Aya Imaeda é bióloga formada pela USP, doutoranda pela Universidade de Nagoya, autora de “O segredo do kelpie” (Draco, 2017).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia com minha gata me lambendo e dando patadinhas na minha cara para me acordar. Estou morando com ela no Japão para fazer meu doutorado, então minha rotina é trabalhar no laboratório das 9h às 19h30, 20h.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Adoro escrever de noite/madrugada. Meu ritual ideal seria tomar banho de mar pensando na história em andamento, ouvir música que combinasse com a ambientação, reler o capítulo anterior e, então, escrever. Porém, a verdade é que, se eu dependesse de qualquer ritual, mesmo um mais realista, não escreveria nunca. Apenas releio a cena anterior e continuo de onde parei.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Já tentei escrever todos os dias e criar metas de palavras, mas é impossível no meu estilo de vida atual. Outro dia, trabalhei feito louca o dia inteiro e fiquei até as 22h no laboratório dissecando cérebro de peixe. É o tipo de dia em que não tenho como escrever. Mas, em dias mais tranquilos, eu roubo uns minutinhos aqui e outros acolá, geralmente depois das 19h quando o laboratório está mais tranquilo, e vou avançando nas minhas histórias de pouquinho em pouquinho.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O começo é caótico. Escrevo cenas soltas, crio personagens, reúno ideias, tudo ao mesmo tempo. Quando decido levar a sério uma história, mergulho fundo na pesquisa. Uma vez que eu tenha uma base sólida para o enredo, começo a escrever pelo início cronológico, e vou incorporando algumas das cenas já escritas e descartando as que deixaram de fazer sentido. O começo é sempre fácil e empolgante. Acho o meio mais difícil.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Ainda estou aprendendo a lidar, inclusive lendo as dicas dos outros autores entrevistados aqui. Uma estratégia que uso quando estou meio travada é escrever o conteúdo sem me atentar à forma. Por exemplo, algo como “Ele corre. Os samurais o veem. Vai morrer não importa o que faça; escolhe morrer lutando. Pensamentos. Para onde foi Fulano?”. Como é apenas uma bagunça que vou apagar depois, sinto-me livre da pressão de escrever bem, e a cena acaba fluindo. Depois, volto e arrumo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Meu primeiro livro, “O segredo do kelpie”, passou por seis revisões principais: uma para a jornada interna dos personagens; uma revisão geral da estrutura em que cenas mudaram de lugar, foram adicionadas ou apagadas; uma para procurar furos criados pela revisão anterior; uma revisão focada no texto, não na história; uma de acordo com as sugestões da leitora crítica que contratei; uma de acordo com as sugestões recebidas da Editora Draco. Fora essas (e outras revisões menores) feitas por mim, ainda teve a da revisora da Draco antes do livro ser finalmente publicado.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Prefiro escrever no computador, mas sempre carrego um caderninho também. Quando eu fazia matérias ruins na faculdade, escrevia no caderninho durante a aula, feliz da vida por usar aquele tempo de maneira produtiva. Meus amigos depois vinham me perguntar como eu conseguia anotar tanta coisa de uma aula tão ruim.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Consumo muita ficção em diferentes mídias, e a maioria das ideias surge dessa mistura. Também estou sempre lendo artigos sobre escrita, o que acaba sendo um bom exercício para a criatividade.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Os primeiros livros não foram escritos com a intenção de publicação, então havia pouco planejamento, eu escrevia o que me dava vontade. Eu apenas diria para me divertir. Essa experimentação toda no começo serviu para eu aprender o que funciona melhor para mim.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu tinha planos de escrever um livro bem bobo sobre um gato tentando destruir o mundo, e parte do plano envolvia colocar um líder fascista na presidência do Brasil que fosse manipulado pelo governo americano. De repente, essa premissa perdeu a graça.
Puxa vida, não sei que livro eu gostaria de ler. Talvez um ambientado no norte da Argentina, com suas cidades indígenas perdidas e lendas locais. Fiz meu mestrado lá e tenho carinho pela região.