Bia Bittencourt é curadora e editora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu caio da cama sempre achando que estou atrasada, preciso preparar um café arrumadinho na mesa, um minuto depois já estou com o computador aberto – no caso hoje, respondendo essa entrevista. É péssimo, faz mal para os olhos, cabeça. Hoje vou comprar uma bicicleta e espero que isso mude.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Aqui na Espanha, principalmente numa cidade pequena como a que eu moro, tem a hora da siesta que os espanhóis levam bastante a sério. Para mim essa é a melhor hora, quando tudo está fechado, silencioso e dormindo, mas está sol! Quase sempre saio, vou para um parque, não tem ninguém, vou pro museu, não tem ninguém, vou pra biblioteca e não tem ninguém.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depois que me mudei de São Paulo fiquei muito mais produtiva. Tenho menos coisas para me blindar e menos problemas para lembrar, portanto, consigo escrever projetos inteiros em um só dia. Incrível como a cidade grande bagunça nossa capacidade de concentração.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Nunca escrevi textos muito longos. Sou mais uma gestora de projetos de escrita, uma editora ou uma proponente de projetos (que sim, claro, precisam ser escritos). Meu processo começa no caderno, anoto várias palavras soltas que vão saltando na mente. Depois vou no computador, abro o caderno e não entendo nada do que escrevi, minha letra é incompreensível. Começo tudo de novo e então vem ideias ainda melhores. Vou abrindo espaços entre as palavras e formando frases, vou abrindo espaços entre as frases e formando parágrafos. Depois misturo tudo, bagunço mais um pouco, introduzo, concluo e assim tens um projeto!
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Indo pra roça! Demorei demais pra descobrir essa solução. Veja você mesmo, José, seu pedido de entrevista foi quase no século passado e agora, que estou em paz, consegui lhe responder.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Detesto revisar, sou muito ansiosa, muitas vezes nem leio e já saio enviando. Eu gosto de ler o texto em voz alta para o meu namorado na expectativa de que ele esteja prestando atenção (geralmente está e me elogia, é apenas o que espero!).
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Caderninhos e garranchos, depois computador. Minha relação com a tecnologia é mais intensa do que só escrever. Eu também diagramo tudo, faço o leiaute, imprimo, monto. É a diversão de se auto-publicar. Eu também sou montadora de vídeo, que de certa forma, é um outro jeito de escrever histórias.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Hoje em dia sei que minhas ideias vêm do que eu já vivi, estudei, do que eu sei fazer bem. Elas já vêm pré-selecionadas para eu saber o que fazer com elas, uma grande conquista! Acho que não cultivo nenhum hábito de criatividade não, sair na rua e olhar pra cara da gente toda já é uma fonte inesgotável, não precisa muito.
O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu não quero voltar à escrita dos meus primeiros textos. Eles eram muito ruins e eu prefiro esquecê-los.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
No momento tenho uns duzento projetos em mente, gostaria de fazê-los todos, mas mal sei do que eles tratam. Estou mais exigente comigo mesma, agora pondero muito o que coloco no mundo, é muita responsabilidade. Acho que eu gostaria de desler algumas coisas. Estou contente com as que já existem por aí para eu escolher. As redes sociais acabaram comigo, me dá náuseas essa cacofonia de vozes, desinpirador. Estou lendo o Auto-de-Fé, do Canetti, e o personagem Kien carrega no bolso um caderninho onde ele anota (mas não lê) todos os disparates que presencia para assim, poder esquecê-los. Estou nessa onda.