Antônio Prado é escritor, autor de “As Ilusões Domésticas” e “As Filhas de Jó”.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu acordo com uma música suave, levanto e me alongo, e enquanto esquento a água para o café, vou até a janela da minha sala, medito um pouco e faço minhas orações, isso ali por volta das seis e meia, sete horas da manhã, a depender do dia. Depois da meditação e das preces, enquanto eu tomo o meu café (puro, forte e adoçado), vou até meu escritório e vejo no meu planner o que temos para o dia. Em seguida tomo banho, escovo os dentes e me troco para o meu dia de trabalho. Faço o mesmo aos sábados e domingos, porém sem a parte do trabalho. Eu dedico parte do meu sábado de manhã a escrever, quando estou com o período livre.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Olha, geralmente eu escrevo melhor pela manhã e aos fins de semana. Houve um tempo em que eu trabalhava bem, a nível de escrita, a qualquer hora do dia, mas hoje eu funciono melhor nas primeiras horas depois de acordar, que é um período em que eu estou mais sozinho em casa. A minha produção no fim das contas está mais relacionada com quão inspirado eu me sinto naquele momento e, principalmente, à possibilidade de estar sozinho e não ser interrompido. Por isso, antes de escrever, eu geralmente coloco meu telefone e outros aparelhos que possam me interromper com ligações, por exemplo, longe de mim, tiro o interfone do gancho e desligo o wi-fi. Preciso que minha atenção esteja toda voltada para aquilo que estou escrevendo.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Pois é, houve um tempo em que eu tentei colocar em prática um conselho que vi numa entrevista da Hilary Mantel, em que ela citou o livro da Dorothea Brande (que eu indico inclusive) chamado “Becoming a Writer”, e na qual ela dizia que temos que todos os dias termos um horário logo pelo início da manhã em que nos sentamos durante aquele período para escrever, então eu tinha aquela disciplina de acordar bem cedo e sentar meia hora todos os dias diante do computador e ver o que saía. Vamos dizer que produziu maravilhas o tempo em que eu mantive essa disciplina, mas também dificultou em outros termos, porque houve períodos em que eu sentava em frente ao computador naquele momento e não me vinha nada e, depois, em outro momento do dia, vinha. A disciplina pode matar um pouco da criatividade também, então temos que ter cuidado. Hoje, eu não consigo manter essa disciplina de escrever todos os dias, então não posso falar em uma meta diária, principalmente nesse tempo de pandemia em que mentalmente eu me sinto oprimido muitas vezes. Escrever, pra mim, tem que ser uma ferramenta de libertação, se eu a transformo em algo com o quê eu tenho que me comprometer mesmo quando eu estou exausto, então não está cumprindo esse seu papel.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Geralmente, as ideias vêm repentinamente, e às vezes vão embora também, então eu tenho que ser rápido, fazer uma anotação ou qualquer coisa do gênero para mais tarde montar o esquema da minha história. A minha criatividade é compensada por uma memória terrível, então eu tenho que lançar mão de recursos que me ajudem a não perder aquele momento de inspiração com a maior rapidez possível, e se for o caso até mesmo começar a escrever. As minhas anotações geralmente são para me ajudar a não perder aquele momento de luz, então não são muitas, são só uns rabiscos pra eu não me perder. Sobre a pesquisa, geralmente eu não tenho que fazer muita, porque o tema sobre o qual se funda muito da minha literatura é a vida doméstica, as relações interpessoais, então só quando aparece alguma questão mais complexa, como crime ou doença, que eu tenho que olhar para essas realidades com mais cuidado, mas de um modo geral é mais sentimento que propriamente conhecimento técnico das coisas, porém não descuido quando é necessário.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acredito que o remédio para isso é disciplina, coisa com a qual ultimamente estou em falta. Como eu disse, ela produz maravilhas, e uma das maravilhas é exatamente essa capacidade de ter colocar diante de situações em que você precisa produzir e te fazer seguir por esse caminho e realizá-lo, aos poucos e constantemente. Agora, com relação ao bloqueio criativo propriamente dito, um pouco a disciplina ajuda, mas também pode te esgotar e fazer você seguir para um outro. Eu posso parecer equivocado, mas essa é a minha experiência. Então de que modo eu lido com bloqueio criativo? Descansando. Saio da mesa, vou tomar um banho, cozinhar e comer alguma coisa, fazer um passeio e reparar nas paisagens e nas pessoas (sempre escute o que elas estão dizendo, às vezes ali está o que você precisa), conversar com os amigos e tal. Depois que a sua mente repousar, eu tenho certeza que ela irá lhe entregar o que precisa.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Meu processo é reverso ao da pergunta, porque eu geralmente só leio a história uma vez para ver se, a nível de narrativa, ela está como eu desejava, e logo em seguida, esteja como esteja, entrego para um ou dois amigos que estão habituados a trocar leituras comigo igualmente para que leiam e me digam o que acharam e, geralmente, eles já percebem coisas que devem ser melhoradas a nível de escrita, narrativa, estilo, ortografia etc. Depois disso, é só com o corretor profissional mesmo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Eu sempre fantasiei com aquela cena do escritor sentando em um café lotado, com o notebook na mesa e escrevendo, tomando um café, usando óculos e olhando para o horizonte enquanto imagina o que escrever. Mas, como eu disse, em termos de escrita, meu negócio é ficar sozinho. O notebook eu tenho e não dispenso, porque é basicamente onde eu produzo. Pouco escrevo à mão, para ser sincero, então meu trabalho começa e termina ali mesmo. Posso dizer que cumpri parte da minha fantasia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Acho que a primeira coisa que qualquer escritor tem que fazer é ler. Quem não lê como hábito, não escreve bem igualmente. Precisamos aprender a sermos bons escritores e só conseguiremos isso se tivermos o hábito de ler. Não existe bom escritor que não seja bom leitor, isso é um fato que eu tenho percebido com o passar dos tempos, inclusive na minha experiência pessoal; os períodos em que mais produzi foram períodos em que fui mais produtivo como leitor igualmente. Além de ler, também estar ligado a outras formas de expressão e narrativa, como séries, filmes e músicas. No meu caso, também estar conectado com as pessoas, com suas histórias, com o que elas têm para contar e o que eu posso observar delas e de suas vidas. Tudo isso me mantém inspirado a criar.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita dos seus primeiros textos?
Acredito que eu me tornei uma pessoa mais madura, capaz de identificar o que é bom e o que não é, em termos do que produzi, aquilo que merece ser passado pra frente, o que merece descansar um pouco na gaveta e o que merece que eu desista e jogue fora logo. É preciso saber colher o que há de melhor em você e somente identificando aquilo que serve, o que pode servir e o que não serve é que a gente dá passos. Eu diria para o meu eu mais jovem: “Continue, porque você vai chegar no ponto que deseja!”. Diria ainda para não se preocupar com publicações ou com público-alvo, em ser considerado popular demais ou intelectual demais, porque no fim das contas, você tem que escrever, sim, para os outros, mas aquilo que você mesmo gostaria de ler.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Essa pergunta é maravilhosa em muitos sentidos e eu agradeço que ela tenha sido feita. Lembrou-me mais uma vez aquelas dicas de escrita que a Hilary Mantel deu, em que ela diz “Escreva um livro que você mesmo gostaria de ler”, e uma fala da aclamada e saudosa Toni Morrison, “Se há um livro que você quer ler, mas não foi escrito ainda, então você deve escrevê-lo”. Então toda pequena ou longa história que eu escreva, é baseado nesses dois grandes, permitam-me chamar assim, mandamentos. É sobre a grandeza escondidas nas coisas pequenas, sobre a vida doméstica, sobre o que está ali e você não percebe, sobre o que se pretende que se permaneça oculto, mas que vem à superfície, sobre o amor e o ódio de ser e de estar numa família, sobre as alegrias e os dissabores de simplesmente viver… Quero que toda a minha literatura seja baseada nisso, então esse é o meu projeto, e todos os livros que eu gostaria de ler são aqueles que ainda não escrevi.