Psicose, que depois foi filmado pelo Hitchcock. Uma personagem interessante me inspira demais. Então quando preciso escrever algo, ou quero escrever alguma coisa, tiro um tempo para assistir a essas coisas e ler.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
De alguma forma, amadureci, não tem como negar, e ainda bem que isso aconteceu. Os textos que escrevi na adolescência eu jamais escreveria agora, nem com relação a enredo e muito menos quanto à estrutura. Quando deixei de escrever só para mim, quando comecei a enviar textos para outros lugares, para que gente que não me conhecia lesse meus escritos, lá em 2009, ao reler esses textos hoje não ficou nem um pouco satisfeita, nem parecem ter sido escritos por mim! Acho que fui modificando minha escrita, de certa forma para melhor, mas sei que ainda é preciso praticar muito pra ficar da forma como gostaria que minha escrita fosse. Então, o jeito é escrever. E claro, há o risco de nunca ficar realmente bom, mas um dos motivos de eu escrever às vezes é para tratar das coisas que eu sinto, escrever, pra mim, é uma terapia sem muitas pretensão, a não ser a de me divertir criando uma história e personagens, só para relaxar mesmo.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu gostaria de algum dia escrever um roteiro de um filme. Leio roteiros desde criança e essa tipologia me transmite conforto. E já escrevi o roteiro de uma peça de teatro, encenada na faculdade. Uma versão cômica do conto do Pequeno Polegar, rssss… Logo eu, que morro de medo de escrever textos de humor! Um livro que eu gostaria de ler e ele ainda não existe? Um romance de época escrito por mim. Seria a realização de algo que começou na infância, por isso seria emocionante.