Arzírio Cardoso é poeta e cronista, autor de Bromas & Bromélias.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Dou aulas de manhã. Quando não trabalho, acordo muito cedo para ler. Às vezes, para escrever. Mas escrevo melhor em outros momentos do dia.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A maior parte da minha produção é feita de dia. É o período em que meu cérebro funciona melhor, em que as ideias fluem e a estruturação delas acontece mais naturalmente. Há um certo glamour em se declarar escritor notívago, em ostentar esse resíduo romântico que rescende a tabernas e tuberculose, mas definitivamente esse não é o meu caso.
Tampouco tenho algum ritual preparatório de escrita. Se uma ideia vem, não faço nem alongamento, vou direto para a luta vã. Sou bastante pragmático quanto a essas questões e sou absolutamente destituído de qualquer misticismo e superstição que tendam a transformar escrita e escritor em entidades mágicas e especiais. Mas (se isso pode ser chamado de preparação) o que tenho são ferramentas de rascunho sempre à mão, para que a ideia não se perca quando surgir.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando estou escrevendo, concentro todas as energias naquele momento. Os desdobramentos de uma ideia inicial são mais abundantes no período imediatamente posterior à aparição dessa ideia. Me parece que não dá para deixar um poema para o outro dia. Talvez ele até seja finalizado, mas certamente não com a mesma potência daquele impulso inicial. Com a crônica, acontece o mesmo.
Não tenho metas diárias. “Meta” é uma das palavras mais feias da língua, pela relação íntima que tem com outras, como “mercado”, “produto”, “empresa”, “corporação” etc.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Me envolvi bastante com pesquisa quando estava escrevendo meu segundo livro de poemas, o Cartógrafo de Dunas, lançado pela Editora Penalux. Eu precisava de muitas informações a respeito de clima, relevo, fauna e flora de regiões desérticas, pois o livro trata poeticamente de analogias entre a vida no deserto e a vida humana. Mas não havia um movimento da pesquisa para a escrita, e sim tudo acontecendo ao mesmo tempo. Às vezes era a escrita do poema que pedia uma pesquisa complementar. Vinha a pesquisa e os ajustes necessários eram feitos. Num poema chamado As tempestades de areia, por exemplo, precisei pesquisar nomes de ventos que sopram no deserto do Saara. Mas isso só se deu quando o esqueleto do poema já estava de pé.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Já fiquei quatro anos sem escrever um único verso, uma única linha. Parece um exagero de tempo, mas eu acho natural. Todos os processos que depois me levariam à escrita do meu livro de estreia estavam inconscientemente fermentando em minha mente nesses momentos aparentemente não produtivos. O trabalho do escritor se dá em dois níveis, um deles inconsciente, e nem sempre esse trabalho vai se refletir em escrita imediata. Então em mim essas tais travas e a procrastinação não causam angústia e desespero. Talvez devessem causar, talvez eu produzisse mais diante do desespero e sob pressão autoinfligida, mas não acontece comigo.
Quanto a expectativas, penso ser impossível existir um escritor que não as tenha, porque sempre se escreve para alguém. Não acredito muito nessa de “ah, escrevo para mim mesmo”. Quem escreve para si mesmo, fica no diário. Então escrevo sempre pensando que um leitor muito melhor do que eu vai ler aquilo. É a única pressão que eu me imponho e que serve para estabelecer critérios de qualidade e dificuldade.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depende do gênero. Na poesia, dificilmente faço revisões exaustivas. Boto os olhos e principalmente os ouvidos nela e sei o que vai bem e o que vai mal. Já na crônica, o processo de revisão é mais demorado e quase sempre peço para que Ana, minha companheira, as leia e opine sobre.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Hoje essa relação é bastante pacífica. Já fui muito chato em relação a computadores e tecnologia e achava, num conservadorismo besta, que escrita tinha que ser manual e fim de papo. Mas a história (como o pop) é um rolo compressor que, com exceção do Dalton Trevisan, não poupa ninguém. Apesar de alguns rascunhos serem feitos à mão (ou do jeito que der), escrevo praticamente só no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As ideias vêm da vontade de escrever. Há um direcionamento voluntário de energia nesse sentido (nesse caso, literário), então é natural que ideias literárias apareçam.
O principal hábito é o mais óbvio: a leitura. A ideia de um escritor que não lê é tão inconcebível que não concebo. Dizem que atividades físicas e boa alimentação são companheiros da criatividade. Tenho falhado miseravelmente nesses dois quesitos, mas ainda não tive (pelo menos não percebi) nenhuma perda de capacidade criativa.
Jogo xadrez, o que dizem ser bom para manter o cérebro ativo. Mas não jogo por causa da escrita.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Antes eu só escrevia com caneta e papel, então é uma mudança de processo migrar para o computador. Certamente o suporte escolhido exerce influência sobre o resultado final de um texto, mas é algo que eu não consigo mensurar.
Outra mudança aconteceu com meu ouvido: melhorou. Antes eu não percebia que minhas influências literárias se faziam sentir de maneira exagerada naquilo que eu escrevia, o que é um baita problema, pois não quero ser o novo não sei quem. Com o apuro da percepção, algo que acontece naturalmente depois de anos de labuta, as inevitáveis influências estão muito mais diluídas.
Não sei se daria algum conselho para o escritor que eu era há anos atrás. Tudo que fiz lá me trouxe ao aqui, e gosto do aqui. Eu precisava escrever aqueles textos ruins, como parte fundamental do caminho. Não há saltos no mundo da escrita. Tudo é lento e eu gosto que seja assim. Elimina os apressados.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Talvez o projeto da escrita de um romance. Escrevo predominantemente poesia e crônica, dois gêneros em que a síntese é característica fundante. Por isso tenho curiosidade em saber como seria me aventurar por gêneros de maior fôlego e que exigem períodos maiores de tempo para sua consumação. Mas é só um talvez. Eu gosto muito de comprimir grandes ideias em curto espaço, por isso acho difícil que eu abandone os gêneros que pratico.
O livro que eu gostaria de ler e que ainda não existe é uma baita pergunta: gostaria de saber como seriam os livros de Raduan Nassar, caso ele não tivesse abandonado precocemente a escrita. Também gostaria de saber como Kafka terminaria sua obra inacabada “O Castelo”, mas nesse caso o livro já existe. Há uma poeta gaúcha absolutamente incrível e ainda inédita, Marceli Andresa Becker, e no dia em que sair um livro dela vou querer ler na hora.