Bella Marcatti é atriz, improvisadora e escritora.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Costumo ser bem preguiçosa de manhã. Demoro pra “pegar no tranco”. Gosto de tomar um café da manhã bem longo, e tento não pegar no celular antes disso. Nem sempre consigo, mas é uma busca frequente. Após o café, pego meu caderno da vez, e ali mesmo na mesa da cozinha escrevo 3 páginas inteiras, meio no fluxo, sem ficar pensando muito. Saem vários desabafos e reclamações ali, e aí sim parece que estou pronta para começar o dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
À noite com certeza é o meu melhor momento. A rua está mais silenciosa, não tem obra do prédio ao lado, nem moto e carros passando o tempo todo. Eu gosto de acender um abajur, pra ficar uma luzinha mais gostosa, às vezes acendo um incenso, e sempre deixo o celular no silencioso e longe de mim. Tenho gostado de colocar um som de “ruído branco” nos fones de ouvido. Parece que entro em outra dimensão.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Todos os dias escrevo as 3 páginas matinais. Disso eu não abro mão, e quando não faço sinto a maior falta. Essa escrita matinal não é com nenhuma pretensão de ser boa, não é para ser lida, revisada ou publicada. Serve apenas para minha limpeza mental. As outras escritas, as “publicáveis”, vamos dizer assim, costumam acontecer em rompantes. Não escrevo todos os dias, me deixo bem livre para realmente sentir vontade de escrever. Tem dia que não tô afim, e não me cobro produtividade nesse sentido. Sei que quando a vontade vem, sigo direto até terminar aquela história, ou aquele conto, ou aquele capítulo. Não gosto de deixar nada inacabado pois a chance de eu voltar naquilo depois é muito remota.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Eu sou bem desencanada com a forma de escrever. Não tenho bem um método, um processo específico. Eu simplesmente sento a bunda e deixo sair. Como trabalho com improvisação teatral (essa é a minha verdadeira profissão, a escrita para mim é um hobby sério), a preparação, compilação de notas, pesquisa, etc, não fazem bem parte da minha realidade. Eu sei escrever, isso é o que importa. Então eu observo demais tudo o que se passa ao meu redor, as pessoas, as histórias, as falas, as situações, e todo esse repertório vem naturalmente no momento da minha escrita. Pra mim isso funciona, o texto sai de uma maneira mais fluida do que se eu ficasse parando para olhar anotações ou presa a algum tipo de fórmula ou processo.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Travas de escrita sempre acontecem e acho que é normal. Eu costumo deixar o texto como está, naquele ponto, e volto a ele depois de conversar com algumas pessoas sobre o tema que estou escrevendo. Não gosto de contar que estou escrevendo algo relacionado, simplesmente jogo o assunto na roda e deixo rolar pra ver o que sai. Muitas vezes uma conversa com alguém de fora pode ajudar a clarear ou dar uma boa ideia.
Sobre procrastinação, se você aí que tá lendo essa entrevista e souber dicas para evitá-la, me conta? Também preciso dessa ajuda. Tem dia que não dá vontade mesmo, né? A única coisa que eu faço é tentar não ficar me culpando. Tento ser legal comigo na maioria das vezes. Escrever tem que ser prazeroso pra mim, se começa a virar uma obrigação chata, aí eu não quero mais. Pra quê ficar sofrendo?
Sobre o medo de não corresponder às expectativas… Bem. Eu como trabalho como atriz e improvisadora, estou muito acostumada a não agradar sempre, a lidar com o erro e seguir o jogo. Sempre me dedico muito e tenho a consciência tranquilíssima de que estou entregando o melhor dentro da minha possibilidade daquele momento. Agora, se alguém criou expectativas sobre isso… pode parecer grosseria da minha parte, mas… o que eu posso fazer? Já dizia aquele filósofo legal com nome difícil: “Crie plantas, crie caso, crie um unicórnio, mas não crie expectativas.” (NOME DIFÍCIL, Filósofo)
Quanto a projetos longos, não é uma ansiedade que eu tenho. Sei o tamanho da minha capacidade e sei o lugar que estou na escala ESCRITORA. Ainda falta um pouco mais de treinamento. Em breve, quem sabe? Mas estou muito tranquila com relação a isso. 🙂
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depois de escrever eu leio em voz alta, interpretando. Se me soa bem aos ouvidos, por mim tá pronto. Às vezes vou parando a leitura para completar alguma ideia ou corrigir detalhes. Não costumo revisitar os textos depois de muito tempo, talvez uma ou duas vezes antes de publicá-los. Sempre mostro para o Victor, meu namorado e parceiro, que é um escritor mais experiente que eu, e ele sempre me dá apontamentos muito legais que acrescentam muito.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Tirando as páginas matinais, que faço à mão, de resto faço tudo no computador. Acho que as ideias fluem bem dos dois jeitos, mas como os dedos estão mais adaptados ao teclado, sinto que rendo mais digitando do que escrevendo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Tudo para mim é repertório. Absolutamente tudo. Como já disse, trabalho com teatro e improvisação, então tudo o que eu vejo, ouço, sinto, guardo no arquivo. Na hora da cena é só sacar e usar. Na hora de escrever também. Eu vejo muitos filmes, séries, eu leio muito. Fora da pandemia eu gostava de sair por aí sem celular e ficava observando as pessoas, ouvindo trechos de conversas, imaginando situações. Eu sempre gostei demais de viajar, então conhecer lugares novos, culturas diferentes, comidas exóticas, músicas, enfim. Tudo pra mim é repertório, as minhas inspirações estão ao meu redor o tempo todo.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Acho que estou menos cafona agora! Hahahahahaha! Sinto que só agora começo a encontrar uma voz que é mais a minha cara, que expressa bem a minha personalidade e o meu jeito de pensar das coisas. Tenho recebido mensagens das pessoas dizendo que se identificam com meus textos, e acho que isso é um resultado desse amadurecimento e da minha decisão de bancar um estilo próprio e não um formato que eu aprendi algum dia. O que eu diria para mim mesma com 16 anos seria, “Bellinha meu amor, tu não precisa escrever só sobre corações partidos e sofrimentos terríveis!” Hahahahaha!
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Pode parecer piegas, mas neste momento estou exatamente onde eu gostaria de estar. Estou lançando um zine com um amigo ilustrador maravilhoso e estamos muito felizes e orgulhosos com a nossa publicação. É um projeto novo que tem a nossa cara, e no momento eu não consigo pensar em nada pra além disso que possa me satisfazer mais.
Um livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe? Bom. Não sei. Eu tenho lido algumas autoras brasileiras contemporâneas e tenho me surpreendido muito!! Sinto que elas estão fazendo existir tudo o que nem sabia que queria ler.