Beatriz Amaro é mestranda em Cultura e Comunicação na Universidade de Lisboa e colunista no Observatório da Comunicação Institucional.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Além do fiel café preto, cada manhã se desenrola de maneira diferente, a depender dos compromissos do dia. Sou apegada ao conforto e aos hábitos, mas não me é fácil criar uma rotina fixa com as demandas que tenho, relativas ao mestrado e à vida profissional.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não sou nada notívaga – prefiro trabalhar de manhã ou à tarde. A noite é preciosa e, nos dias sem aula, reservada exclusivamente para o descanso. Meu ritual de preparação para escrever o que quer que seja inclui invariavelmente a pesquisa, mas muda de acordo com o texto. Se vou escrever para minha coluna no Observatório da Comunicação Institucional, faço resumos escritos dos temas que quero abordar e desenrolo raciocínios a partir deles; para uma matéria, reportagem ou perfil, costumo imprimir as decupagens das entrevistas e criar um esboço do corpo do texto no verso das folhas; uma resenha requer apenas que eu tenha em mente as constatações que tive durante a leitura do livro, artigo, etc. Dificilmente passa disso; no caso de um conto, crônica ou qualquer texto ficcional, coloco tudo no papel e deixo esfriar. É raro que eu consiga escrever de primeira – para ser sincera, é raro que eu consiga terminar. Ficções me são mesmo muito custosas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Costumo escrever em períodos concentrados. Não estabeleço metas diárias porque sei que dificilmente vou cumpri-las. Lido bem com a pressão, e os textos dos quais mais me orgulho costumam sair quando escritos perto do deadline. É importante ter o prazo em mente, mas estabelecer metas pode fazer com que eu desrespeite meus limites e acabe por criar algo inorgânico e mecânico.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Gosto de pensar cronologicamente. Para além de uma linha do tempo, costumo determinar quais fatos são imprescindíveis para a compreensão do texto que estou a escrever – há sempre uma informação sem a qual não se pode entender a próxima e assim sucessivamente. Amarrar as ideias não é tarefa fácil, mas, para mim, terminar um texto é muito mais difícil que começá-lo, uma vez que eu mesma crio a expectativa de causar um impacto no leitor quando a leitura acabar – e por vezes não sei como fazê-lo (daí minhas animosidades com a criação de ficções). Mas sai. Há de sair.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A maior desvantagem de não escrever um pouquinho que seja diariamente é que, quando o deadline está próximo, não há espaço para travas na escrita: o texto precisa ficar pronto. No meu caso, esta pressão muitas vezes me força a pensar rápido e a buscar soluções criativas, coisa que eu não faria se tivesse todo o tempo do mundo nas mãos. Deixar de procrastinar ainda é um desafio que muitas vezes me impede de produzir o melhor dentro do que sou capaz. Começar a escrever com grande antecedência não me é natural, mas sei que há um equilíbrio e estou em busca dele.
Quanto às expectativas, há duas pessoas com as quais me preocupo: eu mesma e meu pai, também jornalista, que substitui o editor que não tenho em nenhum dos projetos com os quais estou envolvida. É um longo processo até que os dois estejam satisfeitos – quando ficamos… -, mas internalizei há algum tempo que não se pode viver à espera de corresponder exatamente às expectativas de alguém. Quando me esforço, revejo e reescrevo até não conseguir mais sequer olhar para o texto, dali em diante é tentar tirar leite de pedra. É quando envio ao meu pai, que faz apontamentos e me ajuda a melhorá-lo. Normalmente nós dois ficamos contentes com o resultado final, mas, mesmo quando um não está, procuro reconhecer quando atingi o meu limite.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Costumo deixar o texto cozinhar pelo menos de um dia para o outro antes de bater o martelo e decidir que terminei por ali. Às vezes escrever é desgastante e inviabiliza uma revisão precisa. No dia seguinte, já com a cabeça no lugar, leio com atenção para ver se quero alterar detalhes ou mesmo a estrutura geral do texto.
Como disse na pergunta anterior, sempre mostro ao meu pai. Recentemente percebi o valor de mostrar para outras pessoas também, como minha mãe, colegas de profissão, amigos, etc. É fundamental reconhecer que o texto é escrito para ser compreendido pelos leitores, cujos perfis nunca são iguais, por isso mostro aos mais próximos para avaliar os feedbacks que me dão antes de publicar qualquer coisa.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Meus apontamentos, tópicos e pesquisas são escritos no papel. Escrever me ajuda a fixar o conteúdo e a visualizar frases, parágrafos ou mesmo as conexões que quero fazer ao longo do texto. Mas este hábito não tem a ver com uma relação problemática com a tecnologia – pelo contrário, nunca me passou pela cabeça escrever um texto inteiro num bloco de notas, já que a máquina é mais apta para responder às (muitas) alterações que faço ao longo da escrita.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias surgem quando me deparo com algo interessante e que me chame a atenção. Varia muito: pode vir de um livro, uma série ou um artigo que eu esteja lendo; pode ser um tópico que um professor aborda durante as aulas e sobre o qual eu desejo me aprofundar; pode ser alguém que me deixa curiosa e eu penso valer a pena explorar a história desta pessoa em um perfil. Particularmente, não me considero uma pessoa criativa – e é justamente por isso que não me fecho a referências externas e estou constantemente à procura de novos ares para respirar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
A pesquisa, antes rara, tornou-se parte fundamental do processo. Passei a respeitar meus limites e a não exigir uma perfeição inalcançável. Hoje procuro estar completamente imersa na escrita, focada em cada palavra que escolho, além de dar muito mais importância à revisão e tentar olhar para o texto como quem lê e não apenas como quem o escreve.
Diria à Beatriz do passado que é impossível agradar a todos, que confiar nas suas habilidades e capacidades é importante e que críticas construtivas não são ofensas gratuitas.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Meu objetivo é trabalhar em um veículo de comunicação no qual possa explorar o estilo que gosto, que é o jornalismo literário. Ainda não aconteceu. Antes de vir estudar em Lisboa, eu alimentava um projeto de nome Retratos em Branco, no qual escrevia perfis sobre pessoas relevantes para a cultura da minha cidade, Londrina, no Paraná. Abandonei temporariamente porque a distância me impede de dar continuidade. Quanto ao sonho de ser efetivamente repórter, continua em pé. Que ganhe asas e voe.
A última pergunta me parece quase impossível responder, mas ando afeita a ler escritores portugueses contemporâneos, como Valter Hugo Mãe e Afonso Cruz. Gostaria de ler um livro-reportagem de qualquer um dos dois, que costumam escrever romances.