Aurea Domenech é artista plástica, poeta e contista.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o meu dia escrevendo. Acordo às 4 horas e inicio a escrita de poemas. Em geral, sonetos. Fiz isso durante todo o ano de 2018 e continuei em 2019, o que resultou nos 140 sonetos que estão em meu quinto livro “Vem do Profundo Lodo a Flor de Lótus”, com lançamento previsto para setembro próximo, pela Editora 7Letras, e noite de autógrafos na Livraria Argumento. A rotina de escrever durante a madrugada, até surgirem as luzes da alvorada, acompanha-me há muitos anos. Creio que no silêncio e após despertar tudo é mais claro, mais nítido, mais belo.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
É realmente durante a madrugada que melhor escrevo. As ideias estão nítidas e latentes. Vez ou outra, venho de um sonho direto para o computador. Já sonhei com um soneto completo, que está no novo livro, e que me veio em sonho. Chama-se “Volte Aqui para Eu Poder Cantar”. Entretanto, posso escrever a qualquer hora do dia, não tendo ritual algum para tal, senão uma xícara de café.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo diária e ininterruptamente. A minha meta é escrever um romance. Contudo, para tal é necessário tempo e, como trabalho no Itamaraty, no momento só posso escrever poemas, pois a Poesia é rápida para ser escrita. O romance requer muito tempo, muita dedicação, e deve ser escrito sem pausas longas. Escrevo contos também, que já foram publicados em Portugal. Poemas foram publicados em revistas de arte nos Estados Unidos, pois escrevo em inglês. Escrevo de dois a cinco sonetos nas madrugadas. Após, apronto-me para sair para o escritório. Ali, quando sobra tempo, escrevo mais alguns.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O meu processo de escrita é um exercício que faço desde os onze anos de idade. Na adolescência, não acordava cedo, mas já escrevia muito. Hoje tenho de acordar cedo para poder conciliar o trabalho burocrático e a Literatura e mais, a Pintura, pois sou artista plástica também.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não lido com nada disso. Não tenho tais travas. Alguém me disse, há alguns anos, que um soneto tem de ser escrito pausadamente, lido e relido várias vezes, recitado e cantado tantas vezes mais, com o que não concordo. Uma escrita criativa – como um soneto – não pode demorar. É como um grito aflito de socorro que deve ser dado incontinenti. Não é uma pedra bruta que deva ser burilada, ou uma pérola que tem de esperar para surgir da ostra ou o carvão que deve ser pressionado para dele nascer o diamante. O poema é em si um rubi, a pérola que surge de repente, o diamante mais brilhante e delicado, que não passou por atropelos.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Umas poucas vezes os reviso. Mostro a todos. Publico-os no Facebook. Nada pode esperar por nada.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
No que estiver por perto. Estava, semana passada, em Chicago, e não levara computador. Escrevi a caneta em papel almaço, como costumava fazer na infância e na adolescência. Tinha sempre por perto uma resma de papel almaço bem branquinho e sem pauta por perto. Hoje escrevo mais no laptop e vejo que com a ajuda da tecnologia podemos ser mais rápidos e economizamos papel, contribuindo, assim, para a preservação do meio ambiente. Sobre isso escrevi um longo poema, que abriu a Feira Internacional do Livro de Lomé, no Togo, vertido em francês por nosso Embaixador Antonio Carlos de Salles Menezes e pela diplomata Railssa Alencar. Lido por nosso Embaixador para centenas de pessoas na abertura da Feira, “Certidume” é um dos poemas ecológicos que constantemente escrevo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Boa questão! Como surgem as minhas ideias? Como sabê-lo? Meus hábitos são simples, porém creio que algo me ajuda: as viagens. Elas dão ritmo e colorido a tudo que faço. Conheço os Estados Unidos, tendo visitado 43 estados norte-americanos e vivi em Chicago, tendo estudado Belas Artes na School of The Art Institute of Chicago. Convivi com os indígenas das tribos Navajo e Hopi do Arizona. Estive hospedada em um hogan, a oca dos Navajo, em 2008. Viajei por muitos países na América Latina, com exceção do Peru, da Bolívia e do Equador, que ainda não conheço. Estive em Honduras e Belize e quase aprendi a falar em Dangriga. Viajei por todo o Brasil, à exceção do Mato Grosso e da Amazônia, que pretendo conhecer em breve. Fiz muitos poemas para a Bahia, a minha adoração. Conheço muitos países da Europa e vivi em alguns deles. Fui Vice-Cônsul em Singapura. Assim, dessas viagens vem, sem dúvida, muito de minha inspiração.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Nada mudou. Com o tempo, porém, fiquei sabedora de que escrever é como um hábito qualquer no qual, ao longo do tempo, vai-se adquirindo prática e fica cada vez mais fácil escrever.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Esta é a mais bela pergunta. E também a mais difícil. O livro que “ainda” não existe deve ser o meu próprio: um romance de incentivo à alegria. Assim são os meus versos e contos também: povoados de felicidade. Li, recentemente, que Sthendal dissera que a beleza é uma promessa de felicidade e que João Gilberto o teria refutado com a frase: felicidade é o amor que quase ninguém conhece. Eu conheci um amor. Ele se foi. Eu fiquei, para escrever sobre ele. Ele era a beleza e a felicidade conjugados.