Arthur Warren é roteirista de TV e cinema.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Minha rotina de trabalho começa às 10, umas 3-4 horas depois que eu acordei, fiz café pra minha filha e esposa e levei a primeira na escola. Aí, em geral, sento no trabalho e tento não procrastinar demais antes de começar a escrever ou atacar o problema do dia. Como trabalho com desenvolvimento de projetos numa produtora, tenho uma série de incumbências que variam semana a semana – as vezes é um projeto a revisar, um pitching para compor, uma mesa de roteiro para supervisionar ou participar – e, de vez em quando, um roteiro para escrever. Escrevo pouco por fora, porque felizmente, os projetos que toco tendem a ser ou coisas que gosto ou coisas que ajudei a criar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Eu tendo a trabalhar melhor entre 11 e 16 ou bem de noite (quando tenho algum prazo pra cumprir) e todo mundo já foi dormir.
Pra começar, tento tirar a maior parte do ruído da minha cabeça antes de escrever. Em geral, acabo fazendo alguma atividade mecânica que me ajuda a gastar a ansiedade antes de escrever – tipo jogar algum jogo no pc ou checar e-mails. É procrastinação? Sim, das mais repulsivas, mas a essa altura já meio que programei essa procrastinação como parte da minha rotina, e “gastando” ela, trabalho melhor depois.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Eu tenho pouquíssima atenção, então tendo a escrever em pequenos turnos de 15 minutos de cada vez. Escrevo um tanto, paro, respiro, checo o twitter, leio uma notícia, tomo um café, lavo a louça ou sei lá o quê e depois volto. Com roteiros isso é definido mais pela cena ou fôlego da história do que pelos quinze minutos – se a coisa tá engrenada pode durar mais ou menos tempo. Sempre existe uma meta diária dependendo do projeto (já escrevi roteiro de 70 páginas em dois dias, no pior dos prazos que já tive), mas em geral, admito que não consigo cumpri-las dia a dia e deixo tudo pra última hora. Invejo demais quem consegue programar e fazer tudo com calma, mas eu não consigo – minha pouca disciplina funciona melhor concentrada que separada em períodos muito longos.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O processo de roteiro é cheio de regrinhas porque em geral, precisamos fazer projetos entre muita gente ao mesmo tempo e ele precisa ser “à prova de idiotas”. Escrever em duas, três, quatro pessoas requer uma padronização, então da ideia inicial discute-se o universo da obra, personagens, temas e as sinopses. Das sinopses vem a escaleta e da escaleta vem o roteiro, que vai ser refeito uma, duas, três vezes. O bom disso é que todas as partes são suficientemente mastigadas pra evitar que você trave ao fazê-las – ao chegar no roteiro você tem muita noção do que precisa ser levantado e (normalmente) pode se focar na parte legal de escrever que é criar e, na medida do possível, se divertir. A pesquisa faz parte desse processo especialmente lá no começo da criação – mas por exemplo, num trabalho que estou fazendo agora (uma série documental de true crime) a pesquisa está presente em todos os momentos, do início ao roteiro de filmagem, à edição final. Na prática, isso quer dizer que de 5 em 5 minutos preciso abrir uma janela no Chrome para checar se tal pessoa está viva ou se 7 milhões de cruzeiros eram muito dinheiro em 1992.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Teve uma época da minha vida que eu bebia antes de começar a escrever pra facilitar – aí escrevia qualquer porcaria pra tirar a tensão da frente e no dia seguinte revisava. Não preciso nem dizer que é uma idiotice fazer isso, porque a porcaria sempre fica (além de ser um clichê romântico manjadíssimo).
Então hoje, pai de família e ser humano responsável que precisa fazer coisas todo dia pra pagar as contas, na hora de lidar com as travas, acabo tentando colocá-las dentro do processo da maneira menos traumática. Eu sei que provavelmente eu vou demorar pra escrever, que na primeira versão de roteiro vou passar a odiar o material e me sentir uma farsa e que regularmente vou questionar se uma coisa, ou todas as coisas estão erradas. Mas por outro lado, o trabalho do escritor é escrever – então quem você está tentando enganar se você não escreve, não é mesmo? Eu até já li livros sobre isso (Daily Rituals, recomendo) pra entender como grandes artistas e escritores criam, mas assim, honestamente – eu não sou um grande artista nem escritor, e no dia a dia, você precisa mesmo é ter vergonha na cara e DIGITAR AS PALAVRA NO TECLADO.
Se serve de alguma ajuda: lembre-se sempre que qualquer projeto (até aquele de anos) é um processo de um dia depois do outro, e que você vai precisar respirar um pouco de tempos em tempos sob o risco de começar a pirar em cima de alguma coisa desnecessária. Li uma citação que me deixou muito feliz esses dias, num livro do ex-Monty Python Eric Idle (fiz uma pesquisa rápida aqui e vi que basicamente existem oitenta fontes conflitantes para essa fala): leve seu trabalho, e não você, a sério.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Em roteiro, geralmente, passo por duas ou três versões antes de estar contente. Algumas dessas versões são externas (vistas e comentadas por outras pessoas), mas com muita frequência, rolam umas versões ocultas entre uma ou outra, pra me entender com o material. Nunca escrevi uma v1 e mandei sem uma revisão rápida porque, honestamente, a versão inicial de um roteiro só existe porque você tem que começar em algum lugar – na grande maioria das vezes ela é uma porcaria.
Mas assim, odeio ter que mostrar meu trabalho pra quem quer que seja, em qualquer momento, mas faz parte. O que não dá é assumir aquela posturinha defensiva pra ignorar a opinião alheia. Uma hora você entende que ouvir bem as críticas é uma das lições mais importantes de escrever bem – ou pelo menos, melhor.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Computador em 99% do tempo. Eu as vezes tomo notas ou escrevo frases em papel, mas sempre perco o papel depois. Pelo menos, o ato de escrever à mão tende a funcionar pra fixar melhor uma ideia, então já tá valendo.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Ler muito, consumir muita cultura e como eu disse acima, tentar não se levar a sério demais. Escrever já é bem difícil sem precisar pensar numa reputação, no que o mundo vai pensar de mim ou tentar fazer alguma coisa em função da opinião alheia. Não confundir isso com respeito, claro – o ato de se colocar no lugar do outro na hora de criar é diferente de usar fama ou validação como motivação pra fazer o que for. O que eu quero é que a obra seja o melhor que ela pode ser. A parte mais difícil é me impedir de auto-sabotar meu trabalho por preguiça, falando francamente.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu não gosto de nada que eu fiz nos primeiros 10 anos de trabalho – e já ouvi que isso é até uma “norma” de quem escreve: “suas 10000 primeiras páginas não vão ser boas, então é melhor se acostumar”. Se é verdade mesmo não sei, aposto que tem gente que já começa sabendo, Orson Welles fez Cidadão Kane com 25 anos, etc e tal. Mas assim, dez mil páginas parecem o suficiente para você ao menos conseguir ficar à vontade e criar seu próprio jeito de escrever/criar. Acho que eu diria pra mim mesmo pra não me contentar com a primeira ideia, porque é o que eu digo hoje o tempo todo: a primeira ideia é ruim, se é que não foi roubada ou derivada de outra melhor.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Bom, o projeto e o livro são a mesma coisa, porque tô tentando criar coragem pra escrever um livro (não que vá querer lê-lo depois, mas enfim). Não tenho nenhum livro “solo” – escrevi dois infanto-juvenis com minha esposa Janaina Tokitaka, e amo os dois demais. Mas sempre fico articulando na cabeça de tentar fazer alguma coisa, livro ou hq, para organizar essa vontade em alguma coisa específica, mais por hobby do que qualquer coisa, porque as vezes a vontade só vai embora assim.
Tento ler o máximo que consigo e acabo tendo ideias soltas o tempo todo para um romance, mas assim… quem hoje em dia tem tempo pra ter um hobby que é basicamente uma versão não remunerada do seu trabalho, né?