Antônio Pimentel é cronista, sociólogo, consultor para o desenvolvimento de projetos sociais.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Acordo cedo. Faço e bebo café. Arrumo a cama, lavo as vasilhas do café. Tenho mania de arrumação. Não consigo seguir o dia com cama desarrumada e pia cheia de vasilhas. Neuras que cultivo, sem sofrimentos. Passo os olhos nos jornais, sempre pela internet. Ando com muita preguiça do noticiário: pautas viciadas, polêmicas estéreis, personagens enfadonhos, muita coisa chata. Olho o Facebook, principal rede social que acesso, uso e gosto. Faço a leitura das postagens de amigos e amigas. Releio meus escritos recentes, faço correções e ajustes. Dedico tempo maior aos textos que estão em produção. Começo a escrita de novos textos. Escrevo crônicas. Elas ficam em segundo plano quando tenho que produzir algo do meu trabalho como consultor para o desenvolvimento de projetos sociais. Se for ficar em casa, tomo banho com a manhã já avançada e volto aos textos, até a hora do almoço.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
A manhã é o meu melhor momento para escrever. Escrevo em outros horários também. Tudo depende das ideias, de algo que fica maduro na cabeça e precisa virar escrita. Mas a manhã é o horário de maior concentração e dedicação. Não tenho rituais elaborados. Destaco dois pontos do meu jeito de escrever. Começo a escrita quando já tenho a ideia organizada na cabeça. Uma crônica ganha vida (inteira ou quase) primeiro no pensamento. Quando tem começo, meio e fim delineados, vai para a tela do computador. Não fico parado diante do computador, à espera de inspiração ou coisa parecida. Tenho uma mania muito presente: iniciar a crônica pelo título. Um bom título é sinal de texto maduro, bem desenhado, pronto para a escrita. Raramente mudo o nome de batismo da crônica. Tudo isso vale também para textos de trabalho: projetos, sistematizações, cartilhas, manuais, relatórios, pareceres. O título é bom sinal para minha escrita.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
A partir do momento que comecei a escrever crônicas com regularidade, procuro escrever todos os dias. Não me lembro dos nomes, mas li escritores que recomendavam essa prática: produzir todos os dias, pelo menos uma página, alguns parágrafos. Hoje, tenho essa meta. Não é meta de volume de texto, mas de escrita regular, diária. Avalio que é boa prática. Cria disciplina, ajuda na organização das ideias e melhora a escrita. Ótimo exercício.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
O passo essencial é a ideia organizada na cabeça, um processo intenso, que pode gerar anotações ou um breve roteiro. O bom título é sinal de maturidade, texto pronto para nascer. Quando sento diante do computador, escrevo a primeira versão da crônica, começo, meio e fim. Deixo descansar. Mais tarde ou no dia seguinte, releio, ajusto, mudo. Faço poucas releituras. Três ou quatro, antes de publicar. Outro ponto importantíssimo: escrevo com o apoio de dicionário, site de dicas de português e dicionário de sinônimos. Faço consultas para evitar erros gramaticais, ver o sentido das palavras e expressões que uso, evitar a repetição de palavras.
Pesquiso anotações que coleciono, busco ideias na minha família (escrevi muitas crônicas com memórias familiares), checo informações na internet, busco assuntos com a leitura de livros de história do Brasil. Meus livros são fontes de ideias. Releio passagens. Recentemente, relendo um livro de Antonio Callado sobre a Guerra do Vietnã, escrevi uma crônica sobre o assunto, e agreguei referências sobre o mesmo tema extraídas de reportagem do jornalista José Hamilton Ribeiro para a revista Realidade. Textos da época da guerra e úteis para uma crônica de hoje.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Às vezes, um tema novo ou o desenvolvimento de uma crônica demoram. Fico inquieto. Só sossego quando as ideias vão aparecendo. Não é inquietação ruim, preocupante. É vontade de achar o fio da meada e começar a desenvolver um texto. Não sou de procrastinações. Quando as ideias ganham corpo, escrevo logo e rápido. Não conheço a fundo as expectativas dos potenciais leitores. Acho que isso será sempre um mistério. Sei que algumas temáticas têm melhor aceitação com leitores mais regulares. Não tenho medo, mas muita vontade de acertar a mão e ver que os leitores gostaram. Fico feliz com os retornos: comentários, curtidas facebookianas, elogios. É muito gostoso perceber que você tocou a emoção das pessoas com seu texto. É o melhor de tudo. Recentemente, me dediquei à preparação do meu primeiro livro de crônicas (“A Lembrança Mais Antiga”, Desconcertos Editora, 2019). Foi um projeto demorado e trabalhoso, mas crônicas são textos curtos. Não geram maior ansiedade. Não tenho a experiência de textos longos. Cultivo o projeto de um livro sobre o lugar onde nasci. A procrastinação ronda essa empreitada.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Escrevo crônicas de uma sentada, deixo descansar um ou dois dias e volto ao texto. Reviso três ou quatro vezes, em média. Antes de publicar, releio mais uma vez. Não mostro meus textos para ninguém. Publico semanalmente no Facebook. Aí os textos são abertos à leitura e crítica de todo mundo.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo direto no computador, sempre. Noto que cada vez mais minha letra cursiva está pior. Até para assinar meu nome eu tenho dificuldades. Isso me preocupa um pouco. Faço algumas anotações à mão. Mantenho um bloco com frases, palavras, ideias para as crônicas. Não há um acúmulo de anotações. Elas são usadas para os escritos mais imediatos.
Apesar de escrever no computador, tenho uma relação muito precária com a tecnologia. Uso o computador para escrever, pesquisar, acessar redes sociais, publicar e armazenar minhas crônicas facebookianas. Meu computador é uma máquina de escrever bem melhorada.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
Minha memória familiar tem sido a principal fonte de ideias. Minha memória pessoal pesa muito também. Livros, jornais, revistas, televisão, conversas ouvidas no ônibus e leituras dos textos de amigos são fontes de inspirações. Um causo familiar vira crônica com facilidade. A observação de uma cena urbana também. Converso com minha mãe. Ela tem 90 anos e é depositária da memória familiar. Da conversa com ela resgato boas ideias para crônicas. Um dia desses, vi três rapazes abordando grosseiramente uma moça na rua. No dia seguinte, a crônica estava pronta. Olhos e ouvidos atentos são meus melhores hábitos para descobrir ideias e escrever.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
São três as mudanças. A primeira foi escrever crônicas. Ousar além dos textos técnicos, de trabalho. Sou formado em Ciências Sociais e isso marca o texto. Cacoetes profissionais. A escrita de crônicas é uma espécie de libertação do texto. A segunda foi investir mais tempo na escrita. Organizar as ideias, escrever, rever, buscar a melhoria. E a terceira foi publicar com regularidade no Facebook. Submeter meus escritos à leitura de outras pessoas foi decisão difícil. Custei a começar a publicar. Receio de não ser lido por ninguém. Receio de não agradar a ninguém. Com o tempo, esses receios foram abrandados ou superados. O incentivo dos leitores foi vital para minha continuidade.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Como já disse anteriormente, cultivo o projeto de um livro sobre o lugar onde nasci. Será uma grande crônica sobre um bairro de Belo Horizonte, um beco, seus moradores, tipos divertidos. Memórias e histórias de uma pequena comunidade, de uma espécie de gueto. Outro projeto, talvez mais rápido, é reescrever algumas crônicas com uma mudança na redação: transformá-las em diálogos. Sair da escrita descritiva, dar vida e fala aos personagens. Estou matutando. Vamos ver o que sai.