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Como escreve Argemiro Cardoso Moreira Martins

7 de agosto de 2018 by José Nunes

Argemiro Cardoso Moreira Martins é professor da Faculdade de Direito da UnB.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Embora sonhe em ter uma rotina e escrever com regularidade, isso nunca foi possível graças ao ritmo do trabalho. É espantoso como em uma universidade pública as tarefas burocráticas consomem boa parte do trabalho docente. Participação em reuniões, comissões, bancas, redação de pareceres e de documentos oficiais são coisas que somadas às aulas e orientações tomam tempo da pesquisa e do estudo. O grande desafio é tentar conjugar essas atividades e aproximá-las, no que for possível, ao objeto de minha pesquisa.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Trato a escrita como uma empreitada, escrevo por necessidade seja no dia, seja na madrugada. Não tenho rituais, preciso apenas de um cigarro e de uma xícara de café para começar.

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

O escritor Luis Fernando Veríssimo disse que sua “musa inspiradora” era o “prazo de entrega”. Sinto o mesmo e, por isso, abandonei há tempos a ideia de fixar metas diárias para a escrita.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Passo da pesquisa para a escrita facilmente, faço isso muitas vezes. A pesquisa envolve a leitura e a tomada de notas. A escrita se dá a partir das notas e, não raras vezes, paro a escrita para aprofundar em algum ponto da pesquisa. O estudo e a escrita são duas faces do mesmo processo.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Não lido muito bem. Quando aparecem bloqueios procuro um entretenimento e espero passar. Por vezes vou ler outra coisa, um outro assunto, algo completamente diferente do tema que estou escrevendo.

Outra estratégia é cuidar da parte formal – notas de rodapé, referências bibliográficas etc. É bom porque não precisa pensar e ajuda a contornar o bloqueio mental. Apesar de ser uma coisa aborrecida, dá a impressão de que ainda estamos trabalhando no texto sem fazê-lo em realidade.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Reviso os meus textos até a exaustão, paro a revisão quando o prazo ou a minha paciência acabam, o que vier primeiro. Sempre procuro algum amigo incauto para ler o texto antes de publicá-lo.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Escrevo no computador, mas não abro mão de escrever um roteiro no papel e com uma escrita caprichada. Hábito de meus tempos de colegial, tive aulas de caligrafia e talvez pertença a uma espécie em extinção, a dos escribas.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?

As ideias vêm dos mais diversos lugares: das leituras, das aulas, dos congressos acadêmicos, das conversas com colegas, orientandos e estudantes. Elas surgem sem uma razão aparente, sem um preparo ou rotina de trabalho.

Preocupo-me mais em saber se minhas ideias são boas ou ruins e isso só se verifica no debate público, com a aceitação ou rejeição delas. A construção do conhecimento é realmente um processo social.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de sua tese?

Creio que no início citava demais, pois tinha a preocupação excessiva de bem fundamentar meus argumentos. Hoje cito bem menos, remetendo os autores às notas de rodapé. Além disso, procuro escrever de maneira mais direta e clara do que antes. Apenas uma coisa não mudou em minha escrita, sempre evitei o uso excessivo do jargão jurídico. Na tradição brasileira isso é uma verdadeira epidemia que assola os textos de nossa área.

Quanto à minha tese, caso pudesse voltar no tempo, diria a mim mesmo: “Comece de onde você parou!”

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Os meus projetos de pesquisa também surgem do debate acadêmico, acima aludido. Porém, possuem um importante ingrediente: as circunstâncias sociais e políticas de nossos dias. Em outubro próximo a atual Constituição completará 30 anos em um cenário político marcada por uma eleição política crucial para o futuro da própria Constituição. Muitos constitucionalistas estão voltados para temas como ativismo judicial, relações entre executivo e legislativo, impeachment ou interpretação legal porque são os desafios de nosso tempo. Sempre procuro fazer projetos sobre problemas concretos, o que está longe de ser uma coisa fácil.

É difícil imaginar um livro que não exista. Acredito que existe uma infinidade de livros que não li porque não os encontrei ou nunca os encontrarei. É como no fantástico conto A biblioteca de Babel de Jorge Luís Borges, todos os livros escritos e por escrever estão em uma biblioteca infinita onde as pessoas passam suas vidas sem poder ler todo o intricado e caótico acervo.

* Entrevista publicada originalmente em 7 de agosto de 2018, no comoeuescrevo.com (@comoeuescrevo).

Arquivado em: Entrevistas

Sobre o autor

José Nunes (@comoeuescrevo) é doutor em direito pela Universidade de Brasília.

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