Aquilino Paiva é escritor, servidor público e músico amador, autor de “Ponte Estreita em Curva Sinuosa” (2012).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Bem, não sou escritor por profissão, sou funcionário público técnico administrativo na Universidade Federal do Sul da Bahia, então minha rotina diária matinal é acordar e ir pro trabalho. A escrita fica para as horas vagas.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Sinto que escrevo melhor pela manhã, mas, com a rotina de trabalho, tenho escrito também à noite. Nos finais de semana ou nas férias escrevo nas manhãs. Não tenho um ritual, mas preciso de um ambiente tranquilo, de preferência sem ninguém por perto, sozinho em casa.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Escrevo quase todos os dias. A meta diária é bastante modesta, apenas uma página por dia. Pesquei essa dica numa entrevista do José Saramago, que dizia que com uma página por dia você tem um livro de mais de trezentas páginas por ano, uma boa produção, e isso se encaixa bem no meu ritmo. Mas ainda assim, com a rotina do trabalho, nem sempre eu consigo cumprir essa meta.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Para mim, o segredo é manter a atenção na temática, ou na história que estou escrevendo. A escrita vai render se eu conseguir me envolver com o projeto durante todo o tempo, e não apenas no momento da produção escrita. No ato da escrita, diante do computador, as ideias já devem estar em mente e então são apenas materializadas como texto, mas a criação deve ser anterior à escrita. Na construção do texto propriamente, eu gosto de fazer um rascunho com uma estrutura geral e vou desenvolvendo o texto, buscando as ideias para dar consistência ao que pretendo construir. Desse modo, como uma construção mesmo, em etapas, não é difícil começar.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Nos últimos tempos, penso que consegui desenvolver um bom método para materializar as ideias e estabelecer meu ritmo de escrita, por isso não tenho tido grandes problemas com “travas”. Uma parte da arte é delírio, imaginação, mas a outra parte é trabalho, tem que ter uma organização mínima, uma visão do projeto que pretende realizar e encontrar caminhos, procedimentos que combinem com seu jeito de produzir, o ritmo que é particular a cada artista. O que me atrapalha é não ter tempo disponível para uma rotina diária tranquila de escrita. Não sou um escritor de explosões febris de produção, não escrevo dezenas de páginas em um único dia, preciso de tempo para escrever um pouco a cada dia. Desse modo, a coisa vai bem quando consigo manter uma disciplina, uma frequência de escrita rotineira, e isso vale para projetos longos também, como o que estou escrevendo agora. A outra parte da sua pergunta, sobre o medo das expectativas, acho que já passei dessa fase. Não tenho a certeza se o que escrevo é bom ou ruim, tenho inseguranças, demorei muito para publicar por conta da dúvida se eu escrevia dentro das minhas pretensões, mas chega uma hora que você decide que quer escrever, que quer publicar e tem que deixar essas dúvidas para trás, ou então você não escreve.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Reviso e altero muitas vezes. Como escrevo textos narrativos, é necessário se certificar da coerência interna, das lógicas que sustentam o texto e os personagens, os detalhes. Prefiro que outra pessoa faça a revisão ortográfica e gramatical, pois não me sinto um perito nos detalhes e armadilhas da nossa gramática. Tenho mostrado meu projeto atual para uma leitora de confiança, isso contribui para manter a regularidade da escrita e é bom saber que há um outro olhar sobre a história, pois tem muita coisa que acontece numa narrativa que o autor não percebe. Veja, minha leitora não tem feito análises ou interpretações, pois combinamos que isso pode atrapalhar meu processo, mas apenas saber que ela está lendo já me estimula e me dá um parâmetro de recepção. O texto tem uma autonomia surpreendente, é fácil se enganar com o que você mesmo escreve.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Por muitos anos escrevi com papel e caneta. Aos poucos fui me adaptando ao computador. O problema é que um computador conectado à internet pode desviar sua atenção facilmente e, às vezes, volto ao manuscrito, principalmente no rascunho, nos esboços iniciais do texto. A maior parte dos texto, o desenvolvimento e acabamento escrevo no computador. Gosto da tecnologia, a possibilidade de corrigir e acrescentar com facilidade, organizar os arquivos, tudo isso é muito bom. Tenho usado, inclusive, a escrita no google docs, pois posso acessar o texto em locais diversos.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Não tenho um conjunto de hábitos para ter ideias. Penso que se expressar por uma linguagem artística é adotar essa linguagem como forma de pensar o mundo, então, creio que o artista vê o mundo o tempo inteiro pelas lentes da sua arte. Assim, tudo o que vejo e penso pode ser ideia para compor minha literatura. O hábito, para usar sua expressão, é colocar as coisas na perspectiva da literatura. No meu caso, como me decidi pela narrativa, a observação da vida e das pessoas me dá ideias novas todos os dias, então, falta de assunto e ideias não é um problema, o problema é tempo para colocar no papel.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Mudou muita coisa, mudou tudo. Eu comecei a escrever na adolescência, e escrevia poesia. Só isso já é um processo de escrita bem diferente da narrativa. Durante muito tempo o ritmo da escrita era o da suposta inspiração, aparecia uma ideia eu escrevia. Passei muito tempo com a insegurança de saber se eu poderia mesmo ser escritor, publicar, e isso deixava a prática da escrita irregular. Muito tempo depois, fui experimentando as formas narrativas, passei a escrever contos e percebi que precisava disciplinar a escrita. A questão, para mim, foi entender meu ritmo de criação e de produção. Acho que o artista precisa entender como a própria cabeça funciona, encontrar os caminhos para realizar melhor sua produção, adequar isso à sua vida, suas outras atividades e trabalho. Creio que encontrei uma caminho razoável na escrita diária e na atenção constante, no envolvimento com aquilo que se está tentando criar. Isso responde, creio eu, à outra parte da pergunta, mas como não posso dizer a mim mesmo, pode valer de conselho pra quem quer escrever, que é encontrar uma maneira de produzir constantemente, compreender seu ritmo, sua melhor hora, entender que a realização artística é imaginação, mas é também uma prática, trabalho duro, comprometimento com o que se pretende construir.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho uns quatro ou cinco projetos na fila, falta tempo para realizar, pois, como disse, não sou escritor em tempo integral, pelo contrário, sou escritor de horas vagas, isso é meio frustrante mas é a vida. Para não deixar sua pergunta sem resposta, meu próximo projeto é alguma coisa sobre a questão do poder, um tema que tem me incomodado nos últimos tempos, diante dos acontecimentos recentes, e tenho reunido ideias sobre isso. Já os livros que eu gostaria de ler são os que já existem. Sou um leitor indisciplinado e minha lista de leituras tem lacunas imperdoáveis, então creio que vou passar a vida nessas leituras pendentes, mesmo sentindo falta de acompanhar as novidades, os autores mais atuais. No mais, espero que os livros que pretendo escrever passem a existir um dia, tomara que dê tempo.