Arthur Telló é professor e escritor.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Bem, se estou em um período de férias (como agora), eu acordo entre 8h30 e 9h, passo café e leio o jornal (tenho uma rotina bem definida de quais colunistas e textos eu leio em cada dia da semana. Às quintas, por exemplo, eu começo a manhã lendo a coluna do Contardo Calligaris, na Folha). Depois do café, eu leio ficção (conto ou romance, quase sempre um pouco de cada um) até às 10h15, quando vou para o escritório escrever. Perto do meio-dia, eu paro de trabalhar, como uma fruta e vou para a academia. Na volta, eu almoço e retomo o trabalho ou a leitura. Há dias em que a escrita está fluindo tão bem que eu sigo até ficar cansado, então almoço, leio, vejo algum filme e espero o clima ficar mais ameno para sair e correr na rua. Gosto de intercalar a escrita à prática de exercícios (principalmente correr). Acredito que, enquanto o corpo cansa, minha mente reflete sobre o que escrevi e testa opções de como retomar o trabalho na manhã seguinte.
Se estou trabalhando (sou professor e meus horários não me permitem ter uma rotina definida), eu escrevo nas manhãs em que não dou aula no colégio ou nas tardes em que não preciso me deslocar para minhas aulas na faculdade. Para conviver bem com as restrições impostas pelo regime de trabalho, eu procuro aproveitar o dia menos agitado para escrever bastante e, no intervalo dos demais dias da semana, eu corrijo, reescrevo, procuro melhorar o texto. É claro que essa rotina (ou falta de rotina definida) gera ansiedade e angústia, mas tento conviver com elas e escrever sempre que posso. No domingo, eu trabalho com mais afinco, escrevo depois do almoço até parte da tarde, paro, saio com a minha esposa e retomo o texto no início da noite.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Prefiro escrever pela manhã, porque fico em casa sozinho (minha esposa trabalha de manhã e à tarde), não tenho muitas distrações exteriores, posso beber muito café e ainda terei o resto do dia à frente. Depois do almoço, posso me dedicar à leitura e, quando minha esposa voltar para casa, a escrita não estará entreposta a nós e poderemos aproveitar o restante do dia juntos.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Se eu pudesse, escreveria todos os dias. No ano passado, comecei a manter um diário para aliviar a angústia dos dias em que não escrevo. Assim, mesmo quando não há tempo para me dedicar à ficção, eu posso escrever a mão, exercitar a escrita, refletir sobre o que fiz durante os dias, quais são meus planos e frustrações. Relendo o diário de 2018, eu me deparei muitas vezes com a reclamação de não ter tempo de escrever por causa dos compromissos com trabalho, família etc. Ao mesmo tempo, muitas ideias que coloquei no diário foram aproveitadas em contos ou em textos que escrevi naquele período. Nas férias, é diferente, eu aproveito para escrever todos os dias. Neste momento, eu escrevo muito pouco no diário, por exemplo, porque consigo concentrar mais tempo para a escrita de ficção. A maior parte dos meus textos de fôlego mais longo foi escrita no período de férias. É até curioso, mas alguns desses textos têm finais abruptos ou não tão bem resolvidos em razão do final das férias, quando os compromissos com o novo semestre letivo se fazem mais presentes e vão ocupando as horas de escrita. Neste ano eu decidi reescrever durante o período de férias para me debruçar sobre os textos tentando melhorá-los, em vez de começar um novo projeto e me angustiar por não conseguir desenvolvê-lo durante o ano.
Sobre a segunda parte da pergunta, eu não tenho meta diária. Quando escrevo o diário, eu tento preencher uma folha inteira, a fim de exercitar a mão. Isso é algo que gosto bastante, porque retoma o exercício físico da escrita, algo que perdemos quando escrevemos majoritariamente no computador (como é meu caso).
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Quando preciso desenvolver algum trabalho acadêmico, eu prefiro elaborar um plano geral do texto e, depois de já ter noção da disposição das ideias, da ordenação dos argumentos, de quais passagens e autores eu pretendo citar, eu começo a escrever. Com a escrita de ficção é diferente. Eu posso começar de uma imagem, de uma frase, um diálogo, uma situação inicial. Eu posso começar apenas com o desejo de escrever e sem nenhuma ideia. Raramente escrevo com o final em mente; em geral eu começo a escrever para encontrar este final. Como prefiro textos em que são trabalhadas a atmosfera e a psicologia dos personagens, não me preocupo tanto com a trama (o que não significa que não acho importante o texto contar uma história concreta), mas acredito que, quando se tem um personagem com uma questão interior forte, qualquer ato dele pode resultar em um texto interessante, até mesmo ele ir para a cozinha e abrir a geladeira.
Quando escrevo uma novela ou um romance, é diferente, porque já tenho um material sobre o qual trabalhar. Meu movimento não é começar, mas continuar, aperfeiçoar, tomar conhecimento do material e trabalhá-lo até não ser capaz de melhorar o texto. Sempre que escrevo tenho que lidar com minhas limitações e em formas de contorná-las ou conviver com elas.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Ao escrever todos lidamos com alguns fantasmas. Será que o texto resultará em uma obra de qualidade? Vou dizer tudo que pretendo, com a precisão necessária? Os meus fantasmas se relacionam muito com a precisão da linguagem. Com o acabamento da frase. Em geral acho meu texto abstrato e com algumas passagens frouxas. Durante a revisão, tento lidar com minhas dificuldades e esculpir o texto até ele chegar ao limite das minhas forças e habilidades. É claro que todos queremos a aceitação e a admiração do leitor em relação ao que escrevemos. Quanto a mim eu não me importo que me achem inteligente, bacana, mas que achem isso do meu texto. É a ficção que deve brilhar, não o autor. Pelo menos essa é a minha opinião. Não gosto de procrastinar. Como tenho pouco tempo para escrever durante o período de aulas, eu invento desculpas para escrever o máximo que posso (às vezes procrastino a correção de provas e trabalhos até lidar apenas com pilhas e pilhas de material acumulado, ao qual devo me deter e corrigir. Quando isso acontece, me sinto muito frustrado, mas aprendi a entender um pouco melhor esse processo). Eu gostaria muito de poder me dedicar a projetos mais longos. No verão de 2018, comecei a escrever um romance que há muito idealizo. Porém, com a chegada das aulas, não pude me dedicar a ele como eu gostaria. Além disso, por ter depositado tantas esperanças e ambições nele, eu não estava satisfeito com o resultado a que estava chegando (da primeira vez que comecei a escrevê-lo, fiquei por 40 páginas procurando o tom, pus fora quase tudo que produzi e, a partir dos dois parágrafos sobreviventes, elaborei uma nova versão, que atualmente conta com 70 páginas, as quais devem ser revisitadas quando eu voltar ao projeto). Por causa do sofrimento que eu sentia toda vez que retomava o texto e por não dispor de tempo para continuá-lo todo dia, resolvi esquecê-lo por um tempo e me dedicar mais à revisão de trabalhos que estão concluídos e a espera de publicação (um volume de contos e um romance, que venceu o prêmio Açorianos de 2016 na categoria de Criação Literária). Cunhei para meu projeto interrompido a metáfora de que ele é meu “romance Firenze”. Pelo que sei o Duomo de Firenze levou mais de 200 anos para ser construído. Quem o projetou desejava que ele fosse o maior Duomo do mundo (o que ele foi até a construção da cúpula do Duomo de San Pietro, em Roma), superando o Duomo de Siena, que era a cidade rival de Firenze. Como não havia tecnologia à época para a fabricação da cúpula idealizada (as cúpulas eram feitas de madeira e para atender as expectativas os fiorentinos deveriam dizimar uma floresta, no mínimo), os projetistas construíram a igreja aos poucos e idealizaram que, no futuro, haveria tecnologia o suficiente para a fabricação do Duomo. Esse movimento levou 200 anos, mas chegou alguém capaz de construí-lo. O meu romance interrompido é tal qual a cidade de Firenze sem o Duomo. Há o desejo e o planejamento para escrever, mas ainda espero melhorar minha capacidade técnica para levar o empreendimento até o fim. Espero muito que chegue a hora em que vou saber continuá-lo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Eu tenho dois tempos de revisão. O primeiro é breve. Em geral, termino um texto e vou reescrevendo-o até me surgir a ideia ou o desejo de começar um novo projeto. Após a primeira revisão, eu mando para alguns amigos a fim de saber suas impressões de leitura. Quando as respostas chegam, eu volto ao texto e avalio se ficou claro o que eu quis dizer, se há passagens truncadas ou outras ideias que poderiam melhorá-lo. A segunda revisão é mais demorada e envolve o período das férias. Eu imprimo o texto e o leio em voz alta para saber se ele soa bem aos ouvidos, se há trava-línguas ou passagens a serem melhoradas em relação à linguagem. Corrijo no computador, imprimo e releio. Esse texto já passou por algumas leituras durante o processo da revisão breve. Na etapa final, eu imprimo duas cópias, uma para mim, a outra para minha esposa, peço que ela leia e nos reunamos às noites para debatermos capítulo a capítulo, eu falo das minhas dúvidas e das alterações que estou propondo ao texto, e ela me indica as mudanças de que gosta mais, se estou exagerando, além de me apontar aquilo de que ela não gostou, ou ficou em dúvida.
Algumas pessoas para quem sempre mando os textos e com as quais vou ter uma gratidão eterna são meus amigos Assis Brasil, Irka Barrios e Vanderlei Vicente. Confio muito no julgamento deles e, se o texto os agrada, sinto que ali tem algo de verdadeiro, em que posso acreditar.
Neste momento integro um grupo de escritores que se reúne em torno do escritor Amilcar Bettega. Nós nos lemos e comentamos nossos textos. Integram o grupo a Júlia Dantas, o Rodrigo Tavares, a Maria Elena Morán, a Irka Barrios, o Daniel Gruber e muita gente bacana.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Acredito que faço parte de uma geração de escritores que começou a escrever diretamente no computador. Isso serve como um limite natural à escrita. Todo meio sobre o qual se escreve impõe suas próprias regras. Gosto de escrever ao computador, pois canso menos a mão e posso constantemente retrabalhar o texto (nisso o computador lembra a escrita à mão: nos dois é possível intervir no texto, rasurar, mudar e apagar). Como sou muito agitado, o computador me permite uma grande liberdade de pensamento, além de eu poder tirar dúvidas por meio da internet. Escrito o texto, eu imprimo e marco as alterações a mão para, mais tarde, voltar ao computador. Eu gostaria muito de escrever a mão, mas, pela falta de treino, meu pulso cansa rápido e logo começa a doer. Porém, atualmente estou desenvolvendo um projeto inspirado no escritor belga Jean-Philippe Toussaint. Estou tentando escrever alguns textos inspirado na técnica dele (gosto muito de explorar escritores e técnicas diferentes para então escrever uma ficção minha à moda deles). Como o Toussaint escreve sempre a mão, passa a limpo no computador e então volta a escrever a mão, estou tentando reproduzir esse método e voltar a uma escrita mais próxima ao exercício manual.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não considero meus textos criativos. Acredito que cada escritor pertence à certa família com poéticas e ritmos de escrita específicos. Quando não gosto de um escritor, em geral não gosto é do sistema de referências literárias a que ele pertence e cuja escrita ele perpetua. Isso me aconteceu durante meu primeiro contato com a Lydia Davis. Li alguns contos, não gostei de nenhum. Porém, achei que o problema estava comigo e não com ela, tentei entender os procedimentos e a visão estética que permeava aquele conjunto de textos e, quando percebi as referências que ela trazia e atualizava na sua obra, pude gostar e aproveitar muito da minha leitura. A minha família é aquela que veio de Tchekhov, Hemingway, Schnitzler, Roth e Vargas Llosa, embora haja braços dela que se estendem por Machado, Cortázar, Mario Levreiro, Camus. Na maior parte dos textos que admiro impera a atmosfera e a análise das motivações dos personagens. Muitas vezes eu tenho uma situação esboçada na cabeça e quero achar o tom para narrá-la. Então eu procuro ler a obra de outros autores cujo tom me parece preciso para o que desejo escrever. Depois de ler, me volto para a página em branco e começo. É como se parte da energia concentrada no texto do outro contaminasse meu texto também. Às vezes, quando não me sinto com ideias, deliberadamente escrevo à moda de determinado escritor a fim de que o ritmo da frase ou da sensibilidade dele me inspire a terminar meu trabalho. Gosto muito desse processo de escrever a partir dos outros e considero todo o texto como um Palimpsesto, um conjunto tecido de diferentes partes, cujo ato do escritor que assina a presente versão é mais o de enovelar, juntar e editar os fios que a literatura e própria linguagem legaram para nós.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Ótima pergunta. Singela. Quando comecei a escrever, os textos eram mais desabafos e possibilidades de existência que eu não vivia (algo trivial como ter uma relação com a garota por quem eu era apaixonado ou como eu agiria se tivéssemos rompido), esse foi o meu início, um modo de fazer a escrita preencher o que faltava na minha vida. Depois comecei a me preocupar com a trama (eu lia muito os latino-americanos e me parecia que para escrever as histórias deveriam ser muito inventivas sempre). Isso foi uma época terrível. Imagina a dificuldade de escrever uma história e ainda mais querer que ela seja cheia de truques e reviravoltas. Foi uma época em que escrevi muito pouco, me senti muito impotente e da qual não guardo saudades. Quem me aliviou de muito sofrimento foi o escritor Assis Brasil. Quando eu fiz a oficina dele, tomei contato com uma concepção de texto que sempre parte do personagem e do seu conflito interior (o Assis chama esse conflito de Questão Essencial). Pensar em um personagem que tenha uma questão essencial é um movimento de empatia, humildade em relação ao ser humano. Com o tempo, eu percebi que poderia escrever sem recorrer a tramas mirabolantes, o texto poderia ser mais simples, chão e cálido. Isso me mostrou também como meus escritores preferidos (Tchekhov, Hemingway, Schnitzler etc.) escreviam de um modo simples dando ênfase não ao autor ou ao narrador, mas ao personagem. Foi um momento iluminador e me deu coragem de prosseguir escrevendo. Se eu voltasse no tempo, diria para minha versão jovem para pensar a respeito de um personagem cujo drama lhe (me?) parecesse relevante; tentar pensar a respeito dessa questão essencial que singulariza o personagem e tentar colocar o personagem em uma situação na qual essa questão aflorasse (o Assis acredita que a Questão Essencial e o Conflito da História são coisas diferentes. Para ele o personagem tem essa questão e, a partir do contato dele com o espaço e os demais personagens, surge o conflito ou os conflitos a história. Acho uma teoria inteligente, embora às vezes eu tenha minhas dúvidas). Eu me incentivaria a escrever com clareza, limpidez, mas sempre sacrificando o estilo em função do personagem. É o personagem que deve brilhar e não o autor. A partir desses conselhos, eu me incentivaria a escrever bastante.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Gosto muito de ler e acho incrível quando descubro um novo autor ou aprendo a ler um autor de um modo diferente. Em suma, gosto de me surpreender e guardo muito carinho por livros que me surpreenderam como Memórias Póstumas de Brás Cubas, do Machado, Contos e Amor e Morte, do Schnitzler, O manual da Faxineira, da Lucia Berlin, A consciência de Zeno, do Italo Svevo, Deserto dos tártatos, do Buzzati, O animal agonizante, do Roth, A cidades e os cachorros, do Vargas Llosa, Cem anos de Solidão, do Garcia Márquez, É isto um homem?, do Primo Levi, O senhor das Moscas, do Golding, O romance luminoso, do Levreiro, Felicidade clandestina, da Clarice, O apanhador no campo de centeio, do Salinger e boa parte da obra do Tolstoi. Em cada um desses livros eu descobri diferentes sensibilidades, ideias, pensamentos e modos de enxergar o mundo, a escrita e a leitura. Acredito que escrevemos para ler os livros que desejamos ler e que ainda não existem. Por isso, se eu tiver sorte e pensar muito a respeito de qual livro eu gostaria de ler e descobri-lo, eu pararia tudo e tentaria escrevê-lo, seria uma experiência perfeita.
Sobre a primeira parte da pergunta, além de continuar o meu romance fiorentino (aquele que preciso descobrir como continuar), eu gostaria muito de escrever um romance sobre um padre que vai a Auschwitz anos depois da Shoah. Não sei por quê, mas tenho uma sensibilidade muito grande ao tema da Shoah, meu dindo era judeu e boa parte dos meus escritores preferidos são judeus. Como fui criado dentro da tradição católica e estudei latim e grego, tenho um desejo muito forte em escrever um livro sobre um padre que vai a Aushwitz e lá se depara com o silêncio de Deus. A questão da existência ou não de Deus não me interessa. Tem um poema do Leonard Cohen que diz que Deus escolhe quem vai acreditar nele ou não. Quanto a mim nunca tive prova de que Ele não exista, mas gostaria de aprofundar essa possibilidade, junto a tantas outras (junto com fantasmas da minha criação e da cultura que recebemos do pós-Guerra) em um livro sobre um bom padre em crise de fé. Acho que o exercício da escrita não é só uma forma de nos colocarmos no lugar do outro para vermos o mundo a partir de seus olhos, mas também é uma forma de descobrimos nossas verdades interiores e um dia espero poder me lançar ao exercício de escrever este livro. Por ora, ainda não estou pronto nem tenho a capacidade necessária.
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Como existe interesse em processos criativos, resolvi remeter também um conto que escrevi, no qual a escrita é o assunto central. A primeira versão deste texto foi escrita em 2012. Em 2018 eu o descobri em meio a arquivos perdidos no computador, reli, gostei da história e tentei reescrevê-lo sem o tom pueril dos meus 22 anos. O resultado é este e integrará o volume de contos que pretendo lançar neste ano.
METAMORFOSES
Arthur Telló
Não consigo, registrou o jovem escritor na página em branco. Ele buscava dentro de si uma frase qualquer, de preferência simples, para começar o conto da noite. Só preciso escrever uma frase verdadeira para tudo correr, para tudo fluir como deve. O jovem escritor concentrava-se, empenhava todas as forças tateando os pensamentos difusos à procura de uma pista para seguir. De repente as sobrancelhas suspenderam seu arco retesado e a testa desanuviou-se: uma voz sugeriu à sua mente a palavra queda, e o jovem escritor aferrou-se à palavra queda como se ela fosse a salvação da sua noite. Queda. A palavra passou a existir no papel, era o astro-solar de onde sairiam os demais elementos para girarem ao seu redor. Mas faltava o principal. Queda de quem, meu Deus?, dizia a mente do jovem escritor, conforme trabalhava para dar à palavra uma mensagem exata. Se tivesse vindo o nome Maria, por exemplo, ele teria ao menos algo concreto, um personagem a quem atribuir desejos (ou traumas), olhos azuis (ou castanhos), cabelos lisos (ou rebeldes), uma dicção levemente anasalada na voz que (combinada com um jeito sensual de andar) a tornaria um problema para os outros personagens. Nosso escritor não foi capaz de pensar em Maria e muito menos na queda de Maria.
Queda de quem, vamos, queda de quem?!
Queda de Ícaro!, soprou-lhe a voz interior. O jovem escritor começaria sua história pela queda de Ícaro. O personagem tinha um nome, um pai, uma audácia e um destino prontos. Podia-se escrever sobre ele e dizer que era apenas um exercício de criação. Isso tiraria um pouco da angústia… Agora, mais excitado, assaltavam-no as dúvidas: valeria a pena pôr o personagem no próprio tempo do escritor, no início do século XXI? Ou era melhor recriar tudo a partir da Antiguidade, da ilha de Creta, do Labirinto do Minotauro?
Resolveu experimentar.
Vestindo calças jeans, a barba por fazer, a postura ereta com a arrogância natural da juventude, Ícaro encontraria à mesa da cozinha as chaves do carro que seu pai esquecera ali como asas. Ótimo, as ideias do texto adiantavam-se umas às outras e surgiam pontos que o escritor, caso fosse esperto, não poderia deixar de cruzar. Ícaro chegaria em casa após ter perdido a virgindade com Ariadne. Ao despedirem-se, ele jurou que gostava dela de verdade e que ligaria mais tarde sem falta. Porém, ao pôr o pé em casa, o rapaz já pensava em ligar para outra (quem sabe se para a Maria em quem o escritor ainda não pensara?) – Ícaro recém tinha se iniciado no jogo das seduções e, depois de ter dormido com alguém pela primeira vez, depois de ter trocado a frieza do mundo exterior pelo interior úmido e aconchegante de Ariadne, ambos suados e ofegantes até esquecerem-se de si, ele estava confiante, vaidoso e destemido. Nada era impossível. O céu era o limite. A casa escura, Ícaro perdeu-se nos seus corredores. Foi entrando em cômodos capazes de se duplicar ou triplicar feito um labirinto até dar de cara com o retrato da mãe na parede ao lado da porta da cozinha. Os olhos da mãe eram verdes e a pele clara. Ícaro olhou-se no espelho do banheiro e viu seus olhos castanhos e a pele escura. Quase nada em si dizia que era carne de sua mãe. Pensou no pai e não encontrou palavras para descrevê-lo. O pai devia estar no escritório em meio a seus projetos de arquitetura. De lá Dédalo sairia para a cozinha à noite, perguntaria ao filho se ele tinha feito o jantar e mal o olharia nos olhos. O pai só pensava em trabalho. Ariadne era filha de Minos, o chefe de seu pai, pensou Ícaro e num átimo sentiu raiva dela. No enterro da mãe, embora o pai trabalhasse lá há quinze anos, a firma mandou um cartão de pêsames com uma mensagem padronizada com a assinatura digital de Minos. Porra, a mãe morta, e o filho da puta do chefe só mandou a droga de um cartão! E eu cercando a filha dele feio um cãozinho! Não dá! Ícaro respirou fundo… Aos poucos o rosto triangular e os olhos amendoados de Ariadne tomavam a forma do rosto triangular e dos olhos amendoados de Minos. Não era um rosto neutro, ao qual encarar sem emoções conflitantes. Antes, era mais um rosto ambíguo e repulsivo. Cruel e vingativo, Ícaro teve o desejo de magoar Ariadne e usá-la para atingir Minos. Se ele aproveitava-se de Dédalo e roubava-o da família, Ícaro, magoando Ariadne, agrediria o pai dela de alguma forma. Vou ignorá-la amanhã no colégio. Se ela me procurar com seus olhos pidões, vou rir da cara dela. A pobrezinha precisava sofrer, decidiram Ícaro e o escritor no mesmo instante. O escritor então pensou em Maria, a bela ruiva de pintinhas no nariz, e seguiu Ícaro até a cozinha, onde ficava o telefone de casa. Muito excitado, o rapaz viu as chaves do carro do pai à mesa. Sentiu o peso das chaves na mão e apertou forte a borracha daquela que dava ignição ao motor.
Não havia mais Maria nenhuma na mente dele nem na do escritor, só o desejo de pura liberdade. Que maneira de inaugurar-se um homem completo! Os dois jovens, animados, abriram a porta do carro, sentaram e acomodaram-se. Ícaro abriu o portão da garagem com o controle que estava no painel e ensaiou a ré timidamente, tentando não fazer barulho. Ambos assustaram-se com o ronco do motor. Esperaram um tempo. O pai não veio. Ícaro deu novamente a partida e saiu de ré. Fora da casa, olhou-se no retrovisor e viu os olhos do pai. Com raiva, pisou no acelerador e o pneu cantou. Nada era impossível. O céu era o limite. Ícaro atirou-se à estrada, onde as ideias do texto adiantavam-se umas às outras e surgiam pontos que o escritor, caso fosse esperto, não poderia deixar de cruzar. Um deles era a imagem nítida de um caminhão enorme a atravessar o caminho de Ícaro meia hora depois.
Ao dar início a um novo projeto, você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir? Qual o mais difícil, escrever a primeira ou a última frase?
Eu gostaria de começar esta entrevista com uma citação do livro Carta a D. – Uma história de amor, do filósofo André Gorz:
O principal objetivo do escritor não é o que ele escreve. Sua necessidade primeira é escrever. Escrever, isto é, ausentar-se do mundo e de si mesmo para, eventualmente, fazer disso a matéria de elaborações literárias. É apenas num segundo momento que se põe a questão do “tema” a ser tratado. O tema é a condição necessária, necessariamente contingente da produção de escritos. Não importa qual tema é o melhor, desde que ele permita escrever. Durante seis anos, até 1946, eu mantive um diário. Escrevia para conjurar a angústia. Não importava o quê; eu era um escrevedor. O escrevedor só se tornará um escritor quando a sua necessidade de escrever for sustentada por um tema que permita e exija que essa necessidade se organize num projeto (p.28, 29).[1]
Acredito que, antes de tudo, há a necessidade de escrever. E para ela ser possível e tornar-se uma prática cotidiana, o melhor é orientar essa necessidade ao redor de um projeto. O projeto transforma o desejo difuso de escrever em um desejo concreto de escrever algo, um texto. Quem escreve algo. Escreve textos. Tanto faz se for um poema, um conto a cada tantos dias, uma novela, um ensaio ou um romance: o importante é escrever.
Entendida a necessidade de encontrar um projeto que sustente o desejo de escrever e com o qual possamos dar forma a ele, tudo vai depender também do tipo de texto que se quer escrever. Acredito que cada texto resulta em uma forma única, com a qual vai dialogar com outros textos do gênero em que estamos escrevendo e cuja singularidade vamos descobrindo na medida em que escrevemos aquele texto específico. O trabalho consiste muito em encontrar a linguagem e a estratégia narrativa (poética, ensaística) mais apropriadas para o texto em questão. É um processo que envolve escrita, leitura, reescrita, releitura, reescrita etc.
Tenho um romance interrompido, porque até agora não encontrei a melhor estratégia para continuá-lo. A estratégia tem a ver com a forma, com a linguagem e com o conhecimento de como dispor dos fatos na história. Também tenho alguns contos ou narrativas escritas e abandonadas faz anos, para as quais, de repente, descubro a forma apropriada que o texto exige, ou a abordagem apropriada para dar vida àquele escrito. Vida, é sempre importante que o texto tenha vida. Para valer a pena escrever e para valer a pena ler. Como acredito que cada texto tem sua forma única, há aqueles que podemos planejar com calma antes de escrever, e há aqueles que dependem mais do ímpeto de quem escreve de pôr as palavras no papel e, sem planejamento algum, enfrentar a página em branco até o texto sair como se fosse uma catarse. Há textos que são difíceis de começar, mas, depois, as primeiras palavras no papel já apontam um caminho para seu desenvolvimento: de uma palavra virá outra, com a qual ela vai reagir e significar. Há também textos cujo final é determinante para produzir o efeito que ele está pedindo. Nessas horas, a frase final é a mais importante e o planejamento, essencial.
Além de escavar o texto em busca da linguagem e da forma apropriadas, devemos buscar também o efeito apropriado. Em contos do Poe, o final, em geral, é determinante para o efeito. Por isso, ele diz (o que é discutível, claro), na Filosofia da composição, que se deve começar a escrever pelo fim. Da mesma forma, romances como Memórias Póstumas de Brás Cubas, do Machado, ou A consciência de Zeno, do Italo Svevo dependem muito das últimas frases para darem efeito e unidade ao todo. Já nos contos do Tchekhóv, Hemingway e Clarice, raras vezes eu me lembro do final. A atmosfera do relato é muito mais importante. Nos romances e novelas do Tolstói e do Arthur Schnitzler, o processo de desenvolvimento da narrativa é muito mais importante do que o final dos livros.
Como você organiza sua semana de trabalho? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Como além de escritor sou professor, tenho muitos projetos ao mesmo tempo. Na verdade, poucos desses projetos têm a ver com a escrita dos meus próprios textos, mas, de toda forma, preciso atendê-los e, muitas vezes, priorizá-los. Como dito na entrevista anterior, meu ritmo de escrita alterna entre as férias e o trabalho. Quando estou em férias, tenho uma rotina: acordo cedo, tomo café, leio por mais ou menos uma hora e depois, contaminado pelas palavras que li, vou até o computador escrever. Escrevo até o final da manhã, então almoço, leio mais, converso com minha esposa, vamos à academia, ao cinema etc.
Durante o semestre, tudo é mais complicado. Mesmo quando se dá aulas nos mesmos lugares e nos mesmos horários, dificilmente a atividade docente se torna uma rotina, a própria exposição em sala de aula, a troca de turmas e de conteúdos impedem que um dia se repita ao outro (se é que os dias podem se repetir). Nesses momentos, escrevo quando posso, nos intervalos, em geral à mão no meu diário. Nas férias me dedico mais à elaboração de novelas ou contos longos. No ano letivo, a contos e narrativas breves. Desde que adotei um diário, o sofrimento por não poder atender à necessidade de escrever diminuiu. Estou sempre escrevendo, treinando a linguagem, deixando os canais da escrita fluídos. É um exercício. Quando surge o momento oportuno, vou estar preparado para escrever de verdade. Além do mais, a escrita à mão tem me dado outros prazeres, como a volta do gesto físico de escrever, do movimento, além de, em muitas oportunidades, eu ter podido usar trechos do diário na minha ficção.
Quando viajo nas férias, levo o diário. Gosto de alternar entre o computador e o papel. A variação de suporte gera mudanças no ritmo e no modo de escrever, o que pode ser bem interessante.
Bem, respondendo à pergunta, em termos de escrita de ficção não tenho mais de um projeto em mente, a menos que surja a encomenda de algum texto e eu precise abandonar por instantes um projeto para me dedicar a outro.
O que motiva você como escritor? Você lembra do momento em que decidiu se dedicar à escrita?
Acho que criar sempre foi uma necessidade para mim. Há um texto do Luiz Tatit sobre o Roberto Carlos, dizendo que o rei, durante a década de 1960, foi uma voz à procura de um estilo. O Roberto Carlos passou pela Bossa, pelo Rock n`Roll, tornou-se o rei da Jovem Guarda, mas só foi se encontrar depois, como compositor e intérprete romântico (depois de vencer o festival de Sanremo, na Itália, e tornar-se rei lá também). De um jeito similar (e distante da realeza), sempre me vi como uma mente criativa à procura de um gênero no qual criar. Quando criança gostava muito de desenho. Na pré-adolescência tocava violão. Nessas atividades sempre me vi como um artista na área. A música me ajudou a chegar à escrita. Sempre quis ser escritor, mas achava que isso nunca seria meu plano A até perceber com o tempo que o que me dava prazer na música era escrever as letras (não as melodias, porque, francamente, nunca tive ouvido ou talento musical de verdade), as letras me levaram à poesia e a poesia à prosa. E, é claro, muito do que se escreve é porque a gente lê, lê muito, gosta muito de ler. Ler é uma atividade criativa, porque o leitor está criando imagens na cabeça a partir das manchas das letras no papel. Desse modo, a partir da leitura de textos que me impressionaram muito (1984, Cem anos de solidão, A hora da estrela), aos catorze anos senti a necessidade de também me expressar textualmente, por meio da criação literária. Isso tudo ocorreu na adolescência e desde então orientei minha vida em função do escrever: cursei Letras, fiz a oficina da Jane Tutikian e do Pedro Gonzaga, procurei o mestrado em Escrita Criativa, fiz a oficina do Assis Brasil, cursei as aulas do Amilcar Bettega, ou seja, procurei as ferramentas e o conhecimento técnico para dar à luz esse desejo.
Que dificuldades você encontrou para desenvolver um estilo próprio? Algum autor influenciou você mais do que outros?
Alguns dizem que o estilo é o próprio escritor. Francamente, não sei até que ponto tenho um estilo ou não. Tenho alguns temas recorrentes na minha ficção (o intelectual incapaz de aproveitar a vida, o ritmo de trabalho opressivo, a mulher idealizada, o erotismo), mas cada texto impõe seu estilo, ou um estilo para poder escrevê-lo. Pelo menos para mim.
Tenho uma teoria de que podemos dividir os escritores (existem muitas formas de dividi-los) entre aqueles que se orientam a partir da tradição oral, e aqueles que se orientam a partir da escrita. Por um lado está o contador de histórias, a figura do narrador como um avô que busca na memória enredos com que entreter a plateia. Essa me parece a marca do Borges (mesmo quando trata de livros, o narrador assume a distância típica da oralidade), do Gabo, do Philip Roth em terceira pessoa, da Lucia Berlin. Por outro lado, há os escritores que imitam a própria escrita e seus artifícios, que escrevem mais cenas do que sumários ou trabalham o texto desde dentro. Este me parece o caso do Flaubert, do Cortázar, do Vargas Llosa, do Hemingway. Acho que pertenço mais a esse grupo, que busca dentro da tradição escrita formas de expressão. Fora isso, tenho todo aquele apreço aos ficcionistas do século XIX, como Tchekhov, Schnitzler, Tolstói e Dostoiévsky.
Você poderia recomendar três livros aos seus leitores, destacando o que mais gosta em cada um deles?
Essa é uma pergunta difícil (como todas as outras quando se quer escrever com sinceridade). Além dos livros citados durante a entrevista, eu recomendaria muito:
Breve romance de sonho, do Arthur Schnitzler, é uma novela que explora o erotismo, os desejos oníricos e a vida burguesa como empecilho para a satisfação sexual. Temos um casal próspero, mas que vive em marasmo. Após o nascimento da filha, a esposa, para o marido, de mulher torna-se mãe. Quando ela revela a ele a fantasia erótica que ela teve por outro homem nas férias passadas, o marido percebe como os desejos dele são menos potentes do que os dela. É uma narrativa breve muito potente e interessante (como todas as obras do Schnitzler). O Dr. Freud escreveu para o Dr. Schnitzler dizendo que se sentia escrevendo para o seu duplo, que o que ele, Freud, tentou descobrir por meio da ciência analisando os outros Schnitlzer descobriu por meio da arte analisando a si mesmo (e chegou a resultados mais profundos!).
É isto um homem?, de Primo Levi, é uma leitura obrigatória. O Primo Levi foi um químico judeu que se tornou escritor durante sua prisão em Auschwitz. A escrita tornou-se uma estratégia de sobrevivência e deu a ele um sentido para aquela experiência infernal. É um livro forte, que nos lembra, a todo momento, o limite da nossa humanidade. O estilo é conciso, frio, próximo ao de um relatório, o que aumenta o impacto da leitura. É um dos poucos livros necessários que conheço.
O manual da faxineira, da Lucia Berlin, é uma coletânea de contos deliciosos. Além da inventividade formal, há uma sensibilidade ímpar em cada história, muitas delas inspiradas em acontecimentos da vida da autora. Ela colheu da sua experiência como mulher divorciada, alcoolista, mãe de quatro filhos, que teve ocupações variadas, de empregada doméstica a enfermeira e professora, muito do conteúdo dos contos. Poderíamos chamar muitos deles de autoficção. A cada texto, o leitor aprende lições de humanidade, sensibilidade e escrita.
Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, é um dos maiores romances já escritos. Há experimentalismo formal, humor, pessimismo, notas filosóficas, crítica social. Todo projeto literário do Machado está ali. Para mim, o bruxo de Cosme Velho é um dos autores mais inventivos que conheço. Até Joyce empalidece perto dele.
Concerto para João Gilberto no Rio de Janeiro, do Sérgio Sant´Anna, é um livro de contos sensacional, cuja preocupação centra-se na linguagem e nos limites do gênero.
Fim, da Fernanda Torres, é uma das melhores estreias literárias que li. O romance retrata o último dia de vida de um grupo de amigos (ou seja, o Fim). Cada capítulo é narrado por um deles e, assim, ao final da leitura, o leitor sabe muito mais sobre a história de cada um do grupo do que os personagens. Nós temos acesso aos segredos, traições, desentendimentos que ocorreram. É um livro muito bonito e interessante.
Para a quarentena, eu recomendaria ainda: O deserto dos tártaros, de Dino Buzzati; A Peste, do Camus; A montanha mágica, do Thomas Mann; Boquitas pintadas, do Manuel Puig; Os contos da Lygia Fagundes Telles, Cem anos de Solidão, do Gabo; A cidade e os cachorros, do Llosa, A consciência de Zeno, do Svevo, O processo, do Kafka e Nêmesis, do Philip Roth.
[1] GORZ, André. Carta a D. – Uma história de amor. São Paulo: Cosac Naify, 2008.