Ari Denisson é professor e escritor, autor de baroque.doc (poesia, 2011) e Contos periféricos (contos, 2016).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Sou professor, e a rotina acaba sendo muito em função desse meu trabalho: a que horas eu começo o dia, quando acaba o expediente, essas coisas. No geral, eu dou aula pela manhã e à tarde, e estou fazendo um curso à noite, então eu uso os horários em que eu não estou dando aula e o final de semana pra ver se sai alguma coisa.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Quanto aos horários de escrita, eu vivo meio que num conflito entre o que eu julgo ideal e o que acontece na realidade: meu sonho era acordar seis da manhã, tomar um café rápido e já partir pra escrita. Mas isso raramente acontece, sou muito vespertino e só consigo acordar cedo nos dias em que eu vou dar aula. Eu percebo que um horário em que eu engreno é a partir das 10, 11 da manhã, mas ainda não achei uma maneira de conciliar isso com almoço, essas coisas.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Tem sido difícil pra mim manter uma regularidade, e isso tem me atrapalhado pra parar realmente e escrever coisas de maior fôlego (crianças, não sigam esse exemplo, estabeleçam rotina e metas). Também tento anotar ou gravar coisas aqui e ali, já passei da idade de confiar tanto na memória. Tenho certo medo de estabelecer metas, mas entendo a necessidade premente de superá-lo, senão não saio do lugar. Estamos trabalhando nisso.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Essa é uma pergunta que eu tenho hoje bastante dificuldade de responder. Com o meu último livro solo, Contos periféricos (Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2016), eu tinha um conceito na cabeça e as coisas foram fluindo mais facilmente.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Mal, mas estou tentando melhorar isso. Tenho tentado pensar no quão compensador é ver o texto pronto e repercutindo, e isso só acontece se a gente achar uma maneira de lidar com esses problemas, que nunca vão deixar de existir. Às vezes ter uma pressãozinha vinda de fora funciona.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Depende do deadline (risos). Mostro o texto a alguém, sim, agora quem vai ser esse alguém depende muito do projeto em questão: eu penso muito que determinado leitor/interlocutor vai pegar algum aspecto que eu quero estar seguro de que saiu legal. A minha sorte é ter por perto muitos bons leitores.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Varia um pouco. Grande parte vai no computador mesmo. Há coisas que eu gosto de anotar a mão, mas pra narrativa, não tem muito o que fazer, vai no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Eu gosto muito de observar as pessoas falando. Principalmente o povo no ônibus, minha mãe e motoristas de aplicativo, na minha opinião, os meus interlocutores mais imprevisíveis. Esta última categoria, aliás, foi fundamental para o último conto que eu escrevi, Cinco estrelas, que saiu na coletânea Inferno tropical (SIRVA-SE, 2018, Vários autores). Quando eu comecei a escrever contos, eu quis trazer comigo uma experiência de quando eu escrevia mais poesia, que era a atenção com o som das palavras, algumas peculiaridades fonéticas, lexicais ou até mesmo sintáticas de algumas falas daqui de Maceió.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Quando você descobre a literatura ainda rapaz, tende a achar que só tem coisas válidas a dizer. E certo ócio ajuda também. Eu era uma fábrica de versos no meu último ano do colégio e nos meus primeiros de faculdade. O que mudou foi que passei a ter menos tempo, e administrá-lo tem sido cada vez mais complexo. E, principalmente, passei a ter um pouco mais de critério, que não tive muito na escrita do baroque.doc (Edufal, 2011), meu primeiro livro, de poemas. Tenho muito orgulho dele, não o renego, jamais! Até porque foi a partir dele que eu comecei a, de certa forma, ser reconhecido como um “escritor”, e me sentir assim também. Agora há coisas lá que eu teria feito de outra forma, ou que talvez nem estivessem lá. Hoje, eu não mudaria: gosto de vê-lo como um registro de como eu pensava as coisas, e de como eu mudei de lá pra cá.
Já os Contos periféricos tinham um ar de ingenuidade política de que eu sinto certa saudade: boa parte deles foi escrita entre 2010 e 2013, quando não era tão forte essa coisa de catalogar as produções da pessoa de acordo com sua (suposta) vertente ideológica. Isso que eu chamo de ingenuidade tinha uma coisa que eu achava massa na época, que era a possibilidade de soar menos teleológico ou panfletário ao falar de questões sociais (os contos são ambientados, em sua maioria, em bairros periféricos de Maceió). A minha obsessão hoje eu acho mais que é achar um meio-termo na minha linguagem, que seria escrever algo que impactasse mais pessoas e que não soasse pedante nem simplório.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Quero muito escrever algo mais longo, uma novela; e, a partir daí, quem sabe, uma peça; e, a partir daí, quem sabe, um romance? Prefiro começar com metas pouco ambiciosas, pra frustração não ser demais. Outra coisa bacana seria escrever pra criança, o que eu acho dificílimo. Quanto ao tipo de livro que gostaria de ler e não existe… acho que preciso ler um pouco mais pra descobrir.