Ariane Porto Costa Rimoli é professora no Instituto de Artes da Unicamp.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Começo o dia com orações e pensamentos sobre o cotidiano. Não me levanto sem isso. Verifico mensagens potencialmente importantes e tomo meu café. Gosto de caminhar pela manhã – caso não seja necessário correr! E penso nas palavras.
Pego as palavras
como se fossem cacos de vidro
de uma janela que quebrou
Junto, com cautela,
tentando recuperar a paisagem
que sei que havia
Terei sido eu?
As janelas, assim como as palavras
são irrecuperáveis
São como biscoitos de sequilho
que só de olhar se partem
impedindo a boca de sentir
a sensação quente e doce
do aroma de baunilha
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Gosto de escrever pela manhã. Quanto mais cedo, melhor, pois o risco de ser interrompida é menor. Porém, a madrugada também se apresenta como um horário bem fértil.
Lua caolha me vigia
Enquanto vasculho a noite atrás de canetas
Palavras são seres engraçados
Porque não nos visitam em horários adequados?
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Não tenho metas de escrita. Tenho necessidade vital.
Cuspo palavras como se pudesse aliviar a úlcera do tempo
Cuspo palavras como quem desdenha de si e do mundo
Cuspo palavras como se esvaziasse o sangue e a urina
Cuspo palavras porque são as melhores coisas que tenho
Cuspo palavras porque, se não as cuspisse,
me engasgaria com suas arestas
Cuspo palavras porque é preciso preparar a terra
onde planto meus pés
Cuspo palavras como quem rega expectativas verdes
Na expectativa de, um dia, colher sentimentos maduros.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Sou movida pela necessidade de expressão, logo, quando essa necessidade bate em algum lugar de mim – coração, indignação, curiosidade, mente, espírito – escrevo. Por vezes o fluxo é contínuo e hemorrágico. Por vezes é uma torneira que pinga de forma preguiçosa. Quem sou eu para tentar alterar?
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não me sinto atormentada por esses fantasmas. Se não sai, é porque não chegou a entrar. Não perco prazos, não peço prorrogações. Um pouco Bope demais, às vezes – data imposta, é data cumprida.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso uma vez ou duas no máximo. Sempre passo para pessoas lerem antes. Escrita é diálogo. Mesmo os monólogos.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo com o que estiver disponível. Às vezes, se não tenho como escrever, eu gravo. Escrevo em papéis esparsos, computador, celular. Tomo nota em diversos caderninhos que vou deixando espalhados. Por vezes esqueço em alguma bolsa. Mas quando preciso, chamo todos de volta.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Não cultivo hábitos. Bem que gostaria – pelo menos alguns, saudáveis. Minhas ideias vêm das emoções. Minhas ou alheias. Criatividade vem da capacidade de escutar. Primeiramente escutar. Depois responder.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Envelheci. E para quem busca linguagens, isso é bom.
“Comemoro a continuação do mundo da mesma forma que tenho lamentado sua continuidade – buscando sua transformação. Resumo da ópera: estou aqui, jogando letras para cima e para fora, tentando ver se alguma cola. E viva os artistas!”
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho inúmeros projetos, e o tempo me trouxe mais serenidade para saber que são partes de mim. Quando for o momento, virão à tona. Queria ler mais dos autores que já se foram. Como será que eles escreveriam agora, que já sabem o que tem do outro lado do muro?