Antônio Xerxenesky é doutorando em Teoria Literária pela USP e autor de As perguntas (Companhia das Letras, 2017).
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Desde que saí do meu emprego CLT, no qual era obrigado a existir e funcionar como um ser humano normal a partir das 9h, dedico as minhas manhãs ao sono. Tomo diariamente um remédio que me deixa um verdadeiro zumbi pela manhã e são raros os dias em que tenho manhãs produtivas. Acabei virando um notívago acidental. Uma boa manhã é conseguir passar café e tomar banho, ler as notícias dos jornais e responder e-mails.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Funciono bem somente a partir das 14h, após umas três doses de café. Geralmente às tardes trabalho com seja lá qual for o freelance que peguei para pagar as contas – tradução, artigo, ghostwriting, roteiro, redação institucional. Faço de tudo. A escrita literária geralmente faço à noite, depois das 20h, quando me permito servir uma dose de uísque e relaxar. O uísque neutraliza 50% da autocrítica que me impede de empreender qualquer trabalho artístico. Não quero insinuar que escrevo embriagado – uma dose de uísque não faz nem cócegas. Mas a sobriedade absoluta é impeditiva para mim. Fico travado.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Depende do quê – escrevo minha tese de doutorado quando não estou soterrado de trabalhos não-acadêmicos. Escrevo meus artigos seguindo a única meta possível: o prazo de entrega. Não funciono sem um prazo – de preferência curto.
Ficção, no entanto, é algo muito diferente. Não tenho rotina. Não escrevo ficção há cerca de um ano. Não consigo encontrar tempo para me dedicar a um projeto e as minhas únicas ideias para um novo romance ainda me soam frágeis. Preciso de tempo isolado, andando sem rumo, pensando e pensando, para dar consistência às ideias.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Na tese, a parte da escrita – que bloqueia tanta gente – sai ao natural para mim. É muito fácil assumir essa voz acadêmica que é um tanto quanto padrão, cujas preocupações de linguagem são menores. Quando escrevo a tese, quero soar da forma mais legível e compreensível. Quando escrevo ficção, quero provocar ambiguidade. A linguagem literária deve ser sempre opaca.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A procrastinação eu lido com vários pequenos truques: resolver tarefas insignificantes antes, como trocar a areia dos gatos, lavar a louça, pagar as contas. Em casa tenho muitas distrações – e tentações como o videogame. Então com frequência vou para uma biblioteca trabalhar. Minha preferida é a Biblioteca do IMS, na Avenida Paulista, que tem Wi-Fi rápido e ar-condicionado. Faz dois anos que não tenho perfil em redes sociais, apenas uma página profissional que confiro ocasionalmente. Não ter uma timeline resolve muitos problemas de procrastinação. E o dia parece ter 26 horas…
A ansiedade eu lido com Rivotril, mas mesmo assim ela não vai embora. Tenho muitos tiques com projetos longos. Sempre acho que vou cair morto, que meu avião vai despencar, então constantemente envio a última versão do meu romance para minha agente ou minha editora. Um pesadelo: morrer e publicarem a versão anterior de um romance.
Medo de não corresponder às expectativas? Alterno entre duas maneiras de pensar: (i) ninguém tem a menor expectativa, ninguém está minimamente interessado no que tenho para dizer; (ii) sempre que publico algo pelo menos umas dez pessoas dirão que o livro foi uma perda de tempo e um lixo. Já estou anestesiado.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Infinitas vezes, os meus textos de ficção. Os artigos críticos reviso apenas uma vez – até porque sei que passará por um editor, dois revisores etc. E o prazo está sempre ali, gritando. A tese, reviso com alguma frequência.
Mostro sempre para várias pessoas tudo o que escrevo antes de publicar. Meu sócio, Bruno Mattos, sempre revisa meus artigos de crítica, e muitas vezes opina em trechos de traduções que faço. Minha produção literária passa pelo crivo de uns sete leitores-teste, gente cruel capaz de dizer quando o livro está uma porcaria. Além disso, confio cegamente em todos que já me editaram. Sempre pedem muitas modificações, e as mudanças são sempre para melhor. Geralmente o escritor (de ficção) é quem menos tem capacidade para julgar seu próprio trabalho. Editores severos são peças fundamentais nos mecanismos de uma publicação.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo direto no computador trabalhos acadêmicos ou artigos. Já a escrita literária varia. Tenho um caderninho só para ideias, um caderno maior para trechos e um caderno só para poemas. Mas quando já estou com um romance engatado, escrevo direto no computador.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Pode parecer absurdo, mas geralmente roubo minhas ideias de livros que leio, filmes que assisto, músicas que escuto. Pego uma ideia daqui, outra dali, elas vão se somando, modificando-se. Ao final, é até difícil saber de onde veio a ideia original. A minha vida vai se misturando com as ideias, vou assimilando-as, tornando-as minhas. Foi assim que o romance que escrevi sob encomenda acabou se tornando o mais pessoal de todos os que escrevi.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar aos seus primeiros escritos?
Fui me tornando mais quadrado. Quando comecei a escrever ficção, era jovem – demais – e não tinha leitores. Havia uma liberdade, então. Uma liberdade impossível de recuperar que foi fundamental para os meus experimentos. O que eu diria para mim mesmo? “Calma. Não há pressa em publicar.” Todo moleque quer ver seu nome na capa de um livro o quanto antes.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu iniciei um romance ambicioso sobre partículas elementares que não consegui dar continuidade ainda. Preciso pesquisar, solidificar ideias, encontrar uma linguagem. Só terei tempo para isso quando defender a minha tese de doutorado.
Que livro eu gostaria de ler e não existe? Engraçado, quando estava pesquisando romances de terror, tive muita dificuldade em encontrar algo bom e contemporâneo. A maior parte dos livros de terror tem uma linguagem comercial que me irrita. Só em Thomas Ligotti encontrei uma voz realmente interessante, única, ousada, só que ele não escreveu romances, apenas contos. Então este é o livro que eu gostaria de ler: um romance de Ligotti.