Astier Basílio é poeta, escritor e dramaturgo.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Varia muito. Gosto de rotina, mas os dias não são iguais. Até dois meses atrás, minha rotina era acordar às 8:00. Ter uma margem curta de tempo para fazer o café da manhã e me arrumar para a aula que começaria às 9:00 e seguiria até às 14:00. Estudei russo por 12 meses, em Moscou. Vivi num alojamento. Nesse período, dividi, alternadamente, quarto com gente de todo mundo: um austríaco, um chinês, um belga e um vietnamita. Nesse período eu escrevia à tarde. Revisei um romance (que havia sido finalista do prêmio Sesc ano passado), um livro de contos e uma peça infantil, bem como preparei a edição de um livro de poemas, a ser lançada agora, em agosto. Até semana passada, integrei o painel crítico do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto. Minha rotina era ver peças e ter de acordar cedo. O café do hotel encerrava às 10:00. À tarde, escrevia as críticas. Minha rotina matinal inclui atividade física. Natação, academia. Coisas assim.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não tenho uma hora especial. Sou disciplinado. Me programo para escrever e me encaixo nos horários. Não acredito em rituais, razão pela qual adoro escrever de encomenda. Acredito em disciplina. Sobretudo quando se escreve prosa e teatro. A poesia não. Tem seu próprio tempo. Sua própria ordem.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Estou com um livro de contos e um romance com os quais venho trabalhando a dois anos. No período em que os escrevi, mantinha uma rotina diária de escrita. Me punha ao exercício de escrever todos os dias. Em manuais, recomenda-se que ao se começar um romance não se deve interromper o fluxo. Resolvi desobedecer isso e encontrei o meu próprio ritmo. Idas e vindas nas quais encontro a minha forma de criar. Não me perdi e consegui concluir o trabalho. Com revisão, a meta fica mais clara. E é o que venho fazendo nos últimos tempos, revisando material antigo. Cheguei a traçar uma meta de revisar dez laudas diárias, por exemplo. E segui à risca.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Uso e não uso notas. Com poesia, quando experimento trabalhar com monorrimas toantes, por exemplo, listo em uma fileira as palavras tônicas e as átonas. Crio um universo léxico. Mas há poemas cuja base vem de outra ordem: de uma imagem, de um pensamento. Na ficção, a maioria das vezes, me valho de notas. Trago para escrita um hábito da minha prática teatral, que é o fazer laboratórios. Antes de preparar um espetáculo, faz-se uma pesquisa. Vê-se filmes, lê-se sobre o assunto. Funciona comigo algo semelhante. Como a não ficção é a base do meu trabalho, então, há um período em que minha curiosidade fica livre e desgarrada. É a parte mais divertida do processo todo. Preciso responder as minhas perguntas. E na travessia foi encontrando elementos que tem a ver com o que quero dizer. O processo todo, de alguma forma, vai delineando o trabalho.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
O laboratório a que me referi na pergunta anterior cria uma atmosfera, me deixa envolvido de tal forma que eu não antecipo os processos. Mesmo que sinta vontade de escrever, sigo com a pesquisa. De modo que quando começo a escrever é para saciar uma vontade que foi cativada antes. Quanto ao medo de não corresponder às expectativas, não tenho medo. Nem expectativas. Escrevo. E só. Quanto a projetos longos, costumo estabelecer cronogramas. Programo. Não fico ansioso quanto a isso. Ter publicado muito novo (meu primeiro livro foi aos 19 anos) me ajudou a ter paciência e a saber esperar.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Tenho e preciso de interlocutores. Não vejo problemas em submeter meu trabalho a outro olhar. Fiz isso sempre. A revisão, muitas vezes, advém desse movimento. Há sempre uma conversa. E reescrevo muito em função disso. Como falei antes, há dois anos venho revisando um romance e um livro de contos. O tempo deles ficarem prontos? Muitas vezes é preciso finalizá-los para concorrer em alguns concursos. Apesar de ser um meio com problemas e que não assegura a qualidade ou a ausência desta, sigo submetendo meus trabalhos a avaliações públicas.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
À mão só poesia. E nem sempre. Às vezes, escrevo direto no computador. Me dou bem com a tecnologia. Costumo escrever em arquivos no Google Docs. A ideia de que posso acessar meus trabalhos em qualquer plataforma física me interessa.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Para ficção e teatro, da história. O que aconteceu, por vezes, é mais absurdo e interessante do que nossa invenção. O estatuto de verdade, as versões de um fato, o que se esconde por trás de mitos, isso me desperta a atenção. E é daí que vêm as ideias para boa parte do que eu escrevo. Poesia, não. É estar atento ao mundo ao redor. Manter o olhar aguçado. Procuro me aprofundar em assuntos e temas que me interessam. Sobretudo não se conformar. Não olhar do mesmo jeito.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Escrevo poesia desde os 14. Publico desde os 19. O que mudou? Iniciei com um apuro técnico e formal. Herança da tradição oral nordestina. Do cordel e da cantoria, minhas bases de formação. Pude entender e ampliar minhas leituras e visão de mundo. A mudança ao longo do tempo pode ser verificada pelo fato de que eu tentei equilibrar a beleza à verdade.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um ciclo histórico de peças de teatro sobre o poder no Brasil. Uma fantasia. Algumas ideias sobre livros de contos. Algumas ideais sobre romances. Que livro eu gostaria de ler e ele ainda não existe? Uma biografia da amizade conflituosa entre Meyerhold e Stanislavski. Esse aí eu pretendo escrever um dia.